Subsídios na conta de luz que bancam políticas de governo deveriam ser pagos pelo Tesouro, diz Abradee

Jade Abreu e Leila Coimbra, da Agência iNFRA

 

A escalada das tarifas de energia é fruto, principalmente, de penduricalhos na conta de eletricidade que financiam políticas públicas. Esse custo não deveria ser bancado pelo consumidor de energia, mas sim pelo contribuinte, segundo Nelson Leite, presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica).

Na visão do executivo, os subsídios embutidos na conta de eletricidade são fruto de uma política de governo e, portanto, deveriam ser pagos com recursos do Tesouro. Para ele, as tarifas de energia viraram uma fonte mais fácil de arrecadação de recursos pela União.

Essa alta nos preços da energia, no entanto, causa preocupação aos distribuidores de energia elétrica. A conta mais cara provoca o aumento da inadimplência e, segundo Leite, esse déficit acaba sendo arcado pelas concessionárias.

Em relação às indicações à diretoria da ANEEL, o presidente da Abradee acredita que seria bom escolher para a última vaga da diretoria um nome que não fosse do quadro de funcionários da agência reguladora “para diversificar”.

O diretor da associação, Marco Delgado, é um dos candidatos a uma vaga na diretoria do órgão regulador. Para Nelson Leite, a ANEEL é “a melhor agência reguladora do Brasil”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista do presidente da Abradee à Agência iNFRA:

Como o senhor avalia a escalada das tarifas? 
É motivo de preocupação e é consequência de despesas que não são de responsabilidade das distribuidoras, como, por exemplo, a compra de energia. O aumento no custo da geração aumenta as tarifas, e a distribuidora arca com todo o ônus da inadimplência. A distribuidora tem mais dificuldade para poder cobrar. A distribuidora tem que pagar uma conta mais alta, mas não recebe do consumidor. A parcela de risco aumenta.

O que pode ser feito para minimizar? 
O primeiro ponto seria nós repensarmos os encargos e tributos nas tarifas. Há um interesse em fazer determinada política social, que cria um subsídio, mas aí joga o subsídio na energia elétrica porque é mais fácil arrecadar. Então, nós temos os subsídios que cobrem políticas sociais de governo. O governo quer dar um estímulo ao produtor rural para produzir alimentos mais baratos. Então, cria um subsídio na energia elétrica. Depois, outro para irrigação… e assim vai. Eu acho que tem subsídio que não deveria estar na conta de luz. Cobrem políticas sociais do governo. Não deveriam ser cobertos pelo consumidor de energia elétrica. Deveriam ser pagos pelo contribuinte.

Sobre o projeto de lei que viabiliza a privatização das distribuidoras da Eletrobras, o  senhor acredita que será aprovado? 
Tem uma questão política difícil de ser avaliada por causa da fraqueza do governo e da dificuldade de aprovar os projetos prioritários do Executivo no Senado, mas eu acredito que, para o bem do Brasil, é importante que seja aprovado. Ele traz a solução do GSF, que é muito importante para o setor elétrico, e dá mais segurança jurídica para a venda das distribuidoras da Eletrobras. Então, é importante que seja aprovado.

Teria algum impacto dessa aprovação nas tarifas? 
Tem impacto na medida em que se coloca aquela questão do combustível dos sistemas isolados. Tem também a questão, que acho a principal, da gratuidade até 70 quilowatts-hora para usuário da tarifa social de energia elétrica que tem um impacto positivo e o impacto na tarifa é pequeno; mas tem impacto na tarifa sim.

Como o senhor avalia o novo modelo de comercialização de energia proposto no substitutivo ao PL 1917/15, relatado pelo deputado Fábio Garcia (DEM-MT)?
O deputado Fábio Garcia assumiu o compromisso de levar para o substitutivo ao projeto de lei uma redação muito parecida com a da consulta pública 33, do Ministério de Minas e Energia. Então, nós acreditamos que é importante manter essa coerência com a consulta pública. A partir do momento que ele se desvirtuar, não terá apoio das distribuidoras. O texto como estava elaborado com base na consulta pública tem uma avaliação positiva.

