Relicitação: comentários sobre a Lei 13.448 de 2017

Adalberto Santos de Vasconcelos*

Honra-me muito ser o primeiro colunista da Agência iNFRA, a convite do competentíssimo jornalista Dimmi Amora, fundador deste meio de comunicação ágil, tempestivo, transparente e de alta credibilidade, fornecendo informações seguras aos diversos atores, públicos e privados, do setor de infraestrutura.

Assim, não poderia deixar de inaugurar tão importante missão sem falar de um tema atual, inovador e importantíssimo para o setor de infraestrutura do Brasil: a relicitação de ativos do setor rodoviário, aeroportuário e ferroviário.

A partir da década de 90, o Brasil iniciou uma longa trajetória rumo a um Estado mais leve, ágil, competitivo e eficiente, por meio de privatizações de ativos e concessões de serviços públicos em diversos setores de infraestrutura. O país começava a deixar de ser um Estado provedor de serviços públicos para ser um Estado regulador.

Ao longo dessa mesma década, a administração pública foi perdendo a sua capacidade de planejamento e de execução da infraestrutura nacional. Concessões de ativos importantes, como rodovias federais, foram concedidas mesmo antes da edição da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995) e antes da constituição da agência reguladora setorial, que somente viria a ocorrer em 2002, após a promulgação da Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, que criou a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Certamente, um planejamento adequado indicaria primeiro a implementação de um ente regulador, seguida pela definição de um marco regulatório consistente e, somente depois dessas duas etapas, a realização de concessões de serviços públicos.

Esse “atropelo” de etapas nas desestatizações causou sérios problemas ao longo dos anos seguintes na execução contratual, pois concessões são contratos de longo prazo e precisam ser “cuidadosamente” estruturadas. A pressa do poder concedente em fazer concessões, a diferença do “timing” entre políticos e técnicos, a falta de um planejamento de logística consistente, a ausência de projetos prontos para serem selecionados por critérios técnicos, editais e contratos redigidos com uma matriz de risco imatura e com cláusulas contratuais que pareciam seguir a métrica do “copia e cola”, contratos redigidos dentro de gabinetes sem interação com o mercado, falta de uma discussão mais ampla com a sociedade, promessas de financiamentos públicos que não se concretizaram, lances agressivos de licitantes, entre outros pontos, levaram a concessões insustentáveis, algumas já nos primeiros anos da execução contratual.

Foi exatamente diante desse cenário que, em 2016, os diversos órgãos da administração pública federal, sob a coordenação do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), então na Presidência da República, gestou a Medida Provisória 752, de 24 de novembro de 2016.

Na exposição de motivos da citada MP (EMI 00306/2016 MP MTPA, de 7 de novembro de 2016), segundo parágrafo, já se indicava o problema a ser enfrentado: “A Medida Provisória ora proposta objetiva reparar problemas e desafios históricos em importantes setores de infraestrutura, buscando viabilizar a realização imediata de novos investimentos em projetos de parceria e sanear contratos de concessão vigentes para os quais a continuidade da exploração do serviço pelos respectivos concessionários tem se mostrado inviável”. Mais adiante, terceiro parágrafo, consta diagnóstico e solução mais do que atual: “Como é de conhecimento geral, a ampliação do investimento em infraestrutura é condição sine qua non para a retomada do crescimento econômico no Brasil”.

Já se passaram mais de quatro anos da edição da MP 752/2016 – que buscava impulsionar o crescimento econômico do país por meio da alavancagem de investimentos privados no setor de infraestrutura, atualmente ainda mais necessária e urgente em virtude da pandemia de Covid-19 – e os resultados decorrentes da MP são aquém do necessário para atingir a finalidade de sua edição: três prorrogações de ferrovias concretizadas; uma concessão de ferrovia com decreto de relicitação; uma concessão de rodovia com termo aditivo assinado; uma concessão de rodovia com decreto de qualificação no PPI para relicitação; duas concessões de rodovias com pedidos de relicitação junto à ANTT; dois aeroportos com termo aditivo de relicitação assinado.

