Relator do marco das ferrovias diz que quer evitar os “cambistas de projeto” com autorização


Tales Silveira, da Agência iNFRA

Intenção de relatório do PLS (Projeto de Lei do Senado) 261/2018 – conhecido como Marco Legal das Ferrovias – é ampliar investimentos, mas evitar os chamados “cambistas de projeto”. É o que afirma o relator da proposta, senador Jean Paul Prates (PT-RN), em entrevista à Agência iNFRA, na qual garante não haver mais entraves para que o texto seja votado em plenário.

Durante a entrevista, o senador explicou acerca da construção do relatório, possibilidade de desapropriações, perspectivas de criação de decretos regulamentadores e a viabilidade de migração do regime de concessão para autorização.

Segundo Prates, a intenção é ampliar os investimentos, mas evitar os chamados “cambistas de projeto”. Os principais trechos da conversa estão abaixo.
 
Agência iNFRA – O senhor teve contato com o setor ferroviário ao longo de todo esse processo de construção do PLS. Como o regime de autorização proposto no PLS deve ser olhado daqui para frente?
Jean Paul Prates, senador – O espírito desse projeto, quando pegamos do autor, [o senador] José Serra [PSDB-SP], foi para dar uma organizada e transformá-lo em um marco regulatório setorial onde é estabelecida uma caixa de ferramentas mais completa possível. A ideia sempre foi tornar o projeto mais viável e eficiente possível para que cada lado entenda a real intenção: deixar o setor o mais calibrado possível.
 
Também é preciso falar sobre o que caracteriza um marco regulatório de verdade. Fui muito contundente quando descaracterizei aquela Lei do Saneamento que tentou se traduzir como marco regulatório. Aquilo não tem nada disso. O saneamento já está sobre a égide privada, com possibilidade de regulações, desde a década de 90. O do petróleo desde 1997. A questão do pré-sal que veio posteriormente faz parte de uma base de um mesmo tronco que é a abertura do setor, criação de uma agência reguladora, estabelecimento do instrumento de outorga como concessões ou autorizações.
  
Conversamos com todo o setor ferroviário. Não só com os operadores, mas com fornecedores, prestadores de serviço, usuários e trabalhadores. Conciliamos todos os processos do setor. Fizemos quatro audiências públicas: duas de carga, uma de passageiros e uma com modelos trazidos do exterior como Estados Unidos, Japão etc. Foram mais de mil sugestões e comentários diferentes, 20 estudos setoriais. É um trabalho bastante completo.
 
O senhor colocou alteração no Decreto-Lei 3.365/1941 para abarcar a questão das desapropriações. Como será a regra agora? Como o senhor entende que deve acontecer esse regime de desapropriações?
Este dispositivo é genérico na lei e já vem com essa intenção desde a época do Serra. O que estamos fazendo aqui é propiciar que haja desapropriação e outras medidas eventuais para que, no final, esses operadores ferroviários de passageiros, como acontece no modelo japonês, tenham a possibilidade de receitas adjacentes e adicionais que ajudem. O negócio em si, muitas vezes, não é viável sozinho. 
 
O modelo japonês nós entendemos ser o mais atrativo, uma vez que na Europa existe um sistema quase que umbilical entre as empresas e o estado. Tudo bem que eles já estão acostumados com esse processo. Mas no Japão, vimos lá que existem mais receitas de hotelaria, estacionamentos, restaurantes desvinculando a necessidade de Estado. Outro ponto é que, quando atravessamos uma cidade, temos a necessidade em ter áreas de uso compartilhado. São essas receitas que queremos que agreguem ao negócio ferroviário.
 
É bom explicar que não é que o empresário vai fazer desapropriações. Ela será feita pelo poder público, mas as empresas vão ajudar no processo de permissão e de autorização dessas áreas urbanas. A entidade privada vai poder colaborar na parte burocrática, que é calcular a indenização, discutir os valores e negociar de forma mais direta com os envolvidos. Isso não é nada novo. Já vem desde a MP [Medida Provisória] 700/2015, e, em sua origem, o senador Serra ampliou para as ferrovias.
 
Fizemos um quadro comparativo onde mostramos as diferenças entre a proposta original e o nosso substitutivo, é possível ver todas essas mudanças [disponível neste link]. Uma das mais importantes é que agora as concessões do setor também poderão fazer uso desse dispositivo.
 
