Suspendam a sétima rodada de concessões de aeroportos!

Dario Rais*

O programa federal de concessões de aeroportos é, seguramente, uma das iniciativas mais exitosas do estado brasileiro. Desde a primeira (São Gonçalo do Amarante, 2011) até a sexta rodada (2021) foram inúmeros os avanços regulatórios, de gestão contratual, de realocação dos riscos e reorganização dos ativos para leilão. Parece que, na ânsia de “concluir o programa”, o atual Governo Federal está pondo tudo a perder.

Senão vejamos: a começar com a organização dos ativos. O conceito de bloco, que norteou a quinta e sexta rodadas, foi jogado na lata de lixo. Nas citadas rodadas os aeroportos foram agrupados de acordo com características econômicas (turismo, agronegócio) ou regionais que possibilitaram sinergias entre os aeroportos menores e o principal. Tendo como base um EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) abaixo da crítica (dedicarei-me a isso mais adiante), juntou-se aeroportos do interior do Pará com o aeroporto de Congonhas!

O bloco ficou com dois aeroportos de São Paulo (Congonhas e Campo de Marte) três do Mato Grosso do Sul (Campo Grande, Corumbá e Ponta Porã) e quatro do interior do Pará (Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira).

Ao longo do processo de consulta, segmentos do estado do Rio de Janeiro se organizaram para proteger seus ativos aeroportuários, em especial o aeroporto do Galeão. Lograram êxito, com a postergação do leilão do aeroporto Santos Dumont, agora em conjunto com o Galeão, recentemente devolvido pela concessionária atual. Os demais aeroportos que integravam esse bloco foram redistribuídos – Jacarepaguá (RJ) passou a formar um bloco com o aeroporto Campo de Marte (SP), e os três de Minas Gerais (Uberaba, Uberlândia e Montes Claros) vieram para compor o “blocão” capitaneado por Congonhas.

O principal motivo para essa mexida toda é que o EVTEA teria indicado um VPL negativo tanto para o bloco inicial Belém, Macapá e os quatro do interior do Pará, como para os três de Minas Gerais. Por outro lado, o potencial de Congonhas seria suficiente para acomodar a todos….

Algumas observações:

  1. É legítimo que um ente da federação defenda os ativos que entende serem de importância para o desenvolvimento local. O que foi feito no caso do Santos Dumont, no entanto, é um equívoco. Recomendo o artigo de Paulo Ganime e Thiago Caldeira no Globo e o comentário de Tobias Markert feito aqui no iNFRADebate para uma visão mais precisa da questão;
  2. É legítimo também que um EVTEA seja conservador, para que os resultados dos leilões realcem o sucesso da iniciativa. O que não é aceitável é desprezar investimentos que foram recentemente feitos e que impactam o volume e a distribuição temporal do capex, como é o caso dos aeroportos de Uberlândia e Montes Claros. Eu já tive a oportunidade de ver avaliações do “bloco Minas Gerais” onde esses investimentos citados foram considerados e o resultado foi um empreendimento com VPL positivo!
  3. O potencial de Congonhas para suportar todos esses aeroportos decorre de outro erro do EVTEA – considerar a demanda superior a 30 milhões de passageiros anuais no aeroporto. NÃO há sistema viário para isso. A ligação norte–sul (23 de maio, Washington Luís) e a avenida dos Bandeirantes, únicos acessos, já estão no limite de sua capacidade. Imagine o caos com o aumento de 50 % no movimento do aeroporto. E tem gente do Governo Federal que acha que um monotrilho entre o aeroporto e o Shopping Morumbi é a solução… A comunidade do entorno NÃO vai aceitar o aumento de voos. Pior ainda quando a estratégia para esse aumento passa pelo fim da aviação geral no aeroporto, reduzindo a conectividade da cidade.

Nessas condições, a quem interessa manter a sétima rodada? Penso que além do Governo, apenas alguma companhia de concessões interessada em adquirir Congonhas por um valor inferior ao que ele efetivamente vale, pois a referência do leilão foi contagiada pelos erros do EVTEA e pela montagem de um bloco que desestimula os players atuais e afugenta novos entrantes.

Com esse cenário, não há a menor necessidade da manutenção do leilão com os blocos hoje disponíveis. Lembrando que os dois aeroportos maiores do Rio de Janeiro já tiveram seu leilão postergado, suspenda-se a rodada com a retomada dos estudos de viabilidade. Estudos que considerem os incrementos de capacidade decorrente do que foi investido nos aeroportos a leiloar, as possibilidades das análises de segurança operacional e as restrições de capacidade (próprias do aeroporto e impostas pelo entorno).

O aeroporto de Congonhas deve ser objeto de uma avaliação específica. Isso porque ele pode ter um papel diferenciado no desenvolvimento da aviação civil no país. Há muito defendo que o Brasil não pode prescindir de um órgão público para gestão de aeroportos, por dois motivos: um aeroporto gerido por uma empresa pública pode operar como uma concessionária espelho, auxiliando o poder concedente e a agência reguladora a entender melhor o impacto dos avanços da tecnologia na gestão do ativo, aspecto de importância quando se trata de contratos com 30 anos de duração. O outro motivo é a garantia de capilaridade e cobertura espacial dos serviços aéreos.

O esforço que sucessivos governos têm feito para melhorar os aeroportos regionais (com significativo avanço no atual governo) não pode correr o risco de se perder por uma carência gerencial.

Centenas de pequenos aeroportos hoje não têm como manter um equilíbrio financeiro. Mas são de grande importância para o sistema de transportes do país. Há que se procurar uma alternativa para esse desafio – o próprio estudo do Governo Federal para viabilizar uma PPP (parceria público-privada) para aeroportos no Amazonas demonstra essa necessidade.

Iniciativas da Infraero para assumir a gestão em pequenos aeroportos mostram que essa é uma alternativa a analisar – um aeroporto com grande potencial de resultados mantendo uma rede de pequenos aeroportos espalhados pelo país.

A aviação civil e, consequentemente, o sistema de mobilidade nacional, só tem a ganhar.

*Dario Rais Lopes é ex-secretário nacional de Aviação Civil e professor da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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