O texto tem a questão da portabilidade, a ampliação do mercado livre… 
Sobre a portabilidade, nós não somos contrários à ampliação do mercado livre. Nós achamos até que esse termo portabilidade é um termo inadequado. Portabilidade tem sentido no segmento de telefonia, que muda o operador. No caso da energia, você muda o gerador, mas fica ligado nos mesmos fios da distribuidora. Então não se muda de distribuidora. Nós só achamos que a expansão do mercado livre tem de ser feita de forma gradual. Não pode ser feita de uma vez e, na Consulta Pública 33, o que se previa era que fizesse de uma forma gradual, até 2028.

Há uma expectativa para a solução do GSF? 
O GSF hoje é uma questão que afeta basicamente os geradores que vendem a energia no mercado livre. Para os geradores que vendem a energia no mercado cativo a questão do GSF está resolvida, na medida que o risco foi repassado aos consumidores e o gerador paga um seguro para transferir esse risco. Para os geradores que vendem no mercado livre, a solução que está sendo colocada no PLC 77 me parece que resolve o problema pelo o que eu já ouvi dos geradores. A expectativa é que seja aprovado até porque o mercado está travado por causa disso.

Sobre a privatização da Eletrobras holding, acredita que pode aumentar as tarifas? 
Eu não sei se necessariamente deveria aumentar as tarifas porque essas empresas quando privatizadas terão ganho de eficiência. Todo ganho de eficiência é capturado para motricidade tarifária pelo regulador. Então se o regulador capturar os ganhos de eficiência, naturalmente, nós teríamos uma redução de tarifa e não um aumento.

Então o senhor é a favor? 
Sim.

Em relação à ANEEL, qual é a sua opinião das indicações feitas até agora para a diretoria? 
Até agora a ANEEL fez indicações de pessoas que são funcionários de carreira da agência. Esse processo valoriza o quadro interno da instituição. Agora, acho importante que seja privilegiada a diversidade no sentido de ter pessoas com origem diferente, pessoas que venham do setor empresarial, do setor acadêmico, em órgãos do governo para que se tenha uma diversidade de entendimento e de posicionamento dentro do colegiado, que é importante.

O senhor acredita a nova diretoria entenderá melhor a questão dos distribuidores? 
Eu diria que a ANEEL é a melhor agência reguladora do Brasil. Não tenho dúvida de que é a agência reguladora que é pautada por transparência e por ter uma condução muito objetiva e discutida com participação da sociedade em audiência pública. Então, a minha expectativa é que esse processo de transparência e de previsibilidade regulatória continue. Eu tenho expectativa que vai continuar como veio nos períodos anteriores.

Os critérios para a escolha dos nomes são adequados?
As indicações até agora foram feitas com base em currículos de pessoas que têm prestado serviço dentro da agência. Ainda tem um cargo a ser indicado e que nós não sabemos. Agora eu espero que as indicações faltantes não sejam pautadas por critérios políticos, mas que sejam critérios técnicos. Espero que sejam pessoas com um currículo bom, que tenham experiência no setor e que não seja indicação política para que não seja um feudo de nenhum político.

A agência reguladora tem de ser um órgão de estado e não de governo e não pode ser feudo de nenhuma área política. É necessário ter autonomia e independência de decisão. A pessoa que estiver lá tem de ter independência de decisão.

Eu acho que está na hora.do governo completar esse quadro de indicações trazendo alguém de fora com uma visão diferente que complemente essa visão do quadro próprio.

Acredita que a agência tenha desempenhado até então o papel adequadamente? 
A agência tem desempenhado adequadamente, mas naturalmente que às vezes toma decisões que contrariam os interesses, mas nós entendemos perfeitamente porque são decisões com base em amplas discussões. Nós temos participado de amplas discussões com a ANEEL com as decisões tomadas.

Na sua avaliação, quais os principais requisitos para uma vaga na diretoria da ANEEL?
Seria preciso uma pessoa com o perfil com competência técnica, com currículo adequado, com experiência na área. Acho que é importante ter experiência na área de tarifas; conhecer o negócio que está sendo regulado; conhecer as características do negócio que está sendo regulado e, naturalmente, que seja uma pessoa pautada por princípios. Acho que esse é o ponto mais importante. Acho que qualquer um colocado lá deve ser pautado por princípios.

