“Nossa cartografia militar não deve nada a nenhum país”

Geocracia

General Marcis Mendonça Jr., diretor da DSG, diz que presença do Brasil em grupo de mapeamento global permite essa percepção.

Nesta segunda parta da entrevista com o general de brigada Marcis Gualberto Mendonça Júnior (veja aqui a primeira parte), o chefe da DSG (Diretoria de Serviço Geográfico) do Exército diz que, em termos de cartografia militar, pode afirmar com tranquilidade que “não devemos nada a nenhum outro país, tanto em nível tecnológico quanto de implementação do conhecimento na produção”.

Doutor em Ciências Geodésicas pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e mestre em Engenharia Cartográfica pelo IME (Instituto Militar de Engenharia), Mendonça Jr. afirma que essas observação foi feita a partir de 2016, quando, por ocasião dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Brasil foi convidado pelos Estados Unidos para integrar um programa de produção de dados geoespaciais que, mais tarde, permitiu integrar um programa mais amplo de mapeamento do qual já participavam outros 31 países.

Com base na percepção do que é feito nos demais países, ele afirma que o Brasil, hoje, tem uma qualidade, em termos de produção, e uma quantidade, em termos de disponibilização, compatível com o que existe no mundo.

Acompanhe a entrevista a seguir.

O que mais afeta as atividades do uso da geoinformação como insumo pelo usuário final? A sua desatualização, a sua indisponibilidade ou essa questão de não se ter a interoperabilidade desses dados entre o que é privado e o que é público ou mesmo entre as diferentes esferas do Estado?

Vou começar pela interoperabilidade. A questão dos formatos de dados complexos é impeditiva e não restritiva. O usuário não costuma ter essa noção porque, quando você utiliza, por exemplo, um editor de texto e insere em um arquivo somente informações textuais, você consegue abri-lo em programas diferentes, mesmo que os formatos padrões dos programas utilizados sejam diferentes. Mas, quando você coloca fórmulas, tabelas ou figuras nesse arquivo, dificuldades adicionais surgem, pois a interpretação dos códigos pode não ser bem feita. No caso de dados geoespaciais, é isso que entendo por interoperabilidade, ou seja, a capacidade de utilizar os mesmos arquivos em diferentes estruturas, seja pela utilização direta em programas interoperáveis, seja pela utilização de conversores confiáveis.

Quando se trabalha com dado geoespacial, você pega uma representação de um elemento presente na superfície terrestre, utiliza as primitivas geométricas (o ponto, a linha e a área) e faz uma combinação disso tudo. E atrela a isso um banco de dados com informações qualitativas desse elemento. Isso o torna um formato complexo, pois há elementos geométricos atrelados a elementos textuais podendo, dentro de cada um desses, ter complexidades específicas. Se você não adotar um formato padrão interoperável, vai ter um dado que, dependendo da sua base computacional, não vai conseguir utilizar.

Uma solução para esse problema pode ser a imposição da utilização de normas já estabelecidas por organismos estatais quando o financiamento dos projetos tem origem pública. O Sistema Cartográfico Nacional já possui um conjunto de normas técnicas já estabelecidas para as cartografias terrestre, náutica e aeronáutica. Isso facilita a contratação de serviços por parte de entes federativos, pois define os parâmetros da própria contratação de uma maneira uniforme. Além disso, diminui os custos para as empresas, pois a modelagem dos dados já está pronta: a Inde (Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais).

Em relação à desatualização, a cartografia como ação (o mapeamento) reflete a disposição territorial do espaço geográfico em um determinado instante. Ou seja, o mapa, a carta topográfica e a planta refletem a disposição da ocupação territorial em um momento específico. Além disso, temos que a densidade dessa representação é definida pela escala de mapeamento. Para cada escala existem regras específicas que definem o que será representado e como será essa representação espacial (em escala ou por símbolos, por exemplo).

Nesse sentido, temos dois caracteres. O primeiro é o histórico. Aquela representação do passado é importante para a preservação do patrimônio histórico e tem uma série de outras aplicações, como, por exemplo, nas áreas governamental, ambiental e jurídica. A outra tem a ver com a utilização do dado espacial nas ações presentes. Nesse momento, essa desatualização passa a afetar muito mais o usuário. Uma base cartográfica desatualizada, na qual os elementos existentes no terreno não estão representados, atrapalha o usuário, mas não impede o uso dos dados em si. Uma atualização pontual pode resolver o problema.