Observe-se que apenas três ativos de infraestrutura tiveram o primeiro marco legal mútuo concluído, que é a assinatura do termo aditivo entre o poder concedente e a concessionária que aderiu ao processo de relicitação. Esse fato merece atenção especial, pois desde a edição da mencionada MP 752/2016, algumas concessionárias já queriam aderir ao processo de relicitação, inclusive procurando as respectivas agências reguladoras setoriais, e não obtiveram êxito em virtude da falta de regulamentação, que somente veio ocorrer em 6 de agosto de 2019, por meio do Decreto 9.957, que regulamentou a Lei 13.448, de 5 de junho de 2017.

Para se compreender esse novo instituto trazido pela Lei 13.448/2017 e introduzido no arcabouço regulatório brasileiro, a RELICITAÇÃO, é necessário identificar os dois “pilares” sobre os quais foi “construído” o instituto da relicitação.

O primeiro diz respeito ao “espírito da lei” ao trazer a definição de relicitação no art. 4º, inciso III, como “procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim”.

Portanto, a lei já define, de forma clara e objetiva, que a relicitação é um instrumento diferenciado de outros para extinção do contrato, ao passo em que ela, de certa forma, alivia a “supremacia do Estado” (poder concedente) sobre o particular ao dispor que a extinção, por meio da relicitação, deverá ser de forma amigável com a concessionária.

Esse importante ponto é reforçado pela lei no art. 14, caput, ao dispor que “A relicitação de que trata o art. 13 desta Lei ocorrerá por meio de acordo entre as partes, nos termos e prazos definidos em ato do Poder Executivo”. Repare que o legislador retira a supremacia do poder público ao determinar que este firme um acordo negocial com o particular, sem lhe impor um contrato de adesão, como ocorre nas contratações comuns envolvendo a administração pública.

A partir da compreensão desse primeiro pilar da relicitação, a pergunta que surge é a seguinte: Por que o legislador quis que na relicitação houvesse uma redução da distância negocial entre o poder concedente e a concessionária?

A resposta a essa indagação está no segundo “pilar” do instituto da relicitação, ou seja, no objetivo fundamental a ser perseguido pela relicitação, expresso no caput do art. 13 da Lei 13.448/2017: “Com o objetivo de assegurar a continuidade da prestação dos serviços (…)”.

Observe-se que a relicitação é destinada às parcerias “cujas disposições contratuais não estejam sendo atendidas ou cujos contratados demonstrem incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente” (caput do art. 13), ou seja, às concessionárias que não estão conseguindo entregar um serviço adequado aos usuários e já estão inadimplentes contratualmente ou também àquelas concessionárias que estão potencialmente ao encontro dessa situação de inadimplência. Ou seja, não é necessário, pela lei, já estar concretizada a inviabilidade econômico-financeira da concessão (inadimplemento concreto), basta a concessionária requerente demonstrar de forma inequívoca a sua incapacidade econômico-financeira de fazer frente às obrigações contratuais futuras (inadimplemento iminente). Essa situação de potencial insustentabilidade da concessão está totalmente aderente ao segundo pilar do instituto da relicitação: o objetivo a ser perseguido é assegurar a continuidade da prestação dos serviços aos usuários, portanto, evitar que a concessionária fique inadimplente com suas obrigações contratuais ou entre em processo de caducidade.

O instrumento legal e contratual até então existente seria a caducidade, que é um processo moroso, em que os maiores prejudicados são exatamente os usuários que não terão serviços prestados de forma adequada por um longo período, no mínimo, enquanto durar o processo de caducidade. Deve-se ressaltar que um ativo em processo de caducidade não receberá investimentos e manutenções do concessionário e nem do poder público, haja vista que ainda resta extinguir o contrato para que o poder público preveja no orçamento recursos para recuperar e manter o ativo.

A exposição de motivos EMI 00306/2016 MP MTPA da MP 752/2016 já tratava desse ponto ao dispor, no 11º parágrafo, que a relicitação “Trata-se de alternativa inovadora de “devolução coordenada e negociada” da concessão, evitando-se o processo de caducidade, muitas vezes moroso e com longa disputa judicial, em que, normalmente, os usuários da concessão são os principais penalizados pela má prestação do serviço até a conclusão do processo”.

