Para especialistas, Nova Lei do Gás não é suficiente para “choque de energia barata”


 Nestor Rabello, da Agência iNFRA

Uma das medidas prioritárias do governo, a abertura do mercado de gás natural do país por meio da Nova Lei do Gás (PL 4.476/2020), não deve ser suficiente para resultar em uma queda substancial no preço do produto no mercado doméstico, avaliam especialistas.

Desde o lançamento do programa Novo Mercado de Gás, no ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem defendendo que as alterações na legislação para o segmento devem ocasionar em uma queda de até 40% no preço do gás natural.

Variáveis como preços internacionais do petróleo, câmbio, e uma boa dinâmica entre oferta e demanda –fatores que excedem os limites da lei ora em análise pelo Senado – são os pontos mais relevantes, segundo os especialistas ouvidos pela Agência iNFRA.

Ao mesmo tempo, qualquer efeito mais expressivo em termos de preços seria somente sentido no longo prazo, dizem.

“Esse negócio de choque de energia barata, por exemplo, sabemos que quem faz o choque é o mercado. Ninguém controla o preço do barril do petróleo, ninguém controla o preço do câmbio, e não conheço nenhuma lei que baixe preços”, aponta o economista Adriano Pires, sócio e diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).

Aumento de 33% em novembro
A previsão do CBIE é que já em novembro o preço do gás natural registre uma alta de 33%, diante da recuperação dos preços do petróleo Brent, negociado no patamar de US$ 40, e da alta do dólar. “Em novembro, o preço do gás vendido às distribuidoras deve aumentar em torno de 33%, porque o preço do petróleo Brent subiu e o câmbio também, você tem dois efeitos”, estima.

“Com a contração da economia, o [preço] barril vai subir, não vejo o câmbio se valorizar ao dólar com rapidez. Então os políticos, o governo, não podem iludir a população dizendo que uma lei vai baixar o preço, nenhuma lei baixa preço”, ressalta.

Ganhos de competitividade
A análise de Pires é compartilhada pelo analista da Tendências Consultoria, Walter de Vitto, que enxerga na Nova Lei do Gás uma chance de levar mais competitividade ao mercado do gás natural, mas de maneira cautelosa.

“Se isso [nova legislação] for efetivamente bem implementado sem muitas alterações ao que se espera inicialmente, você deve ter algum recuo de preço. Bem, algum mesmo. O tal dos 40% [estimado por Guedes] é um número que tenho dificuldade de enxergar de onde pode vir”, disse à Agência iNFRA.

Na avaliação dele, uma abertura do mercado de gás aproxima os preços domésticos aos praticados no mercado internacional. E, em sua previsão, o baixo preço dos últimos anos do gás natural não deve continuar por muito tempo.

“O coronavírus reduziu a demanda global por energia, seja diretamente em algumas atividades, seja de forma agregada à atividade econômica. Então, se espera que ainda fique algum tempo com mercado folgado [preços pouco pressionados]. Uma janela de cinco, talvez. Mas em algum momento esse gás não vai ser tão barato assim”, diz.

O analista aponta ainda que, mesmo para o mercado doméstico, a previsão de aumento da oferta de gás natural nos próximos anos não deve ser suficiente para criar uma redução nos preços tal qual imaginada pelo líder da equipe econômica do governo.

“A precificação fica atrelada mais às condições de mercado também [com mercado aberto]. Agora, se chover gás no mercado doméstico, o que pelo menos nas previsões do governo via EPE [Empresa de Pesquisa Energética] não é esse o cenário, aí você pode ter um quadro muito diferente”, ressalva.

Dúvidas no mercado
De maneira geral, os especialistas apontam que o projeto da Nova Lei do Gás pode ajudar a dar maior competitividade ao mercado de gás natural. Mas enxergam riscos em relação a esse mercado, mesmo se a lei que for aprovada der as condições ideais imaginadas pelos players.

Os dois especialistas divergem do texto em análise no Senado: Walter acredita que o projeto na redação atual ajuda a criar mais competitividade, enquanto Pires enxerga que falta ousadia ao que foi aprovado na Câmara dos Deputados para atrair mais investimentos.

Mas há preocupações acerca da dinâmica entre oferta e demanda, além da infraestrutura de gasodutos necessária para ampliar o escoamento do gás natural para o interior do país, vistas como entraves que terão de ser lidados.

“A tendência é que você crie condições que estendam quadro de oferta e demanda. Agora, ter ganho mesmo, temos de imaginar cenário de expansão muito forte da produção, investimentos em novas malhas de transporte dos campos de produção até a costa, novas plantas de tratamento do gás. Não é algo exatamente para amanhã”, aponta.

“Um investimento desse demora anos. A decisão de investir também, é um mercado muito ‘danado’. Se muda o governo, pode-se ter alguma outra orientação. Não é tão trivial como tem se falado”, ressalta o analista. “Para você criar um mercado efetivamente, você precisa aumentar investimentos na produção, mas precisa também viabilizar isso em infraestrutura”, completa.

Decretos são viáveis
Já na avaliação de Pires, a possível edição de decretos de regulamentação com previsão para leilões regionais de energia termelétrica e o uso de térmicas inflexíveis é uma oportunidade para criar essa demanda por gás natural e ampliar a infraestrutura.

Ele não acredita que eventuais soluções infralegais do tipo para questões como a desverticalização da cadeia de produção e da reclassificação de gasodutos de distribuição e transporte teriam o mesmo peso jurídico.

“A criação desses leilões regionais e térmicas inflexíveis que viabilizem a monetização do gás do pré-sal e a interiorização do gasoduto via decreto é bem possível”, afirma.

“Agora, os pontos que estão na lei que dão poder discricionário à ANP [para reclassificação de gasodutos] e o artigo 30 [de desverticalização], que restringe investimentos, se eles forem regulamentados após a aprovação da lei pode haver uma certa insegurança jurídica”, afirma.

Tramitação
O projeto da Nova Lei do Gás opõe grandes consumidores industriais e distribuidoras estaduais do gás canalizado, detentoras do monopólio constitucional, que discordam do texto aprovado pela Câmara dos Deputados.

Assim, aliados do governo no Senado negociam com o governo uma regulamentação via decreto dos pontos polêmicos da lei, como a previsão das térmicas inflexíveis, a reclassificação de gasodutos de distribuição ou transporte e a desverticalização da cadeia produtiva.

Conforme publicado pela Agência iNFRA, a matéria pode ser analisada pelo plenário do Senado na próxima semana, dependendo do avanço das discussões sobre mudanças em relação ao texto.

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