Ministro da Casa Civil critica outorgas no saneamento e diz que vai rever papel da ANA

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que o governo vai rever o papel da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) no setor de saneamento, retirando da agência o papel de fazer normas de referência que devem ser seguidas por outras agências subnacionais.

“A ANA não é chefe da agência estadual”, disse o ministro.

Segundo ele, isso será feito no decreto que o governo espera publicar já na próxima semana, após o fim da tentativa de negociação entre representantes de empresas públicas e privadas sobre o tema. O caso está em andamento na Casa Civil desde o início do governo e tem prazo final para se encerrar nesta sexta-feira (10).

O ministro afirmou ainda, em entrevista a jornalistas após receber a Medalha JK, entregue pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes), na última quarta-feira (8), que a revisão dos decretos do setor é importante para destravar investimentos privados. Muitos deixaram de ser feitos desde a aprovação da nova lei do saneamento, em 2021, devido à regulamentação do governo anterior.

Rui Costa também criticou severamente os modelos de concessão usados na gestão passada, que permitiram o pagamento de valores de outorga considerados por ele exagerados. Para o ministro, essa outorgas vão onerar os consumidores e ameaçam a execução dos contratos:

“Macho para assinar o contrato e botar o dinheiro no caixa tem muito. Macho para dizer que vai cumprir o contrato…”, disse Costa, referindo-se aos contratos de concessão do Rio de Janeiro que já não estarem tendo a cláusula de reajuste da tarifa sendo descumprida.

As principais falas da entrevista do ministro seguem abaixo:

“A data limite que eu tinha dado [para o acordo entre empresas públicas e privadas do saneamento] era sexta-feira (10) agora para resolver. Se não tiver acordo, nós vamos arbitrar. De imediato, nós vamos afunilar para aquilo que pode ser regulamentado pelo decreto. O objetivo é estimular o investimento privado. Os decretos, ao contrário do que se pretendia, restringiram e paralisaram os investimentos, privados inclusive, de PPP, de concessão, de subconcessão”.

“Essa área tem vários modelos possíveis de parcerias com a iniciativa privada. Os decretos praticamente obrigavam ou restringiam a um modelo único, que era a concessão total. Inviabilizavam ou impediam os outros modelos. Nós estamos flexibilizando para abrir para todos os modelos. PPP, concessão privada, concessão total, subconcessão, concessão parcial, regional”.

“O país é continental, as realidades são diversas. O que vale muitas vezes para uma cidade ou região do Sudeste não vale para o Nordeste ou Centro-oeste. As realidades são diferentes, as populações são diferentes, poder aquisitivo diferente, quantidade de pessoas diferentes. Muitas vezes a disponibilidade da própria água não é uniforme. Salvador e Fortaleza não têm água. A água vem de outras cidades. O município de Salvador não pode entrar sozinho [numa licitação], a não ser que resolva fazer uma licitação para dessalinizar a água do mar, o que aumentaria muito o custo para a população”. 

“Tem que ser agregado”
“Quando você quer engessar o modelo nacionalmente fica difícil. No Nordeste, um manancial em um município muitas vezes abastece 20 cidades. Salvador está na [concessão como região] metropolitana. Mas o que falo é que o modelo tem que ser agregado, não é por município. Se não, não resolve o problema. Tem regiões na Bahia que tem 20 cidades que não têm uma gota de água. Tem que pegar a água para distribuir para 20. A solução é regional, agregada e não individual”.

“Você tem que flexibilizar [os decretos] para ter aderência às diversas realidades, a cada projeto. Tem lugar que fica de pé a concessão sozinha. Tem lugar que, se for fazer [concessão], não aparece ninguém porque não fica de pé. Tem que agregar com outros. E às vezes não fica de pé e tem que haver uma PPP para ficar de pé. O que vamos fazer no decreto é isso. Flexibilizar para ter condições de acelerar o investimento privado”.

“Decreto do que couber”
“O que estamos negociando [com as empresas] são os pontos consensuais. Depois vamos ver o que foi consenso e o que não foi. O que cabe num decreto e o que não cabe. A primeira iniciativa nossa será publicar um decreto daquilo que couber. O que for necessário alteração de lei, a gente vai continuar discutindo um pouco mais. E eventualmente envolver o parlamento nessa discussão antes de mandar, se for mexer com a lei. Primeiro queremos fazer o decreto para liberar investimentos porque temos pressa nos investimentos. O governo pode arbitrar também o que não for consenso e colocar no decreto.” (Segundo o Secretário do PPI, Marcus Cavalcanti, que acompanhou a entrevista, há cerca de 400 municípios com tipos de contrato que ainda estão em disputa entre empresas privadas e públicas. Segundo ele, prorrogar o prazo para a prestação direta por parte dos municípios e o desbloquear o financiamento para quem vai administrar diretamente vai fazer parte do decreto. “Se não ele é obrigado a fazer concessão. Ele tem uma autarquia e quer manter assim. Se não, você não está universalizando. Tem muito sistema autônomo de água e esgoto no Nordeste”, disse Cavalcanti).

“Deixa o mercado decidir”
“O pior modelo é aquele que tenta engessar. Isso eu tenho convencimento para várias áreas da gestão pública. Somos um país continental. Não cabe, na minha opinião, se você quer acelerar o crescimento do país, ficar colocando camisa de força e buscando modelos únicos para realidades completamente diferentes”.

“No conceito, temos alinhamento [do governo com o setor]. É preciso trazer o investimento privado para o setor. Isso é unanimidade. Se tem consenso nisso, por que vamos dificultar a entrada do investimento privado, tentando engessar em uma opção? Abre um leque de opções e deixa o mercado decidir. A realidade concreta de cada lugar vai falar mais alto. Até porque, na gestão pública, o ideal é que você componha aquilo que a gente chama de filé com osso. Se não, a iniciativa privada, sem nenhum demérito a ela, por pura lógica de mercado, só vai alcançar o que é filé. Eu faria o mesmo. Qualquer um faria o mesmo. E o resto seria um sistema muito deficitário.” 