Como o senhor avalia a gestão do ministro Moreira Franco? 
A gestão do ministro Moreira Franco acho que está muito cedo ainda para fazer uma avaliação. Primeiro porque ele assumiu recentemente; segundo porque logo que ele assumiu, nós tivemos a questão da greve dos caminhoneiros, que tumultuou o ambiente no país e criou uma necessidade de atenção especial. Toda a atenção do Ministério foi drenada para resolver a questão dos caminhoneiros. Acho que está muito cedo para avaliar.

Do Coelho [Fernando Coelho Filho (DEM-PE)] é possível avaliar. Foram dois anos com um período pautado com grande diálogo e intenso diálogo com os agentes do setor e com as associações. Foi conduzida aquela questão da consulta pública 33, que acho um trabalho importante feito pelo ministério, com a participação de todos os agentes do setor. Vale a pena a gente ressaltar que o ministro Coelho começou a gestão dele assinando uma portaria que tornava elegíveis as distribuidoras para emitir debêntures incentivadas. Isso trouxe um benefício grande para as distribuidoras na questão da emissão de títulos e de capacitação para alavancagem e para financiamento de projetos para investimento. O Fernando Coelho, pelo tempo que passou e pelo legado que deixou, eu tenho que fazer uma avaliação muito positiva.

Qual é a expectativa para o segundo semestre, que é um período de eleições? 
Esse segundo semestre acho que vai ser um período meio morto do ponto de vista político. Depois das eleições talvez a gente consiga visualizar alguma coisa, mas até outubro… Não sabemos nem quem será candidato.

Pensa em se reunir com os presidenciáveis, apresentar pleito? 
Nós estamos com a carta elaborada e vamos fazer entrega da carta com os principais princípios. Depois, vamos divulgar isso, mas não queremos divulgar agora.

Não pode falar alguma reivindicação?  
Não, eu não quero antecipar enquanto a gente não tiver nem os nomes dos presidenciáveis. Deixa ter os nomes e a gente entregar que nós deveremos apresentar o conteúdo.

Isso deve ficar mais para agosto? 
Isso, quando começar a campanha mesmo.

Mas o senhor estava dizendo que o segundo semestre vai ser um período mais morto… 
Tanto no Congresso quanto no governo. Os políticos todos estarão voltados para o período de campanha.

E tem expectativa para o próximo ano?
O próximo é uma incógnita. A grande expectativa para 2019, eu acho que passa para a revisão da Resolução nº 482, da ANEEL, que trata da microgeração distribuída. Acho que 2019 vai ser o ano em que a ANEEL fará a revisão da regulamentação, pondo um fim àquela questão de um dos subsídios ocultos que existem, que é o subsídio para microgeração através do sistema de compensação.

Vou dar um exemplo: imagina uma distribuidora que tivesse apenas dois consumidores. O consumidor 1 coloca um painel fotovoltaico no telhado e gera energia que ele consome. Só que ele gera durante o dia e o excedente ele guarda na rede e à noite quando ele não gera nada ele busca essa energia de volta da rede. Essa é uma modalidade.

Outra modalidade é esse consumidor 1 poder ter uma fazenda dentro da mesma área de concessão, gerar na fazenda, transportar essa energia à casa dele e de noite ele puxa da concessionária. No final do mês, a conta dele vem zero quilowatt-hora porque ele não comprou energia da distribuidora. Ele gerou a própria energia. Então não paga pelo uso da rede.

Vamos imaginar que o consumidor 1 pagava R$ 50 e o 2  outros R$ 50, a distribuidora tinha uma receita de R$ 100. A distribuidora perde 50% da receita e fica só com o consumidor 2 pagando. Na próxima revisão tarifária da distribuidora, a ANEEL vai pegar e vai colocar o consumidor 2 para pagar os R$ 100. Ela vai jogar todo o custo da rede em cima do consumidor 2. Eu costumo dizer que isso é Robin Hood ao contrário. Isso é tirar do pobre para subsidiar o rico. Porque é o rico que tem condições de colocar um painel fotovoltaico no telhado, que custa R$ 30 mil. O pobre vive de aluguel, não tem telhado. Então, tem uma injustiça tributária neste negócio. A ANEEL já reconheceu isso e deve fazer uma revisão da resolução normativa que trata desse assunto, que é a Resolução nº 482. Essa é a grande expectativa para 2019.

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