Xisto, da Abraget: “Leilão de neutralidade tecnológica é o maior erro em 15 anos”

Roberto Rockmann*

Os geradores termelétricos são contrários aos leilões de neutralidade tecnológica (sem diferenciação de preço por fonte de geração), segundo o presidente da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas), Xisto Vieira Filho. 

À Agência iNFRA, Xisto disse que as mudanças propostas pelo governo e defendidas por parte do mercado seriam uma má ideia. “Acho leilão de neutralidade tecnológica o maior erro técnico falado em 15 anos. Isso é introduzir a confiabilidade intermitente no sistema”, afirmou.

Para assegurar confiabilidade ao sistema, estudos encomendados pela associação apontam a necessidade de ter 15 GW (gigawatts) de térmicas até 2030, segundo o executivo.

O setor também já começa a discutir regulação de armazenamento de gás, segmento que ganhou destaque com a guerra entre Rússia e Ucrânia, informa ele. A seguir os principais trechos da entrevista exclusiva:

Agência iNFRA: A chegada do mercado livre de energia à baixa tensão parece premente. Qual será o impacto sobre a expansão do setor de geração térmica, já que temos visto as usinas a gás natural sendo contratadas com custos no mercado regulado?
Xisto Vieira Filho: Nós introduzimos no Brasil o leilão de reserva de capacidade, que no fundo é um leilão de confiabilidade. A demanda dele não é configurada em megawatts médios como os leilões de contratação regulares, mas calculada em parâmetros de confiabilidade determinados pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).

Nós vemos qual o montante de geração necessária para satisfazer o critério de confiabilidade. Ele é pago por todos os consumidores. O papel das usinas térmicas no sistema é dar confiabilidade energética e elétrica ao sistema.

Se tivermos abertura total em 2028, como fica a alocação para financiar a expansão térmica?
Se tivermos zero de consumidores cativos, esse custo do leilão de capacidade seria dividido por todos. Na abertura do mercado, vão ser os varejistas que poderão investir na fonte para compor um portfólio com diversas fontes de energia.

Essas varejistas e essas comercializadoras serão uma nova força no mercado térmico? Temos visto empresas com hidrelétricas buscando eólicas e solares. Essas grandes empresas também poderão diversificar com energia térmica?
Poderão, lógico, a ideia é sempre a mesma: diversificar. No futuro próximo, vai haver uma grande parceria, por exemplo, entre eólica e solar e também com as eólicas offshore e as térmicas em hidrogênio verde. Por quê? Eu injeto esse hidrogênio e o misturo com gás natural e mantenho as turbinas da geração térmica operando.

Essas usinas têm inércia, controladores de oscilação e frequência, o que me permite manter a confiabilidade do sistema com térmicas verdes. Espero que tenhamos isso em dez anos, ou seja, 90% de hidrogênio verde e 10% de gás natural misturado em térmicas. A gente já está com agenda com a Abeeólica [Associação Brasileira de Energia Eólica] para discutir.

As térmicas podem contribuir com o avanço das eólicas offshore?
Haverá uma parceria importante entre as térmicas e as eólicas offshore. Somos a favor da diversificação da matriz e as térmicas asseguram confiabilidade e controlabilidade. Há duas coisas importantes para a operação: controlabilidade e sincronismo para duas variáveis básicas, que são tensão e frequência. Se o Operador não tem isso às mãos, não conseguirá exercer sua tarefa.

Os dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) mostram que há oscilações de tensão em alguns momentos do dia, por exemplo, com o avanço do efeito da GD (geração distribuída) solar. Muitos falam que as hidrelétricas teriam de ser remuneradas por oferecer potência em horários de pico. E as térmicas?
Quando tem chuva e elas acumulam água, as hidrelétricas com reservatórios são as melhores usinas do sistema. O papel da térmica é manter a confiabilidade dessas hidrelétricas e manter a confiabilidade para a operação do sistema.

O caso da GD solar é um dos temas em que os operadores têm se debruçado no mundo. Ele deve ser o de maior preocupação na operação no futuro. Por quê? Haverá intermitência crescente. Quando a GD solar se multiplica, criam-se incertezas sobre onde está a carga, como ela será acionada, como será a temperatura, como será a irradiação. Exigirá mais inteligência e recursos.

Se nessa hora ele não tiver a controlabilidade do sistema, o sistema pode cair, sem querer. Quem ele terá à mão para ajudar? Hidrelétricas e termelétricas. Imagine o ano passado, extremamente seco, quando não se pode gerar muito nas hidrelétricas porque a altura de queda não permite. Se não tiver termelétrica, sabe o que acontece? O sistema cai de cinco em cinco minutos. É simples.

É preciso de um sistema de precificação diferente por oferecer esses serviços como controlabilidade, potência, atender a ponta?
Sim, é um sistema diferente, é um novo momento. O leilão de capacidade preconizado aqui é extremamente poderoso. Se quiser, pode fazer um leilão apenas para potência, que eu não acho que seja a melhor solução, mas existe essa possibilidade.

Também pode fazer um leilão de potência, mas com energia por conta do investidor da térmica. Isso quer dizer o quê? Faz um leilão de potência e a empresa põe energia no mercado spot [de curto prazo]. Ele só vai ser despachado quando o custo for menor que o da água, isso será bom para o sistema. Essa é a situação ideal. Essa ferramenta já está disponível no leilão de capacidade.