Portanto, são com base nesses dois pilares que se deve ler a Lei 13.448/2017 e compreender o instituto da relicitação: i) extinção amigável do contrato de parceria a ser relicitado, que ocorrerá por meio de acordo entre as partes; ii) com objetivo fundamental de assegurar a continuidade da prestação dos serviços públicos.

Vale destacar que a relicitação somente é tratada na Lei 13.448/2017, sendo, portanto, uma lei específica para essa matéria, devendo prevalecer sobre as demais normas em virtude do critério da especialidade (“Lex specialis derogat legi generali”).

O processo de relicitação, na realidade, são dois processos distintos: i) o processo de devolução do ativo atualmente concedido; e ii) o processo de contratação de novo concessionário para exploração do ativo devolvido.

Assim, de acordo com entendimento extraído da Lei 13.448/2017, ouso a denominar que a relicitação tem um processo principal, que é a contratação de novo concessionário para operar o ativo após a saída do atual, e um processo acessório, que é a devolução do ativo a ser relicitado. Entretanto, conforme se verá adiante, o processo acessório é autônomo e ocorrerá, após a eficácia do termo aditivo, independentemente do processo principal, exceto em caso de inviabilidade de contratação de novo concessionário, seja por questão de certame licitatório deserto ou por questão de interesse público invocado pelo poder concedente. Por sua vez, o processo principal é dependente do processo acessório, como se verá adiante.

Cabe, neste ponto, enfatizar que os dois pilares da relicitação se aplicam fortemente ao processo acessório (processo inédito), já que o processo principal segue o rito normal totalmente consolidado de uma contratação de concessão de serviço público de infraestrutura, conforme disposto na Lei 8.987/1995, na Lei 9.491/1997 e na IN TCU 81/2018.

A Lei 13.448/2017 estabelece, de forma implícita, etapas e sequência lógica obrigatórias a serem percorridas no processo de relicitação. Por sua vez, o Decreto 9.957, de 6 de agosto de 2019, que a regulamentou, trouxe operacionalidade à lei.

O primeiro ato é o requerimento de relicitação apresentado pela concessionária à agência reguladora competente (art. 3º do Decreto 9.957/2019). Nesse requerimento, para fins de instauração do processo de relicitação, a concessionária deverá apresentar os documentos/informações relacionados no §2º do art.14 da Lei 13.448/2017, sem prejuízo de outros definidos em ato do poder concedente (art. 3º do Decreto 9.957/2019).

De forma geral, são informações para que o órgão ou a entidade competente (Ministério de Infraestrutura – Minfra ou agência reguladora setorial, conforme art. 3º da lei) avalie “a necessidade, a pertinência e a razoabilidade da instauração do processo de relicitação do objeto do contrato de parceria, tendo em vista os aspectos operacionais e econômico-financeiros e a continuidade dos serviços envolvidos” (§1º do art.14 da citada lei). Assim, inaugura-se a fase interna, ou seja, dentro do governo, do processo de relicitação, exclusivamente, nessa etapa, com ações no processo acessório.

A agência reguladora setorial analisa, preliminarmente, a viabilidade técnica e jurídica do requerimento de relicitação (art. 4º do Decreto 9.957/2019) e, após a manifestação dessa, o Minfra avalia a compatibilidade do requerimento com o escopo da política pública formulada para o setor correspondente (art. 5º do Decreto 9.957/2019).

Ressalte-se que, nessa fase do processo, ainda não há garantia de que o ativo seja relicitado, ou melhor, que seja submetido à nova licitação para seleção de novo concessionário. Somente haverá uma sinalização formal concreta quando da celebração do termo aditivo.

