Sobre um país que anda de caminhão

*Dimmi Amora

Com o encaminhamento para o fim da greve dos caminhoneiros, deixo aqui alguns apontamentos de alguém que está vivendo a infraestrutura do país há alguns anos, como contribuição para um melhor entendimento sobre o sistema de transportes:

– A mais recente pesquisa sobre a matriz de transportes do país (Plano Nacional de Logística) aponta que os caminhões levam 65% da carga nacional. Se descontada a carga de minério, esse valor vai para a faixa dos 90%. Isso não faz com que tenhamos que demonizar os caminhões. Eles são importantes em qualquer matriz de transportes no mundo, porque transporte é um sistema: é ineficiente fazer tudo sozinho. Numa visita ao Porto de Roterdã, na Holanda, um dos mais importantes do mundo, fiquei surpreso quando o diretor do porto me informou que os caminhões eram o principal meio, junto com as barcaças, de movimentação das cargas. Isso faz da Holanda um país com custos logísticos absurdos? Longe disso.

– O que determina qual o meio de transporte mais eficiente para transportar uma carga não é a sua vontade, a do caminhoneiro ou a minha, mas uma equação que leva em conta principalmente energia e tempo. Nela, dificilmente caminhões vão ser menos eficientes que qualquer outro meio em distâncias de até 400 quilômetros. Os outros meios não têm a mobilidade inerente ao caminhão para chegar a lugares remotos ou difíceis, por exemplo. Então, essa crise seria muito pouco minimizada se tivéssemos mais trens, barcaças, dutos. Talvez os drones ajudassem mais.

– Investir em ferrovias, hidrovias, cabotagem, dutovias é necessário e urgente. Mas não tira a necessidade de continuar investindo em rodovias. A densidade da malha rodoviária do país é baixa e, se considerada apenas a malha pavimentada de uns 250 mil quilômetros, é ridícula. Ainda temos muita rodovia a fazer e melhorar se quisermos ser minimamente eficientes. Ouvi nesses 20 anos umas 200 versões diferentes para o motivo de termos abandonado as ferrovias. Nenhuma minimamente comprovável. O fato é que o país é fechado, isolado, pobre e de geografia difícil. Isso gera pouca carga e pouco dinheiro. As escolhas para transportá-las acabaram sendo as possíveis (é minha versão, também não comprovável, acredite se quiser).

– O sistema de transportes rodoviário é dividido em dois segmentos principais, autônomos e empresas. Ambos disputam cargas de grandes empresas, os chamados embarcadores (alguns poucos ainda com frota própria). O que os autônomos queriam era a Tabela de Frete Mínimo. O preço do combustível foi só o mote que os ajudou a aglutinar as forças (entre elas a das empresas) e dar a eles apoio para a paralisação. O governo sabe disso desde 2013, data da última paralisação forte da categoria, que passou desde então reunir num Fórum interno dentro do governo para tratar desse tema e vem se organizando e fortalecendo.

– O preço do frete é, em geral, abaixo do preço do custo real dos transportes no país há muitos anos. Se agravou a partir do meio dessa década, quando uma bem-intencionada política de renovação de frota, mas mal executada, encheu o país de caminhões novos sem tirar os velhos. Veio a crise econômica e a oferta ficou muito acima da demanda (chegou-se a falar em sobra de 300 mil caminhões), reduzindo ainda mais o valor do transporte. Os aumentos do diesel, que pode significar até 40% do custo, foram a gota d’água para explodir a revolta.

– Para tentar regular o preço do frete, o governo vem adotando soluções ineficientes há quase uma década. Impõe regras sobre quem paga pedágio, combustível, o que é e o que não é remunerado, etc. Criou burocracia para os contratos e afastou as empresas que têm carga dos caminhoneiros autônomos. O resultado da política: criou uma máfia de contratadores de carga, que ficam intermediando negócios, tornando os custos mais altos para os caminhoneiros e depreciando ainda mais o valor final do frete para eles.

– A Tabela de Frete Mínimo tende a acabar com a greve, mas dará apenas um alívio imediato ao sistema. Ela, no médio prazo, é ineficiente como qualquer tipo de proteção. Isso ocorre porque se cria desincentivos à inovação e à melhoria. Os mais ineficientes são beneficiados pelo preço fixo, que os mantém ineficientes, e os que poderiam melhorar não têm incentivo para fazê-lo (afinal, estão ganhando bem com a tabela). O resultado é uma ineficiência geral do sistema que, em algum momento, será ultrapassado por outra forma de transporte que o desenvolvimento tecnológico vai criar. Foi assim em toda a história humana. Não deixará de ser aqui (recomendo a leitura de “Cargas: como o comércio mudou o mundo”, de Greg Claydesdale, para maior compreensão).

– A política de preços de combustível da Petrobras só existe por causa da fraqueza de um governo sem qualquer tipo de apoio, que deixa crescer Barnabés Empoderados, que acreditam no Deus Tabela de Excel. Usar, sem qualquer margem, a cotação do dólar para estabelecer preços de insumos essenciais num país que tem a maior oscilação de moeda do mundo há quatro décadas é brincar com a vida das pessoas. Os Barnabés Empoderados se esquecem sempre da política e, quando ela chega, faz o que fez com o Brasil semana passada. A afirmação desse parágrafo não invalida a do parágrafo anterior. Congelamentos e tabelas não funcionam no médio prazo (é só ver o que ocorreu com a Petrobras entre 2011 e 2016), mas é preciso criar as condições para sair deles sem destruir a sociedade.

– Até quando vamos ter que conviver com monopólios e barreiras comerciais como o da Petrobras em nome do desenvolvimento nacional? Quase 60 anos não é tempo suficiente? O atual presidente da empresa, até antes de chegar lá, dirigia a Bunge, que sofre também com oscilações do dólar no preço do trigo, que é importado. Em algum momento ele passou diariamente todo o aumento do dólar para o preço dos padeiros? Duvido. Por que não o fez? Porque temia seus concorrentes, a Dias Branco, a Cargill e outras tantas (Não confunda esse parágrafo com a defesa de privatização da empresa. A defesa aqui é que ela prove que é eficiente, seja quem for seu dono, concorrendo).

– Enquanto tivermos monopólios e barreiras protecionistas como políticas públicas não dá para falar em capitalismo e socialismo porque esse tipo de política é marca do patrimonialismo, uma etapa anterior de qualquer sociedade que temos que vencer urgentemente se quisermos chegar totalmente ao Século XXI.

*Sócio-fundador e editor-chefe da Agência iNFRA

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