Reequilíbrio de contrato de elétricas não pode ocorrer por regra geral, diz secretário do TCU


Guilherme Mendes, da Agência iNFRA

O TCU (Tribunal de Contas da União) já decidiu, em momentos anteriores à pandemia, que o reequilíbrio econômico de contratos de concessão não pode ser discutido de maneira geral, mas sim caso a caso – o mesmo deverá valer agora no reequilíbrio de contratos no setor elétrico. A afirmação é do secretário de Infraestrutura Elétrica do TCU (Tribunal de Contas da União), Manoel Moreira de Souza Neto.

Na semana passada, o tribunal concluiu o segundo relatório preliminar sobre a operação de mercado que dará fluxo de caixa ao setor elétrico. O texto aponta um posicionamento favorável à ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que não incluiu na redação final da resolução a possibilidade do reequilíbrio de contratos de maneira geral. A discussão sobre o reajuste dos contratos será feita após consulta pública, a ser instaurada pela agência até o fim de agosto.

O secretário também fez ponderações sobre a pressão tarifária aos consumidores no futuro pós-Conta-Covid, além da decisão da ANEEL de suspender até 31 de julho o corte de energia de consumidores inadimplentes. De acordo com Manoel, o relatório preliminar apresentado na semana passada será ainda analisado pelo plenário do TCU, e pelo menos um último relatório – o final – deverá ser apresentado aos ministros sobre as operações do setor elétrico no combate à pandemia.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Agência iNFRA – Em um relatório preliminar do TCU sobre a Conta-Covid, o TCU elogiou o fato de a ANEEL não permitir o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos neste momento da operação – fala-se inclusive que empresas não podem ter “direito abstrato” ao reequilíbrio. Por que esse elogio?
Manoel Moreira de Souza Neto – O que falarei aqui consta da instrução, não sendo a opinião do TCU ainda – porque isso ainda passará pela relatora e pelo próprio plenário.Na realidade está se falando sobre o acerto de algumas medidas, não a título necessariamente elogioso. É como, para fazer uma analogia, um filho falar à mãe que passou de ano: a mãe não dará parabéns, mas dirá que é a obrigação dele. Há que se destacar que entendemos que, em assuntos complexos como aquele, a agência reguladora tomou uma postura acertada. Não é uma visão só dos auditores, mas sim como a visão do TCU externada já em outros casos – no caso concreto, será avaliado pelo plenário ainda. Em circunstâncias parecidas, a jurisprudência do tribunal é uníssona em dizer que reequilíbrio econômico-financeiro não se discute em tese, de forma geral.   

É isso que a gente colocou no relatório, muito embora as empresas tivessem um pleito legítimo para ter reconhecido esse reequilíbrio econômico-financeiro. Ele deve ocorrer com o devido rito e não por meio de uma resolução, em caráter geral, que não analisou de fato a extensão e valor desses impactos, minimamente, para poder autorizar que essas empresas fizessem o reconhecimento de eventual ativo em seu balanço regulatório. Esse reconhecimento iria municiar a apropriação disso no seu balanço societário, fazendo com que melhorasse as condições econômicas da empresa, permitindo que seus indicadores talvez não chegassem a um ponto de quebrar algum covenant e honrar algum compromisso. 

Esse era o anseio das distribuidoras. Digo de novo: anseio obviamente legítimo, mas legitimidade não necessariamente impõe a necessidade de a ANEEL fazer esse reconhecimento erga omnes, de forma abstrata. Quando colocamos aquela questão ali, que aquele encaminhamento inicial levado pela relatora poderia ser problemático, é justamente nessa ótica. 

E como fica a discussão sobre a aplicação de “força maior” aos contratos?
A discussão sobre força maior que pode impor reequilíbrio econômico-financeiro deve ser analisada à luz dos fatos concretos, dos contratos.

Primeiro: é um fato extraordinário, não previsto em contrato justamente por ser extraordinário e imprevisto. Não existe uma equação pronta, dentro do contrato, que permite você fazer isso de plano, uma receita de bolo. É natural do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos que se faça avaliações do fato, se aquele fato é estranho aos contratos. Em relação ao fato, é indubitável e de consenso geral no mundo que o Covid era algo extraordinário e de força maior, que na maioria dos contratos que existem em curto e longo prazo não tenha a previsão explícita dos efeitos de uma pandemia, de algo dessa envergadura. 

Agora o que pega é você fazer um link objetivo entre um fato extraordinário e os problemas que eventualmente ocorram nesses contratos, um eventual desequilíbrio. É preciso que se tenha um nexo de causalidade muito aferido no caso concreto – e isso é importante porque nem todas as distribuidoras tiveram um aumento de inadimplência ou uma redução de demanda na mesma proporção. Isso tem de ser avaliado. Além, qual é esse aumento de inadimplência que estamos dizendo? O que disso é irrecuperável?