Assim, o poder concedente deverá praticar atos formais exclusivamente atinentes ao processo acessório (devolução do ativo a ser relicitado) até a celebração do termo aditivo. Ou seja, nenhum ato formal concernente ao processo principal (contratação de novo concessionário para o ativo a ser relicitado) poderá ser efetivado sob pena de o gestor estar praticando decisões e atos que somente poderiam ser praticados após as devidas autoridades competentes terem praticado atos antecessores ou preparatórios. No limite, caso o termo aditivo de relicitação não venha a ser assinado, eventuais despesas praticadas de forma indevida e antecipada poderão levar a administração pública a incorrer em custos e em despesas desnecessárias, podendo os gestores responderem por eventual prejuízo causado.

O passo seguinte é a submissão do ativo a ser relicitado ao CPPI (Conselho do PPI), a fim de recomendar ou não sua qualificação no Programa para fins de relicitação. Dessa forma, cabe ao CPPI opinar, previamente à deliberação do presidente da República, quanto à conveniência e à oportunidade da relicitação (art. 6º do Decreto 9.957/2019), ou seja, essa avaliação é exclusiva do CPPI, não podendo ser invocada pela agência reguladora setorial e nem pelo Minfra.

A qualificação somente ocorre mediante decreto do presidente da República que, se emitido, sobrestará as medidas destinadas a instaurar ou a dar seguimento a processos de caducidade eventualmente em curso contra a concessionária (art. 14, §3º, da Lei 13.448/2017).

Qualificado o ativo no PPI, segue-se para a celebração do termo aditivo previsto no art. 15 da Lei 13.448/2017. O mencionado dispositivo legal estabelece o que deverá constar do termo aditivo, podendo a agência reguladora competente complementar com outros pontos necessários e particulares ao objeto a ser relicitado. Todavia, tem-se que observar os pilares da relicitação, sobretudo, nessa fase, que se trata de extinção amigável do contrato de parceria a ser relicitado e que ocorrerá por meio de acordo entre as partes e não por meio de um contrato de adesão.

Importante frisar que, a partir da assinatura do termo aditivo, a concessionária não poderá desistir da relicitação, pois ela celebra um compromisso com “aderência irrevogável e irretratável do atual contratado à relicitação do empreendimento e à posterior extinção amigável do ajuste originário, nos termos desta Lei” (inciso I do art. 15 da lei e inciso I do art. 8º do decreto). No entanto, há, pelo menos, duas situações em que a relicitação pode vir a não se concretizar.

A primeira diz respeito à hipótese de não acudirem interessados para o novo processo licitatório, persistindo tal desinteresse em nova tentativa (art. 20 da Lei 13.448/2017).

A segunda decorre de avaliação, exclusiva do poder concedente, de que o prosseguimento do certame é prejudicial ao interesse público, demonstrando indubitavelmente que sua continuidade pode representar concretização de desvantagem ao erário e aos usuários do serviço público concedido.

Essa possibilidade, ainda que não se encontre explícita na Lei 13.448/2017, deflui dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, bem como da aplicação subsidiária do art. 78, inciso XII, da Lei 8.666/1993 – que corresponde ao art. 137, inciso VIII, da Lei 14.133/2021, que é a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – , que autoriza a rescisão unilateral de contrato administrativo – no caso em exame, do termo aditivo – pela administração pública por razões de interesse público1. Ora, verificada alteração substancial em condições fáticas ou jurídicas existentes à época da assinatura do aditivo contratual que tornem excessivamente oneroso ou desvantajoso para o poder concedente ou para os usuários o prosseguimento da relicitação, afiguram-se presentes condições que justifiquem a rescisão do termo, sem prejuízo de que o concessionário original possa se manifestar, em respeito ao contraditório que lhe será devido na hipótese, e de que sejam recompostos os prejuízos que venha a sofrer.

Além disso, o poder concedente deve justificar o prejuízo potencial ao interesse público da nova contratação, embasado em estudos que demonstrem a vantajosidade econômico-financeira de não se realizar novo certame licitatório e as condições fáticas e/ou jurídicas que alteraram as motivações das decisões administrativas precedentes (qualificação do ativo no PPI e assinatura do termo aditivo), propondo ao concessionário original alguma forma de “repactuação” ou reequilíbrio que possa compor os interesses mútuos e gerar menor prejuízo aos usuários e menor impacto ao erário, sempre amparado no arcabouço legal e regulatório e no contrato de concessão.

