Novo presidente da ABCR defende punição a gestores que causarem prejuízos às concessões


Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O advogado Marco Aurélio Barcelos passou os últimos anos nos governo federal e de Minas Gerais tentando convencer empresas a entrarem em projetos de concessões.
 
Três meses atrás, ele foi para o outro lado do balcão e agora tenta convencer governos a apresentar projetos de melhor qualidade para empresas e, principalmente, resolver as pendências de contratos do passado.
 
Mestre em direito pela London University e doutor pela USP (Universidade de São Paulo), o novo presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) diz que é necessário reduzir a cultura da desconfiança para que as concessões possam evoluir no país para uma visão mais negocial dos contratos.
 
“No final do dia, uma decisão sobre o prisma legalista pode levar a que todo mundo saia pior e que os investimentos feitos se percam em sua totalidade”, disse Barcelos em entrevista à Agência iNFRA.
 
O presidente da associação que reúne mais de 20 empresas concessionárias em todo o país defende ainda que atitudes que levem a prejuízos como os que estão ocorrendo na Linha Amarela, concessão da cidade do Rio de Janeiro encampada, possam levar a punições dos gestores. Os principais trechos da entrevista seguem abaixo.
 
Agência iNFRA: Por que aceitou o desafio de deixar cargo em governo para trabalhar no setor privado?
Barcelos: A ABCR havia iniciado no ano passado o processo natural de substituição. Tinha o horizonte de continuar tocando os projetos de Minas Gerais. Mas o projeto que foi colocado para mim foi muito interessante. De um lado, havia a preocupação com o crescimento do setor e o incremento ainda maior da credibilidade da associação. Acho que, não só em relação a rodovias, mas a pauta da representação de interesses no Brasil precisa de uma alavancada. Isso significa que a gente precisa profissionalizar e tornar mais executiva as abordagens no âmbito da representação de interesses. Gosto do assunto e entendo que ainda há um certo gap de comunicação entre o setor público e o setor privado e achei que era uma oportunidade de contribuir para essa dinâmica.
 
Que papel você vê para essas entidades?
Precisamos compreender melhor o fenômeno da representação de interesse. Qual é o papel? É ser o antagonista? Ser o muro de lamentação? Ou ter o papel de construção? De decodificação, uma tradução simultânea dos anseios das duas partes em busca de solução. Acho que essa foi a missão que recebi aqui na ABCR. Construir uma nova relação do setor rodoviário com todos os stakeholders envolvidos, não apenas no poder público, mas também entre os usuários. Temos que ser um facilitador para buscar a solução de ótimos.
 
E qual a situação você encontrou no setor pelo lado privado, após passar pelo universo federal e de um estado?
O setor rodoviário de concessões ainda tem seus machucados, seja por conta da Lava Jato, e é inevitável falar disso, seja por conta das frustrações que houve nos contratos mais recentes, e me refiro aos contratos da terceira etapa, as múltiplas razões para essa frustração. O que percebi na minha entrada é que o setor está se mobilizando para se recuperar desses traumas. É importante mencionar as trocas que estão sendo realizadas na alta direção das empresas, o profissionalismo com que se pretende avançar ainda mais. Além de todo o esforço de compliance que está sendo realizado no setor, há algum tempo. Isso me animou bastante.
 
E como estão os processos com os governos?
O diagnóstico geral, que percebo hoje, sobretudo pelas pautas de governo, é que temos muitos avanços na pauta prospectiva. Isso é um avanço interessante. Acredito que neste momento já se superou aqueles antigos preconceitos ideológicos sobre concessão, privatização, que fere direito de ir e vir. Pelo contrário, entendo hoje que a própria população das comunidades afetadas pelos projetos querem a concessão. Entendem que isso traz externalidades positivas. As empresas do setor estão se preparando para isso e há ativos extremamente interessantes sendo colocados na rua. Há uma energia muito importante para frente.
 