Já a questão da indisponibilidade é muito mais complexa. Se uma base cartográfica não existe, o usuário não consegue utilizar aquele dado pela simples razão de sua inexistência.

Pode-se dizer que a desatualização para um uso pontual, naquele momento, é restritiva. Já a indisponibilidade é impeditiva.

É possível apontar o estágio de nossa cartografia militar em relação à de outros países?

Essa é uma pergunta interessante. Em 2016, por ocasião dos Jogos Olímpicos, o Brasil foi convidado pelos Estados Unidos para integrar um programa de produção de dados geoespaciais. Naquele momento, nós soubemos que, na América do Sul, somente as três Guianas e o Brasil não participavam desse programa. Tivemos acesso a um banco de imagens e começamos a utilizá-lo para fazer a atualização de alguns produtos, cuja qualidade fez com que, posteriormente, o Brasil fosse convidado a integrar um programa mais amplo de mapeamento, a nível mundial, no qual participam outros 31 países.

Em relação à cartografia militar, foi interessante a nossa participação nas atividades do programa, porque não tínhamos uma integração efetiva com outros países no tocante à produção cartográfica. É muito comum, dentro de alianças militares (Otan, Pacto de Varsóvia etc.) se ter a produção conjunta de geoinformação. Sabemos disso porque é possível encontrar na internet lojas que vendem antigas cartas do território brasileiro produzidas por americanos e soviéticos.

Começamos a ter uma ideia em relação à capacidade produtiva desses países. Os nossos engenheiros participam de várias reuniões e não nos surpreendemos em relação ao que é feito. Softwares que são utilizados lá fora são os mesmos que utilizamos aqui e, hoje, existe uma pequena diferença, porque o Exército Brasileiro adotou a linha da produção por software livre e estamos desenvolvendo aplicativos específicos para nossas necessidades.

Nos últimos anos, disponibilizamos para toda a sociedade brasileira as nossas especificações técnicas para os produtos do conjunto de dados geoespaciais; e a aquisição, a estruturação, a representação e o controle da qualidade dos dados geoespaciais. Isso nos permite dizer com tranquilidade que não devemos nada a nenhum outro país, tanto em nível tecnológico quanto de implementação do conhecimento na produção.

Obviamente que, para cada país, existem especificações técnicas próprias, baseadas na necessidade de disponibilização de geoinformação de cada país. Se você tem um território relativamente pequeno com uma densidade urbana muito grande, a quantidade de informação em todas as escalas tende a ser maior. Por outro lado, você tem um país com densidades urbanas menores, mais áreas verdes, tende a ter menos elementos. As nossas normas são adaptadas a história da nossa cartografia e permitem que tenhamos uma qualidade, em termos de produção, e uma quantidade, em termos de disponibilização, compatível com o que existe no mundo nos dias de hoje.

A Colômbia, pelo Igac, anunciou que mapeará sua Amazônia em 1:25.000 até 2025. Considerando que o Exército é a principal instância de mapeamento da Amazônia brasileira, é possível aferir no Brasil um horizonte para o mapeamento da região amazônica?

O mapeamento da Amazônia brasileira é uma importante questão de Estado, pois suas riquezas estão sempre em evidência. O projeto Radiografia da Amazônia procurou suprir uma lacuna existente, mas que não foi finalizado por motivos orçamentários. No entanto, não abrangeu a região como um todo, se atendo ao vazio cartográfico.

A qualidade posicional do imageamento nos possibilitou construir cartas topográficas na escala 1/50.000, que, no entendimento da DSG, era a adequada para a região.

A Colômbia tem um pouco mais de 1,1 milhão de km, sendo 500 mil km2 na região amazônica. Se eles forem efetivamente mapeá-la na escala 1:25.000, eu considero uma atividade importante. Você vai começar a ter algo que não havia 30 anos atrás, que era a disponibilização da informação em nível de solo, dessa importante região de nosso continente.

As cartas produzidas por nós, nos projetos que mapearam nossa Amazônia nos anos 1960 a 1970, pela limitação tecnológica existente à época, não representaram o solo amazônico, mas sim sua cobertura vegetal. As curvas de forma, como são chamadas a representação dessa cobertura, não tinham correlação com a topografia do terreno. O uso do Radar imageador, nas bandas X e P, permitiu produzir esse tipo de geoinformação.

Não sei qual tecnologia os colombianos pretendem usar, mas seria importante empregar a mesma que empregamos no Radiografia da Amazônia. Seria algo bem interessante e importante.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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