Há, ainda, previsão no termo aditivo acerca da “suspensão das obrigações de investimento vincendas a partir da celebração do termo aditivo e as condições mínimas em que os serviços deverão continuar sendo prestados pelo atual contratado até a assinatura do novo contrato de parceria, garantindo-se, em qualquer caso, a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento” (inciso II da lei e inciso II do decreto). Observe-se que a preocupação do legislador é com a prestação de serviços essenciais e adequados para os usuários, segundo pilar da relicitação.

De forma geral, serviços essenciais referem-se aos serviços de manutenção, conservação e operação do empreendimento, exceto se houver decisão motivada contrária da agência reguladora competente. Por sua vez, investimentos de ampliação de capacidade ou novos investimentos somente poderão ser considerados essenciais caso sejam relacionados à segurança ou sejam imprescindíveis à prestação dos serviços. Ressalte-se que foi exatamente a situação de insustentabilidade econômico-financeira da concessão, concreta ou iminente, que originou o requerimento de relicitação.

A Lei não determina que o termo aditivo contenha o valor das indenizações eventualmente devidas ao contratado pelos investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados, a par de essa definição ser altamente desejável pelos potenciais concessionários que almejem recorrer ao instituto da relicitação. Pelo contrário, a lei determina que esse valor fará parte do estudo técnico previsto no caput do art. 17 (inciso VII do §1º do art.17), in verbis:

“Art. 17 O órgão ou a entidade competente promoverá o estudo técnico necessário de forma precisa, clara e suficiente para subsidiar a relicitação dos contratos de parceria, visando a assegurar sua viabilidade econômico-financeira e operacional.

§ 1º Sem prejuízo de outros elementos fixados na regulamentação do órgão ou da entidade competente, deverão constar do estudo técnico de que trata o caput deste artigo: (…)

VII – o levantamento de indenizações eventualmente devidas ao contratado pelos investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados”.

Ademais, não seria nada razoável já se ter um valor para as indenizações logo no ato inaugural efetivo do processo de relicitação, que se trata de extinção amigável do contrato de parceria a ser relicitado. Esse valor é um input para os estudos previstos no art. 17, que são exatamente os mesmos EVTEA (estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental) previstos no Decreto 2.594/1998 (arts. 30 a 32), que precede todas as concessões realizadas pelo poder concedente e são acompanhadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) por meio da Instrução Normativa TCU 81, de 20 de junho de 2018.

Ainda sobre o valor das indenizações, a Lei 13.448/2017, §2º, art. 17, determina que “A metodologia para calcular as indenizações de que trata o inciso VII do § 1º deste artigo será disciplinada em ato normativo do órgão ou da entidade competente”. O objetivo do legislador, ao atribuir à agência reguladora setorial a competência para elaborar norma regulatória para precificar o valor das indenizações eventualmente devidas ao contratado pelos investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados, foi dar neutralidade, impessoalidade e tecnicidade à avaliação a ser realizada pelo poder concedente e proporcionar isonomia e utilização da mesma métrica a quaisquer concessionários, princípios inafastáveis de qualquer gestor público.

Observe-se, no entanto, que a lei dispôs como obrigatório constar do termo aditivo “o compromisso arbitral entre as partes com previsão de submissão, à arbitragem ou a outro mecanismo privado de resolução de conflitos admitido na legislação aplicável, das questões que envolvam o cálculo das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente, relativamente aos procedimentos estabelecidos por esta lei” (inciso III do art. 15 da Lei 13.448/2017).

A arbitragem é incentivada em alguns dispositivos legais, no entanto, na relicitação (exclusivamente no processo acessório), este mecanismo privado de resolução de controvérsias é obrigatório entre tratativas do poder concedente e concessionária para fins de equacionamento de controvérsias financeiras. Essa obrigatoriedade pode ser explicada por duas razões.