Há muitos projetos acontecendo ao mesmo tempo. Não temos um risco de haver um exagero de estradas concedidas e errarmos em algum ponto da demanda?
Não vejo isso como um aspecto negativo. Ao contrário. Está claro que não tem mais recursos para investimentos. E o que é pior: estamos começando a migrar para um cenário que não sobra mais recurso para manutenção e conservação. Em alguns estados é um dado da realidade e posso falar por Minas Gerais, estado por onde passei. Investir com recursos públicos em infraestrutura rodoviária, esquece. E a conservação e manutenção já começaram a entrar em xeque competindo com o custeio. As concessões inevitavelmente são a alternativa. Ainda temos projetos com volume de tráfego expressivo sendo colocados na carteira e ainda acho que tem muito filé para ser oferecido ao mercado.
 
E quando acabar?
O problema é quando o filé acabar, quando tiver projetos de menor envergadura e viabilidade financeira, e prevalecer o horizonte de restrição fiscal. Essa pauta inevitavelmente vai vir. O governo federal tem dado alguns sinais sobre esse tema. Falava-se em concessões de manutenção. Não sei se era o melhor desenho, mas se devia repensar sobre isso para que os próprios usuários consigam contribuir para que os trechos que utilizam possam ter o mínimo de trafegabilidade. Mas acho que não chegamos ao exaurimento da carteira. Ainda temos boas oportunidades indo para a rua. O que se pode acender o alerta é o mercado não dar conta de todos os projetos. Mas os governos parecem preocupados em não colocar todos os ativos ao mesmo tempo.
 
Como você vê a qualidade dos projetos que estão sendo levados ao mercado?
Havia uma preocupação com a qualidade dos projetos. Tanto que, de 2015 a 2018, a gente teve uma onda de PMIs [Procedimentos de Manifestação de Interesse] que acabou. Apesar de a gente ainda ver alguns PMIs esparsos, no setor rodoviário a gente vê essa prática praticamente abolida. E paralelamente a isso, a gente vê o fortalecimento de estruturas interessantes no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], nas multilaterais, nos estados contratando suas consultorias com cabedal para desempenhar a modelagem, na EPL [Empresa de Planejamento e Logística]. O gargalo dos projetos vem sendo superado.
 
Mas estão adequados?
Claro que alguns aprimoramentos ainda precisam ser feitos. Nossa matriz de risco ainda é um pouco ingênua e poderia sofrer alguns incrementos, sobretudo depois de passar pela crise de 2016 e a Covid. Será que nossa matriz está preparada para esses eventos excepcionais? Será que não está na hora de colocar a atenção sobre risco de demanda? Sobre risco cambial? Há ainda a cláusula residual de riscos, que prevê que todos os riscos não previstos no contrato são do concessionário. Será que essa é a melhor alternativa? Mas mesmo com algumas melhorias que precisam ser feitas, vemos uma melhoria constante e progressiva da qualidade dos projetos.
 
E para trás? Acho que também tem uma influência sobre o tema do para frente.
Acho que a gente precisava dedicar uma parte da energia, ou a mesma energia, no para trás. Essa é uma tônica que os setores de representação precisam enxergar. Olhar o nosso universo com essas iniciativas do futuro, que temos que apoiar, insuflar a participação de nossas associadas, mas olhar para o presente, a garantia da estabilidade dos contratos. A gente precisa tutelar pela segurança jurídica, de que o combinado não sai caro. Aquilo que havia sido ajustado no contrato, as expectativas que cada um teve, seja assegurada. E temos o para trás, que é quando uma instabilidade desagua em passivos regulatórios.
 
Mas é uma pauta que tem dificuldades para caminhar.
Queremos contribuir para o futuro, colocar um ponto de atenção sobre o presente, a segurança jurídica, e mais, contribuir para a erradicação dos passivos regulatórios. O que percebemos hoje é um represamento dos pedidos de reequilíbrio. Não só no âmbito da ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], mas também as agências de âmbito subnacional. Isso faz com que seja inevitável fazer uma pergunta para a qual eu não tenho uma resposta: nosso sistema regulatório é mesmo efetivo? Eu não sei. Acho que é algo para ser analisado. Esse grande número de passivos regulatórios e lentidão nas respostas que algumas agências reguladoras pode nos dar a crer que a efetividade que se esperava do sistema não tem sido alcançada. Seria necessário algumas melhorias em relação a essa efetividade. O passivo regulatório contamina não só o passado, mas é um sinal negativo em relação ao futuro. Ele precisa ser contabilizado para qualquer entrante, principalmente os estrangeiros, quando se decidem por investir no Brasil e isso reflete no preço do ativo.
 