O senhor propõe no relatório que o regime de autorização tenha um prazo entre 25 e 99 anos, juntamente com as previsões de renovações. Por que esse prazo tão extenso, visto que as licitações geralmente são entre 20 a 40 anos?
Quando o poder público for lançar mão da autorização, já se presume que não é um ativo de interesse público e que vai afetar milhões de pessoas. É uma linha que o fazendeiro pensou em fazer para escoar em outra linha tronco.
 
Claro que vamos poder ter autorizações para projetos maiores que ultrapassam essas fronteiras. Mas, em princípio, são projetos que já estão estudados e que mostram a capacidade de empreender e de investir do empreendedor.
 
Não se presume também que seja um contrato extremamente detalhado porque ele partiu de uma ideia criativa de alguém com apresentação de um estudo, Evtea e por aí vai. Então é importante frisar aqui que não é qualquer um que conseguirá essa autorização. O estado brasileiro deverá fazer o seu dever de casa no sentido de assegurar que aquela empreendedora tenha a capacidade financeira, técnica, atribuições jurídicas e institucionais para realizar o trabalho. Falo sempre que não existe nada mais complexo do que uma refinaria e ela é objeto de autorização. Não vemos tanto problema com a questão da autorização lá.
 
Alguns até perguntam: se é por interesse único daquele empreendedor, por que ter duração? Não pode haver contrato infinito com o Estado. Então tivemos que colocar uma duração. Esperamos que seja possível fazer alterações no marco regulatório, em portarias, nas diretivas da agência que impactam sim as autorizações, sem ficar alterando o tempo todo a autorização. Só não queremos que ela se torne somente um código atualizável porque não é bom isso. Mas queremos que siga o modelo de como funciona nas autorizações do petróleo, dos portos.
 
Já é possível pensar na necessidade de um decreto ou regulamentação da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) no sentido de colocar as diretrizes mínimas para o interessado em ter a sua autorização?
Sem dúvida. É importante ter essas definições como Evtea, antecedentes e estudos para não surgirem os oportunistas. São de vários tipos, mas já estão aparecendo alguns como os cambistas de projeto. Aquele que [vai] ao ministro, consegue uma autorização com base em nada e, não tendo um tostão furado no banco, sendo um estagiário de banco de investimento, consegue a autorização e vai lá para a Europa achar um investidor. Isso não dá.
 
Outro tipo de oportunista é aquele que chega a iniciar a construção do negócio e simplesmente quebra no meio. Aqui o que ele quis foi criar relações jurídicas e políticas ao longo do processo. Por isso, penso que cada fase dessa tem que ser pensada pelo Estado brasileiro para certificar que eles têm credenciais para operar. Operador ferroviário é algo muito sério.
 
A lei não vai entrar nem nas definições nem na seara penal para quem descumprir os acordos. Cabe ao Estado, o direito civil e público tomarem esses cuidados. Mas o ministro Tarcísio [de Freitas] sabe que isso é importante. Sair dando autorização para depois ele ir buscar investidor é muito arriscado.
 
O senhor retirou o processo de migração entre os regimes de concessão e autorização. Por quê? A questão precisará ser revista posteriormente?  
Realmente ela foi retirada. Vamos deixar para emendas que forem apresentadas. Partiu de uma iniciativa nossa depois da reclamação de alguns setores. Não houve um apoio unânime nesta questão então preferimos retirar esse dispositivo.
 
Depois podemos regular isso em separado. Acontece que, quando retiramos, forçamos todos a discutir isso. Se aparecer uma emenda, analisaremos e colocamos. Não temos má vontade em relação a essa questão, mas decidimos deixar de fora por essa falta de unanimidade. Também como parte de conciliação de todos esses interesses ao longo deste tempo.
 
Como ia ser um tema polêmico, e não teve manifestação de interesse, eu tirei. Já me manifestei a favor e, durante o relatório, me debrucei mais de três meses nesse capítulo. O grande problema é que os bens são públicos e valem dinheiro. Seria fácil se ela pudesse pagar pela ferrovia e pelos bens e migrar para ser autorizatária. Agora como chegar ao valor disso tudo? Essa é a grande discussão.

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