Transição para frota elétrica e híbrida no país não deve pressionar matriz energética brasileira


Guilherme Mendes, da Agência iNFRA

O desenvolvimento energético do país para o futuro impõe os mais variados desafios aos formuladores de políticas públicas – e a entrada de veículos elétricos e híbridos no país não parece ser uma delas.

Técnicos do setor e professores ouvidos pela Agência iNFRA apontam que, apesar de constante, o aumento da frota movida parcial ou totalmente por energia elétrica não será predominante entre o total circulante no país até 2030 nem deverá gerar maiores demandas sobre o sistema elétrico brasileiro.

A EPE  (Empresa de Pesquisa Energética) está atualizando as suas pesquisas a respeito de eletromobilidade – nos dados mais recentes, do final de 2018, a empresa ligada ao Ministério de Minas e Energia projeta que veículos elétricos e híbridos responderão por cerca de 4,5% do licenciamento em 2030, o que geraria, segundo o diretor de Estudos Econômico-Energéticos da entidade, Giovani Vitoria Machado, uma pressão de 6% sobre a demanda energética em 2030. “Não é preocupante do ponto de vista de atendimento”, resumiu. 

A transição do Brasil a uma matriz energética mais limpa é inevitável – vide os carros flex fuel, que hoje são 80% da frota e poderão chegar a 90% no fim da próxima década, segundo a EPE. A curva de entrada dos veículos elétricos, porém, será mais alongada no Brasil, e não apenas por questões de infraestrutura elétrica.

O número de veículos licenciados elétricos ainda é um percentual muito baixo, apontam especialistas. A afirmação é respaldada pelos dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que registrou o licenciamento de 6.234 veículos do tipo elétrico ou híbrido até maio deste ano – foram 11.858 do mesmo tipo no ano passado. O número é marginal perto dos veículos do tipo flex fuel, que tiveram 547.016 unidades emplacadas até maio e 2.328.650 em todo o ano de 2019.

Preço alto inibe demanda
Outro ponto que inibe o aumento da frota de veículos elétricos e híbridos no país é o alto preço de venda: um novo exemplar do Toyota Prius, um dos mais populares dentro dessa categoria, custa R$ 126 mil. “O market share de veículos acima de R$ 80 mil vendidos no Brasil é de 6%. Acima de R$ 100 mil, é de 4%. Isso já mostra que o nicho de mercado para entrada é muito pequeno – uma vez que o valor médio do veículo no Brasil é entre R$ 30 e R$ 40 mil”, analisa Giovani Machado, da EPE. “E isso já restringe bastante a preocupação sobre se a entrada poderá gerar problemas de abastecimento elétrico ou não.” 

“Em termos de indústria automobilística, o governo incentiva a produção de carros convencionais, via isenções tributárias, tentando manter essas fábricas aqui. O nosso governo não está pensando em carros elétricos neste momento”, apontou o doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo e professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Vivaldo José Breternitz. “Pode-se falar em uma política ou outra, mas nada a nível macro.”

Projetos pioneiros são otimistas
Há quem consiga ver a conjuntura como otimista: “Mesmo durante este ano, crescemos em 13% o volume de carros elétricos”, ressaltou Aksel Krieger, CEO do BMW Group Brasil, durante transmissão promovida na última segunda-feira (15) pela FGV (Fundação Getulio Vargas).

Apesar de não especificar se o número se refere ao Brasil ou ao mundo, o CEO aponta para uma diminuição de custos do carro elétrico ao longo do tempo: “Ao longo do tempo, será possível ver que o veículo [elétrico] terá o custo reduzido, com outras montadoras entrando. Isso obviamente ajuda a baixar preços de bateria e infraestrutura”. A BMW foi a primeira vender um veículo totalmente elétrico no país – desde 2016, o i3 é uma das alternativas no mercado, custando cerca de R$ 160 mil.

A montadora se aliou à rede de postos Ipiranga e opera, desde julho de 2018, um corredor de postos de carregamento para veículos elétricos entre São Paulo e Rio de Janeiro, distantes em cerca de 430 km. A iniciativa, adotada junto com a EDP Brasil e a BMW, permite que um veículo que carregue suas baterias em um dos seis postos no trajeto, preencha 80% da bateria de 22kWh em 25 minutos. 

Hoje, a rede opera 20 pontos de recarga em 11 estados. “Ainda é um processo inicial de transformação, mas já estamos começando”, afirmou Marcelo Araújo, CEO da Petróleo Ipiranga, durante a transmissão virtual da FGV.

Infraestrutura e mercado enfrentam problemas distintos
Há problemas que o próprio mercado não consegue resolver: uma das marcas de referência em veículos elétricos (e ainda ausente no Brasil), a Tesla anunciou em 2019 um veículo capaz de percorrer 500 milhas (ou 800 km) com uma única carga de bateria.

Apesar da autonomia superior a muitos concorrentes e de ser capaz de percorrer o corredor montado entre Rio e São Paulo, o veículo seria incapaz de percorrer a distância entre São Paulo e Brasília (1.016 km) sem ao menos uma recarga, ou entre Salvador e Belo Horizonte (1.416 km). 

“É comum pessoas fazerem longas viagens de carro no Brasil”, argumentou o professor Vivaldo Breternitz, do Mackenzie. “Nenhum dos carros no mercado brasileiro atinge 400 milhas, ou 600 km de autonomia”, o que inviabilizaria viagens apenas utilizando-se da eletricidade entre, por exemplo, a capital paulista e Presidente Prudente, no extremo-oeste do estado. 

Segundo o professor, as cerca de 140 estações de abastecimento existentes no país, assim como a indecisão da indústria automobilística sobre que rumo tomar, acabam por inviabilizar um crescimento desse tipo de frota.

Demanda não por energia, mas por potência
Mas há a possibilidade de que donos de carros carreguem seus carros em casa – o que, à primeira vista, poderia trazer ainda mais presão em determinados horários. Questionado se um aumento repentino da frota, não previsto pela EPE, acarretaria em aumento de demanda de energia, Giovani Machado relativizou a questão: “O mais complicado não é a demanda de energia, e sim a demanda de potência. Porque não se sabe a hora em que todo mundo carregará”.  

“Digamos que a pessoa chegue do trabalho às 18h”, exemplifica o diretor da Empresa de Pesquisa Energética. “Se a entrada de veículos elétricos for muito grande e todo mundo colocar o seu carro na tomada assim que chegar em casa, às 18h, 19h, haverá uma sobreposição com outras demandas que poderá gerar um problema de potência.”

Para não ter risco deste problema de simultaneidade, argumenta, seriam necessárias medidas mais profundas, como medidores inteligentes e a adoção de uma política de preço horário. “É um dos fatores que tornam a entrada do carro elétrico mais complexa”, reconheceu.

As fichas estariam apostadas, portanto, em veículos híbridos, que poderiam contornar melhor dificuldades de mercado e de infraestrutura. “Ainda vejo a solução, para o Brasil, em cima do híbrido”, afirmou Aksel Krieger, da BMW. “Não vamos conseguir ter tantos pontos de carregamento, mas o híbrido consegue dar a transição para o elétrico de maneira bem interessante.”

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