Temos pessoas na agência e no governo, um sistema por dizer, para resolver problemas. Pegando o exemplo do governo federal, que tem hoje mais preparo do que ja teve. O que falta a essas pessoas para resolverem?
Acho que é um conjunto de fatores. O primeiro: ainda tem muita desconfiança entre regulador e regulado. É papel do próprio setor resgatar essa confiança. Outro elemento é a falta de braço. Não é sobre o ponto de vista qualitativo. É quantitativo. Há um universo de assuntos versados nas agências e o pessoal não consegue dar vazão a tudo na velocidade esperada. Precisaria investir nas agências. Há um déficit de recursos humanos. E é impossível, não tem como, não falar do apagão das canetas. É uma realidade que ainda permeia o ambiente regulatório no Brasil.
 
Por que acha que isso ocorre?
Isso é também um desdobramento da visão preconceituosa, da desconfiança. Quero acreditar que com todos os esforços que vem sendo implementados no setor, a mudança de postura, a sedimentação das práticas de compliance, a mudança do corpo diretivo… e mais, quero acreditar que com essas mudanças na agência, com nomes muito técnicos para ter assento na diretoria, essa desconfiança vá diminuindo. Há um dever de casa a ser feito por cada um dos atores. Os controladores, e no âmbito federal me refiro ao TCU [Tribunal de Contas da União], precisam dar uma segunda chance. Precisam ter abertura para reconhecer que esse esforço e investimento em credibilidade vai gerar melhores práticas e que esta tensão entre controlador, regulador e regulado tende a se estabilizar e tenhamos inovações, posturas e mais dinâmica por parte do regulador.
 
Há indicativos sobre os órgãos de controle de que eles têm uma visão contratualista muito forte, vindo da visão sobre contratos da Lei 8.666, o que seria incompatível com a característica negocial dos contratos de concessões. Há alguma forma de se minimizar essa visão e levar a algo mais moderno?
Concordo que ainda há uma visão legalista no sentido estanque da palavra que faz parte de uma tradição jurídica que vem sendo ultrapassada. Hoje a gente vê a linguagem jurídica, o direito público, de uma maneira mais plástica. Mas isso depende de mudança de cultura, ganho de confiança dos atores envolvidos. Nossa tradição jurídica ainda é a da desconfiança. Papel para lá, para cá. Não da negociação, da participação, da construção. Ela precisa de uma aproximação e esse é o passo subsequente que a relação precisa alcançar para a gente mudar a chave. Para que a gente consiga ter uma harmonia maior entre todos os interessados para que a gente construa um ambiente de negócios mais amistoso, que o Risco Brasil seja diminuído.
 
Os controladores agem imaginando ser a defesa do usuário, mas sem passar na rodovia muitas vezes. Não falta, de alguma maneira, reforçar ou ajudar que representantes dos usuários estejam mais próximos das agências, dos controladores e das próprias empresas para que eles possam dizer o que querem?
Acho que sim. Mas isso pressupõe a mudança de cultura. Sair do paradigma legalista, burocrático, do tudo ou nada, e migrar para o paradigma de construção de consenso e de ótimos possíveis. A Lindb [Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro] foi muito aclamada nos meios jurídicos, mas eu entendo que ela ainda tem sido pouco absorvida, sobretudo nos órgãos de controle para essa tentativa de chegar ao que é possível. Me permito até fazer um comentário, por mais que possa repercutir mal. Houve manifestação recente do TCU sobre o Contorno de Florianópolis. Percebi no voto do relator uma aproximação muito grande com essa visão.
 
