Rastreabilidade social: precisamos coibir a lavagem verde

Para Pedro Carneiro, a rastreabilidade social, ambiental e sanitária aumentará a transparência e a confiança na cadeia produtiva, prevenindo o greenwashing.

O Congresso Nacional tem discutido o PLS (Projeto de Lei do Senado) número 1.858/2022, que busca regular a rastreabilidade social, ambiental e sanitária de itens de cadeias produtivas de diversos setores da indústria, envolvendo desde a infraestrutura até a agropecuária. O objetivo central é garantir a transparência e a segurança dos processos de produção, transporte e comercialização de produtos agrícolas e pecuários. Essas práticas permitem que seja possível rastrear a origem dos produtos, bem como monitorar a qualidade e a sustentabilidade da produção ao longo de toda a cadeia produtiva.

Para Pedro Carneiro, sócio proprietário na SP Law Spiewak e Carneiro Advogados e diretor jurídico do departamento jurídico da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para prática de direito ambiental, a implementação da rastreabilidade social, ambiental e sanitária é importante tanto para os consumidores quanto para os produtores, uma vez que aumenta a transparência e a confiança na cadeia produtiva. Vejamos a opinião sobre o que o PLS propõe, incluindo a questão do greenwashing (lavagem verde, em tradução livre).

O PLS 1.858/2022, de autoria da Comissão de Meio Ambiente, propõe instituir normas gerais para a rastreabilidade social, ambiental e sanitária de produtos de cadeias produtivas da agropecuária. Como esta medida contribui para dar segurança ao produtor e ao consumidor brasileiro?

Na esteira da adoção dos princípios de governança ambiental, social e corporativa (ESG, na sigla em inglês), não é mais novidade que o consumidor brasileiro deseja cada vez saber sobre os impactos socioambientais dos produtos presentes no mercado, notadamente aqueles cuja origem é agropecuária. Desta forma, tornaram-se cada vez mais presentes iniciativas corporativas e institucionais, tais como certificações, auditorias, relatórios de sustentabilidade, selos verdes, entre outros. Ou seja, há empresas que pretendem trazer um nível adequado de informações sobre seus produtos, destacando a origem, qualidade, ingredientes, rotulagem, emissão de gases de efeito estufa, impactos socioambientais, dentre outros aspectos característicos existentes do setor da industrial agropecuária. O que, inclusive, é uma obrigação de transparência prevista no Código de Defesa do Consumidor, também para coibir a prática do greenwashing.

Neste contexto, o PLS da Rastreabilidade 1858/2022 tem o mérito de sistematizar as ações de controle da cadeia produtiva, ressaltando a preocupação crescente com o pilar da governança para o setor. Vale lembrar que a cadeia produtiva de bovinos e búfalos já possui um sistema de rastreabilidade pela Lei 12.097/2009. O PL pretende ampliar ainda mais o exercício e fiscalização sobre a governança corporativa para a agropecuária. 

Como o governo pode monitorar agentes econômicos das cadeias produtivas para assegurar que não contribuam com a destruição da vegetação nativa?

Seja para induzir boas práticas ou impor medidas de comando-controle, o poder público necessita de informações sobre as ações de rastreabilidade e da conformidade legal socioambiental adotadas ou não por todos os elos da cadeia produtiva agropecuária.

No caso da grandes empresas do setor agropecuário, incluídos os fabricantes de alimentos e ingredientes, destacam-se o dever de diligência legal incluindo o mapeamento e identificação dos agentes econômicos integrantes da cadeia de produção e stakeholders; a existência ou não de sistemas de gestão de riscos e identificação de responsabilidades; procedimentos de avaliação periódica do status  das subsidiárias, contratadas, subcontratadas e fornecedores diretos e indiretos, incluindo mapeamento de risco internos e externos; existência de canais de denúncia, treinamentos periódicos, controles efetivos de condições de contratação de fornecedores, entre outros.

Isso vale não só para impactos relacionados ao desmatamento ilegal, mas também para assuntos relacionados à conformidade sanitária, trabalhista, fundiária e produtiva.

Estas informações devem estar consolidadas, auditáveis e com métricas estabelecidas para que sejam submetidas e avaliadas pelo poder público de forma periódica. Ainda, o PL prevê que a avaliação seja participativa com outros setores da sociedade a fim de conferir a maior transparência possível aos sistemas de rastreabilidade e conformidade socioambiental dos produtos agropecuários.

De outro lado, cabe ao poder público promover a integração com outros sistemas já existentes, tais como o Cadastro Ambiental Rural, regularidade fundiária e trabalhista, registros sanitários informações sanitárias, dados de GTAs (Guia de Trânsito Animal), dentro outros.

Há, ainda com o desmatamento, questionamentos relacionados a violação de direitos humanos e trabalhistas e o comprometimento dos modos de vida dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares. Como o PL pretende garantir estes direitos?

Para este fim, o PL aposta em informações prestadas de forma articulada entre o poder público, setor privado e organizações da sociedade civil organizada. Segundo o PL, esta articulação pode ocorrer na forma de acordos setoriais de abrangência nacional, regional, estadual ou municipal, além de processos públicos e privados de certificação de produtos agropecuários, mesmo quando não estejam definidos em regulamento.

Em tempo de severas críticas às práticas de greenwashing, mídias sociais e reputações líquidas, o setor produtivo, especialmente o agropecuário, deve ser capaz de trazer informações claras, precisas, verdadeiras e auditáveis sobre as externalidades das suas atividades sobre o respeito aos direitos povos e comunidades indígenas, vulneráveis e tradicionais. Além da questão humanitária, violações aos direitos humanos maculam a reputação e, consequentemente, as oportunidades de aceitação no mercado consumidor nacional e internacional. Desta forma, o PL pretende trazer um sistema efetivo para que o agronegócio responsável e sustentável possa ter uma vantagem competitiva importante de acesso a mercados.

Como preparar os órgãos públicos de controle (IBAMA, MAPA, INCRA, etc.) para aperfeiçoar mecanismos de rastreamento de insumos da agroindústria e exigir das grandes empresas que atuam nas cadeias produtivas maior transparência acerca das informações do seu negócio?

Rastrear tem relação com identificar, juntar e correlacionar fatos, informações e regras legais sobre uma determinada cadeia produtiva agropecuária em certo território ou jurisdição. O rastreio efetivo consegue reunir os fatos de forma correta, a partir de fontes que sejam juridicamente válidas e aceitas. Assim, possuir informações adequadas, como também saber gerá-las, será o grande desafio não só dos órgãos de controle, mas, principalmente, do setor privado.

Em um país como dimensões continentais e com diferentes esferas de jurisdição e competências, acreditamos que identificar os regimes legais aplicáveis para uma cadeia produtiva, do plantio até o consumo final, seja um papel relevante para a consolidação das geoinformações jurídicas no aperfeiçoamento que se deseja.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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