A primeira razão diz respeito ser a relicitação a extinção amigável do contrato de parceria (art. 4º, inciso III), ocorrendo por meio de acordo entre as partes (art. 14), portanto, não se trata de um contrato de adesão, não prevalecendo a imposição de um valor pelo poder concedente. Ou seja, a lei remete obrigatoriamente à arbitragem, caso não haja concordância entre as partes, a palavra final sobre as indenizações previstas no inciso VII do §1º do art. 17 da Lei 13.448/2017.

A segunda razão refere-se ao desejo de o legislador querer uma solução célere para eventual controvérsia sobre os valores da indenização, pois se está a falar de um processo acessório (devolução do ativo a ser relicitado), cujo resultado é “dado de entrada” ou “input” para o processo principal (certame para selecionar nova concessionária). Ou seja, o valor apurado de indenização dos investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados deve ser considerado no estudo técnico, previsto no art. 17, para se concretizar o exigido nesse dispositivo: “estudo técnico necessário de forma precisa, clara e suficiente para subsidiar a relicitação (…)”.

Ora, não é por acaso que a Lei 13.448/2017 prevê o tempo de duração do processo de relicitação em 24 meses, contados da data de qualificação do empreendimento (art. 20, §1º), podendo ser prorrogado pelo CPPI (art. 20, §2º), e o mesmo tempo (24 meses) está previsto para a duração da arbitragem constante do Decreto 10.025, de 20 de setembro de 2019, inciso II do art. 8º, in verbis:

“Art. 8º No procedimento arbitral, deverão ser observados os seguintes prazos:

II – o prazo máximo de vinte e quatro meses para a apresentação da sentença arbitral, contado da data de celebração do termo de arbitragem.

Parágrafo único. O prazo a que se refere o inciso II do caput poderá ser prorrogado uma vez, desde que seja estabelecido acordo entre as partes e que o período não exceda quarenta e oito meses”. 

Ademais, deve-se ressaltar que o pagamento dos valores da indenização prevista no inciso VII do §1º do art. 17 da Lei 13.448/2017 é condição para o início do novo contrato de parceria.

De forma resumida, encerra-se assim o denominado processo acessório, que é a devolução do ativo atualmente concedido, cuja principal parte é tratada em sede de arbitragem. Por sua vez, o processo principal, que é a seleção de novo concessionário para exploração do ativo devolvido, segue o rito normal previsto na Lei 8.987/1995, sendo conduzido pelo órgão ou entidade competente, que é o Minfra ou a agência reguladora setorial (art. 3º), não tendo nenhuma participação da atual concessionária que adere ao processo de relicitação na condução da nova contratação. O processo principal tem etapas na fase interna (dentro do governo) e etapas na fase externa (fora do governo).

Ademais, o processo de contratação de novo concessionário (processo principal) deve ser estruturado com estudos técnicos robustos, precisos, claros e suficientes para assegurar a viabilidade econômico-financeira e operacional da nova concessão (art. 17 da Lei 13.448/2017), a fim de não se cometer erros e equívocos pretéritos.

Assim, dada a relevância do processo de relicitação, principalmente no que se refere à contratação de novo concessionário, o legislador foi feliz em explicitar no art. 19 da Lei 13.448/2017 o acompanhamento do TCU. Ressalte-se que a Corte de Contas já vem acompanhando as desestatizações dos diversos setores de infraestrutura desde a década de 90 de forma concomitante, atualmente nos termos dispostos na Instrução Normativa TCU 81/2018, sobretudo analisando os EVTEA, a audiência e a consulta pública, o edital e a minuta do contrato, sob o prisma, entre outros, da legalidade, regularidade, exatidão dos estudos, efetiva concorrência e isonomia, sempre propondo contribuições que, além de corrigir eventuais irregularidades, agregam e aperfeiçoam o certame licitatório.

1 Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:
(…)
XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e
determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante
e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato.

*Adalberto Santos de Vasconcelos é CEO da ASV Infra Partners – Consultoria em Infraestrutura.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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