O conceito, pela agência, é que inadimplência é aquilo que é irrecuperável depois de um certo tempo. Só o fato de as empresas não estarem recebendo por dois, três, quatro meses, por uma questão conjuntural, não necessariamente significa que seja uma inadimplência estrutural. 

E quanto à sugestão de que as próprias distribuidoras apurassem o desequilíbrio e apropriassem isso em seus balanços?
Seria uma temeridade, porque, mesmo as diretrizes para fazer essa própria apropriação de eventual reconhecimento de reequilíbrio econômico-financeiro, seria tomada como base a metodologia que a ANEEL utilizou para fazer o cálculo da Conta-Covid, o teto da Conta-Covid. É um cálculo extremamente mediano, onde não há uma estatística muito bem apurada e, para fins de definição do teto da Conta-Covid, ela estava adequada.

A grande questão aí está no timing da avaliação pela agência. Uma vez as empresas distribuidoras requerendo o reequilíbrio econômico-financeiro, a agência reguladora tendo feito a audiência pública para definição dessa metodologia-base das análises, há um processo mais célere desse desequilíbrio que satisfaz não só a tempestividade do que as distribuidoras necessitam, quanto para a agência reguladora ter muito mais segurança sobre o que está concedendo, se o que está concedendo tem de fato base contratual adequada.

Você fala de uma pressão tarifária sobre o consumidor no futuro – enquanto a ANEEL fala em “amortecedor tarifário”. Como explicar tais visões divergentes?
O que irá acontecer é que eles não terão essa percepção de aumento agora, e esse aumento será diferido, com um CDI + 2,8%, a ser pago em 65 meses. Na prática, é tudo uma questão de perspectiva: o que a agência fala não é errado. Ela pondera que o consumidor, com a Conta-Covid, não perceberá aumentos tarifários que viriam de qualquer forma, independentemente de Conta-Covid, já neste ano e no ano que vem. 

Não é uma questão de não compreender a posição da ANEEL, e ela como agência reguladora não está dizendo nenhuma impropriedade. Só porque ela está comparando com um olhar de curto prazo, e estamos falando em um olhar mais de médio e longo prazo. 

O que ponderamos aqui, em um olhar mais estrutural, é que impor agora ao consumidor um aumento tarifário decorrente de questões que ele viria a arcar de qualquer forma, neste momento, pode ser extremamente problemático e até muito pior do que pagar a taxa de CDI + 2,8%.

A maior parte da Conta-Covid é justamente em cima dos chamados ativos regulatórios, que o consumidor já iria arcar em algum momento. Um deles, por exemplos, é a energia de Itaipu, que é vinculada ao dólar, e o dólar dobrou de preço. E logo no ano que vem, segundo cálculo, os consumidores já sentiriam esses efeitos imediatos na tarifa. Várias outras rubricas também já eram certas ao consumidor e, no máximo no próximo reajuste tarifário anual das distribuidoras, viriam a arcar com este aumento.

No relatório preliminar o TCU também analisa a Resolução 878, que trata da suspensão de cortes de energia elétrica. A auditoria não chegou a nenhuma conclusão sobre a conformidade da medida?
O que há ali é uma análise mais operacional, onde se avalia muito mais a eficiência dessa decisão. E nesse campo de alta discricionariedade do gestor, onde, por se tratar de temas complexos, não há uma fórmula pronta para ser aplicada.

Sabemos que o gestor tem uma dificuldade intrínseca do processo para fazer essa avaliação. Colocamos ali um caráter mais informativo, de informar à relatora do TCU, o plenário e a própria sociedade que existe essa questão, e que esse importante instrumento de combate à inadimplência, talvez o único que as distribuidoras tenham de mais efetividade, está interrompido há mais de dois meses e foi prorrogado.

Por outro lado, a não prorrogação, frente ao momento em que se encontra o país e grande parte da população poderia ser uma certa insensibilidade grande, e insensibilidade com a causa, que talvez pudesse conduzir a problemas até maiores. Olhando pelo lado da continuidade da prestação do serviço público, da adequada prestação do serviço público, é um princípio muito importante que é sopesado. A agência considerou esse princípio para fazer essa avaliação, mais do que prorrogar ou não prorrogar. 

Não houve, mesmo, uma posição – se se acha certo ou errado. O que analisamos ali são as duas vertentes sobre essa questão, os riscos de se manter a suspensão sem ter um adequado acompanhamento da evolução da inadimplência ou não. Esses talvez sejam os drives principais para a agência reguladora tomar decisão em não prorrogar mais uma vez essa suspensão dos cortes, e não ser algo plenamente valorativo.

Por isso, o relatório aponta a importância de a agência reguladora acompanhar adequadamente a evolução da inadimplência e sua diminuição, até para se ter uma sensibilidade se chegou o momento de liberar os cortes e confrontando isso com a situação da distribuidora, o que traria um conforto para a distribuidora ao diminuir sua inadimplência.

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