O governo estava estruturando um leilão de reserva de potência para ser realizado em 2023 e que poderá combinar formas de armazenamento de energia, o que seria um passo inicial de um leilão de neutralidade tecnológica. Como analisa isso?
Acho leilão de neutralidade tecnológica o maior erro técnico falado em 15 anos. Isso é introduzir a confiabilidade intermitente no sistema.

Por quê? O sistema não está com cada vez mais fontes variáveis?
Primeiro, não existe bateria que suporte uma potência de curto-circuito. Se houver um curto trifásico, haverá instabilidade e a bateria não terá condições de suprir. Ela sairá de operação.

Se uma bateria for inventada e tiver essa capacidade, ela poderá suprir a primeira queda de frequência, a potência mecânica da inércia, mas aí ela descarrega, e aí quem segura a frequência e tensão? Se tivesse no mercado uma bateria, que pode sair em quinze anos, teria de haver um conjunto delas, e isso substitui uma parte da demanda.

Então, sob essa ótica, não há necessidade de mudança desse escopo de leilão?
É isso mesmo. Qual a diferença entre uma térmica e uma bateria? A bateria pode substituir a inércia da máquina, mas depois desse momento ela não controla mais nada, o sistema fica dinamicamente instável. A térmica oferece muito mais: controle de tensão, frequência e um sistema de estabilização dinâmica.

Qual será o espaço que as térmicas terão até o início da próxima década?
Temos estudos que apontam que, para assegurar confiabilidade ao sistema, até 2030, teríamos de ter 15 GW (gigawatts) de térmicas.

Esse número inclui os 8 GW de térmicas da lei que autorizou a capitalização da Eletrobras?
Primeiro, eu sempre faço um alerta antes de ingressar nesse tópico: a entidade não teve nada a ver com isso, não participamos de estudos. A única análise que fizemos com referência a isso é que chegamos à conclusão de que um pouco de inflexibilidade, cerca de 30%, poderia ser benéfico em algumas térmicas.

Digamos que, se tivesse 4 GW com 30% inflexíveis, poderia haver benefícios ao sistema. Mas 8 GW com inflexibilidade de 70% em locais sem acesso eu não sei. Nós consideramos 6 GW da Eletrobras para entrar em operação.

Por que seis e não oito?
Achamos muito difícil materializar isso no Nordeste. Seriam então 15 GW mais esses 6 GW da Eletrobras. Acho que a inflexibilidade de 70% não foi de ordem sistêmica, mas com a intenção de universalizar o uso do gás. Sobre a questão socioambiental, não sabemos, mas alguém deve ter feito esse estudo.

Desses 15 GW para os quais vocês veem espaço pelo estudo feito pela Thymos, quantos estão em construção, quantos serão licitados?
Estamos esperando que agora no primeiro trimestre tenha um leilão de capacidade normal, sem nenhuma mudança em relação ao sistema que tem sido feito há anos. Nossa expectativa de demanda é de 4 GW a 5 GW.

Tem uma coisa sobre preço que podemos falar. Quando eu faço um leilão de capacidade, o intuito é confiabilidade do sistema, não tem nada a ver com neutralidade tecnológica.

Quando a gente põe o produto térmica, já vêm anexo inércia e controladores robustos de frequência, tensão, estabilidade dinâmica. Se, em vez de térmicas, eu colocasse renováveis, para manter o mesmo nível de segurança, teria de por junto umas cinco linhas de transmissão, dez compensadores, 20 reatores. Seria muito mais caro.

Cada fonte tem seu papel. As eólicas e solares têm de aumentar a participação, mas para isso é preciso suporte térmico. Para uma participação de 60% de eólica e solar, terá de ter hidrelétrica ou térmica, mas não tem hidrelétrica como se fazia antigamente.

O que a crise hídrica mostrou?
No período mais crítico, de abril a novembro de 2021, as termelétricas geraram 146 GW médios; as eólicas, 72 GW médios; as solares, 7,4 GW médios; as hidrelétricas, 300 GW médios. Ou seja, as hídricas ainda são muito importantes. Isso mostra a importância da base térmica.

Haverá um aumento gradual da exploração de gás no pré-sal, cujo preço se tornou um trunfo no mundo de hoje. Vai haver disputa com indústria, com térmica, que pode ficar mais perto da área de consumo. Há gás para todos?
O gás do pré-sal seria uma oportunidade sensacional para desenvolver um leilão do tipo desse das térmicas da Eletrobras. Por quê? Porque tem de consumir aquele gás todo. Fazer uma geração inflexível com o gás do pré-sal teria vantagens. A maioria teria de ser no Sudeste para minimizar custos.

Como fica o mercado de armazenamento de gás, que tem ganhado um patamar de importância diferenciada no contexto atual?
Já começamos a estudar esse assunto e a conversar com o regulador. Há empresas que atuam no Brasil muito habilitadas nessa área, como a Petrobras. Nos anos futuros, isso será um diferencial. Quando o GNL [gás natural liquefeito] e navios forem flexíveis, será importante ter flexibilidade em toda a cadeia. Não existe ainda regulação sobre o tema, que envolve tanto a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) quando a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Como será regulado o armazenamento na operação do sistema elétrico?
A gente tem discutido com o ONS sobre o despacho térmico e o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) horário. Várias vezes se viu que é pedido para a térmica partir para a operação em um momento e duas horas depois chega a informação de que não precisa mais. Isso é uma questão, o gás para ajudar na carga já foi pago. Muda tudo em duas horas pelo aumento da intermitência no sistema.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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