O que dizia a decisão?
Dizendo que a gente precisa levar em conta as circunstâncias do caso concreto, analisar os efeitos concretos da decisão. Embora não se faça menção à Lindb no voto do ministro Raimundo Carreiro, vejo com muito bons olhos porque ele se inspirou ao que parece no texto, que fala do consenso, da construção, do consequencialismo das decisões. É disso que a gente precisa. Do contrário, em outras tantas decisões dos controladores, não só do TCU, levam a decisões subótimas.
 
Em que casos?
Temos lá o caso dos túneis da Concer que estão sendo destruídos e não se chega a uma solução para isso. No final do dia, uma decisão sobre o prisma legalista, pode levar a que todo mundo saia pior e que os investimentos feitos se percam em sua totalidade. O setor privado e as agências reguladoras estão tomando importantes passos para essa reaproximação. Acho que é natural que esse diálogo amistoso floresça. É a expectativa que realmente nutro.
 
Acho que podemos falar então de outros casos concretos também em estados.
O problema dos passivos regulatórios também está presente nos estados. Não tem como não citar o estado de São Paulo pelo volume, envergadura e importância dos contratos. Existem discussões que vem se prolongando por alguns anos. O setor vê com bons olhos a iniciativa do atual governo de dar uma solução para essas discussões, muitas delas se desdobrando até judicialmente. Torcemos para que num curto espaço de tempo essas discussões de passivos, reequilíbrios possam diminuir. Acho que o exemplo de São Paulo de se debruçar sobre o tema, de se abrir para a negociação, deveria ser seguido por outros ao invés de simplesmente deixar que essas questões sufoquem a Justiça, se alarguem por longo tempo e criem um ambiente de antagonismo. As negociações ainda não estão concluídas com São Paulo mas a expectativa é que possam ocorrer em breve.
 
Você citou que o sistema de concessões evoluiu muito dos anos 90 para cá, mas a Linha Amarela me parece um túnel do tempo. Como você imagina o desfecho desse caso e as consequências desses processos?
Ele chama a atenção porque tem alguns ingredientes caricatos. O fato do executivo se dirigir à praça para destruir chega a ser alegórico. Existem incentivos, na minha visão distorcidos, para que os chefes dos executivos possam vez ou outra fazer esse tipo de incursão contra contratos celebrados em gestões passadas para se promover eleitoralmente. O que ainda chama a atenção no caso, além do ingrediente caricato, a gente espera que o Judiciário venha a dar uma resposta a altura. Debele. Elimine esse tipo de comportamento.
 
Mas isso ainda não ocorreu.
O que chama a atenção é que houve em determinado momento manifestações do Judiciário que geraram alguma apreensão no mercado quanto à capacidade do Judiciário de eliminar essas distorções. Ainda não temos decisão definitiva. Todos os setores têm se mobilizado, não só o rodoviário, porque isso interfere no setor em geral de concessões. Imagina se nas concessões do saneamento se a cada quatro anos os prefeitos quiserem se promover eleitoralmente destruindo o que foi feito? Há uma exposição. Esperamos com ansiedade o pronunciamento definitivo do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ou até do STF (Supremo Tribunal Federal), sobre esse tipo de barbárie. Para que isso não se repita e para que a gente possa se fiar, não no executivo, mas no Judiciário como última barreira contra esse tipo de agressão.
 
Você colocou um ponto interessante que é o custo de fazer esse tipo de ação. Não seria interessante ter mecanismos nos contratos que fizessem esses custos para os políticos ser alto? Porque parece que o custo do populismo é barato.
Concordo. Em alguma medida já existe. A Lei de Improbidade Administrativa poderia ser aplicada quando arroubos desse tipo possam ser demonstrados que são inadequados e ilegítimos. São decisões que causam prejuízos às concessionárias, aos órgãos públicos, aos usuários e ao país, que passam incólumes. O mundo ideal era começar a colocar um preço nisso. Isso chama a atenção não apenas para atitudes caricatas como a da Linha Amarela, mas também para demoras, paralisações injustificadas, pelos próprios controladores. Não me refiro aqui ao TCU, TCE (Tribunal de Contas do Estado). Falo de maneira geral. Todos os atores envolvidos na continuidade ou descontinuidade de contratos precisam ter consciência das consequências dos seus atos.

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