Política de preços de combustíveis: entendendo o dilema

Marcelo Araújo*

Nos recentes meses, e em especial nestas semanas, muito tem se discutido se e como intervir na formação de preços de combustíveis. Compreensivelmente, a tentação de interferir nos preços via Petrobras parece ser um ponto em comum em diferentes governos.

A questão que se impõe é se o papel do Estado em momentos de grande volatilidade nos preços essenciais não deveria ser o de mitigar seus impactos, em vez de tentar controlar o incontrolável. Insiste-se em tratar o tema como um problema, como se possível fosse encontrar uma solução plausível e aceitável em benefício de todos. Mas será que não estamos mesmo diante de um dilema? Se nada for feito, em ciclos de alta os preços sobem, pressionam a inflação, o que impacta o crescimento econômico. Por outro lado, toda e qualquer ação possível sempre vem acompanhada dos inevitáveis custos fiscais, que terminam por pressionar os juros ou depreciar o câmbio, gerando inflação e, da mesma forma, impactando o crescimento econômico.

Inflação e crescimento econômico são, por certo, temas politicamente muito sensíveis pelo enorme impacto na vida das pessoas. Vivemos por décadas na crença do monopólio e do controle de preços e, só para lembrarmos, nunca conseguimos controlar a inflação com intervenção nos preços. Até que em 1997, com a promulgação da Lei do Petróleo n° 9.478, houve a flexibilização de setor em toda a cadeia produtiva: exploração, produção, refino, transporte e comércio exterior. Seguiu-se um contínuo processo de liberalização dos preços nas refinarias, nos postos revendedores, nos fretes e na mudança de tratamento do capital privado na indústria petrolífera.

Com a entrada em funcionamento desses poderosos mecanismos de mercado, o setor se modernizou e investiu fortemente. Naquele ano de 1997, coincidentemente, o Brasil celebrava a quebra da marca de 1 milhão de barris/dia (bpd) produzidos, mas era ainda importador. Em 2022, deveremos chegar a 3 milhões de bpd e atingir 5 milhões nos próximos anos, tornando-nos, provavelmente, o 5º maior exportador de petróleo do mundo. Um sucesso estrondoso, com enorme riqueza criada para toda a sociedade. 

Não é por outra razão que os agentes econômicos sentem calafrios ao ouvir ideias sobre controle de preços. A simples conjectura já causou de antemão um forte impacto no preço das ações da Petrobras e soluços no mercado financeiro. O preço dos combustíveis tem mais componentes do que o preço do petróleo, a grande maioria deles interna, como a taxa de câmbio, o custo do refino, os custos logísticos, de distribuição e revenda por todo o país, os biocombustíveis – estes por sua vez impactados por outras commodities como o óleo de soja no caso do biodiesel ou do açúcar no caso etanol – e, por fim, o elevado valor e complexidade dos impostos. Mesmo na remota hipótese de ser possível prever a volatilidade de todas essas variáveis, certamente, controlar o preço na refinaria não irá resolver a equação como pretendido.

O tema não tem nada de novo e nenhuma das opções em discussão pode ser vista como inovadora. A maioria já foi tentada, sem sucesso. Não vai longe o tempo em que a manutenção de preços artificialmente baixos na refinaria causou enorme prejuízo não só à Petrobras, mas à toda a indústria de combustíveis e, em especial, a de biocombustíveis como o etanol, que depende de preços competitivos com a gasolina. Multas milionárias, processos internacionais, ações de reparação em curso até hoje na Justiça e baixo investimento foram consequências das distorções criadas naquele momento e sentidas até os dias atuais.

O problema também não é só do Brasil. Mecanismos de absorção de volatilidade de preços de combustíveis já foram tentados em mais de 40 países. Hoje temos dificuldade, em nossa pesquisa, em encontrar um ainda em operação e todos definharam pela mesma razão: é sempre fácil reduzir as alíquotas ou sacar de fundos quando os preços sobem, mas, ao contrário, é gigantesca a dificuldade política de se recompor os fundos ou elevar as taxas, pois isso significaria não deixar que os preços caiam na velocidade do mercado. Além disso, o que fazer quando os preços continuam a subir e os recursos dos fundos já se esgotaram ou as tarifas foram zeradas? A nossa Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que existe até hoje, é um ótimo exemplo das limitações desses instrumentos.

Mas a complexidade do tema não pode nos impedir de enxergar um caminho estruturante, pois ele existe: a construção de um verdadeiro mercado livre de combustíveis no Brasil. Mesmo sendo um dos maiores mercados de combustíveis do mundo, hoje não conseguimos ter preços de referência local com liquidez diária, onde os agentes possam negociar livremente entre si, forçando a competição e eficiência em todo o sistema. Tal mercado para operar precisaria de algumas condições fundamentais: multiplicidade de produtores, importadores, compradores e operadores financeiros, liberdade de contratação física e financeira entre os agentes, simplificação tributária, previsibilidade regulatória e, finalmente, infraestrutura física para formação de estoques, que dará liquidez ao sistema.

A boa notícia é que estamos indo nessa direção: a Lei 13.874/2019, entre outros pontos positivos, define os limites e os procedimentos para o Estado intervir no regramento dos mercados; o Termo de Compromisso de Cessação assinado com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para desinvestimento parcial do refino e logística da Petrobras, reduzindo enfim o monopólio de fato ainda existente; ou ainda, a Lei 192/2022, que trouxe uma grande simplificação tributária, com um alíquota única e fixa por volume em todo o país, reduzindo a volatilidade e a sonegação.

São todos poderosos avanços para a atração de investimentos e a formação de um mercado brasileiro de combustíveis que, se bem sucedido, vai nos permitir evoluir do atual modelo baseado no PPI (preço de paridade de importação), que tanto se critica, para um verdadeiro preço de mercado brasileiro, levando em conta nossa realidade e os nossos custos. Não é à toa que há consenso no G20 e faz parte das recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) o não controle ou subsídios aos preços de combustíveis fósseis.

Um mercado eficiente vai resolver a volatilidade? Não totalmente, é claro. Commodities são, por definição, cíclicas e voláteis. Teremos muito mais eficiência em todo o sistema, reduzindo estruturalmente os preços e maior capacidade para absorver volatilidades, mas, em casos extremos como o vivido recentemente pelo impacto da triste guerra na Ucrânia, os preços ainda subiriam, e ações bem planejadas de políticas públicas para proteger as pessoas e setores mais afetados farão toda a diferença.

Podemos ficar tentando uma solução improvável para controlar o incontrolável ou podemos entender o dilema e gerenciá-lo com eficácia em prol da sociedade e do crescimento. A escolha é nossa.

*Marcelo Araújo é diretor-executivo corporativo e de Participações do Grupo Ultra e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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