“Subsídio cruzado”
“Hoje o que mantém todas as companhias estaduais é fazer o subsídio cruzado. As regiões que dão resultado positivo ajudam a subsidiar as que têm resultado negativo. Numa cidade de 10 mil habitantes, como você vai buscar água a 70 quilômetros para levar?” (Costa citou o caso da cidade de Santa Maria de Lourdes, de onde a água chega por uma adutora do Rio São Francisco. “Foram R$ 150 milhões de investimentos. Como que paga? Isso não fica de pé. Você vai deixar 20, 30 mil pessoas sem água? As realidades são diversas e as soluções necessariamente são diversas”)

Rui Costa lembrou ainda que a solução defendida pelas empresas privadas no governo anterior restringiram os investimentos: “Na Bahia, eu queria fazer uma PPP e não consegui fazer com os decretos publicados. Os decretos inviabilizaram. Tinha feito a regionalização, para a segunda maior região do estado. Sucessivos decretos me impediram. No que isso ajudou o saneamento? No que ajudou a geração de empregos? A entrada de capital privado?”

Papel da ANA
“Com a lei, eu conseguiria [fazer a PPP]. Com o decreto, não. Tem um conceito esquisito que está lá, que a agencia reguladora vai validar. Desde quando? Tem agência estadual. Agência federal é para dar outorga em rio federal. Num rio estadual, onde entra a agência federal nisso? Ela vai se sobrepor à agência estadual de água? À agência reguladora estadual? Qualquer um que entre com ação de inconstitucionalidade vai ganhar. A ANA não é chefe da agência estadual.”

“Onde que está definido que uma agência federal de água vai fazer norma de referência de licitação de água ou de esgoto de uma cidade ou de um estado? Onde tem isso? O poder concedente é o município” (Segundo Costa, não é preciso mudar a lei para isso. “O papel da ANA vai se restringir à regulamentação, a dizer parâmetros, por exemplo, de despejo de água depois de tratada. Não vamos admitir que ela entre na análise de equilíbrio econômico financeiro de projetos. A ANA não foi feita para isso”, disse Costa. Cavalcanti completou ainda dizendo que uma das normas da ANA diz que as empresas sem contrato não vão ter direito à indenização não resiste a uma ação). 

“Federação ou país central?”
Para Rui Costa, a lei, no que trata da ANA, fala de diretrizes. “Não tem uma senhora nacional que dê ordem para a federação. Precisamos resolver se nós queremos uma federação ou um país central autoritário e totalitário. A gente vive em conflito de qual país a gente quer”.

“Vai na Alemanha e vê se tem esse conflito. Na Espanha. É uma federação e ponto. Aqui, a gente vive em eterno conflito de identidade. Faz discurso de federação e fica o tempo todo tentando colocar cabresto e nacionalizar soluções municipais. Toda hora é um piso de uma categoria. O salário é do município. Por que tem que ser definido no Congresso Nacional? A ANTT pode fazer norma de rodovia estadual? Tem cabimento isso?”

Parentes
“Colocaram a ANA [na regulação do saneamento] porque todos os que estão na ANA são parentes de quem estava no Palácio do Planalto. É só olhar quem são os diretores da ANA hoje. É nome e sobrenome de quem está lá. Ou a gente quer fazer um personograma ou a gente quer fazer um país de longo prazo. Eu e o presidente Lula queremos trabalhar com um conceito de nação. Nós somos uma federação. União, Estado e Município. Está na Constituição que a União regula rios federais e rios estaduais é estadual, agência estadual. A gente vai ficar usurpando competências estaduais e municipais para o plano federal a depender da conveniência do governante de plantão?”

“Não estou fazendo uma crítica pontual. Quero que a gente reflita qual a nação que a gente quer de longo prazo, para que a gente tenha previsibilidade, estabilidade, segurança jurídica. O conceito que vamos reforçar é que esse país é uma federação. Tem que ter regras duradouras. A ANA é agência para regular o uso da água em rios federais. Rios estaduais cabe à agência estadual. O poder concedente do serviço é quem regula o serviço. Não é a agência nacional. Não há hierarquia. São conceitos que tanto faz o PT, MDB, PSD, qualquer um que seja presidente, o conceito vai ficar no tempo.”

“No limite da lei, vamos restringir no decreto o que a lei fala. Ela fala em fixar diretrizes e o decreto dirá quais as diretrizes. Nós vamos dizer no decreto o que cabe. Vamos restringir, no limite, o papel da ANA ao que de fato ela tem que fazer.”

“Cadê os investimentos?”
“O que causou dificuldade de investimentos foi a tentativa de centralizar. Não é achismo. É só olhar desde a edição. Cadê os investimentos? Sei que às vezes a imprensa fala do leilão do Rio de Janeiro como um sucesso. Eu pergunto: a outorga paga no Rio foi para o saneamento? Esse dinheiro da outorga vai sair da onde? Das contas. Você vai tirar do saneamento para aplicar em asfalto, pagamento de gratificação de servidores. É isso que a gente acha correto, que o consumidor de água e esgoto pague salário extra, prêmio e sei lá o que que está fazendo com esse dinheiro? Eu não acho isso correto.Temos que redefinir. Dinheiro de outorga de eventual concessão tem que ser aplicado no saneamento, em drenagem, em algo que corresponda ou contribua para o saneamento, como coleta de lixo”. 

“Eu quero ver, ao longo do tempo, como vai ser o desempenho dessa concessão do Rio. Porque ele tem que se remunerar em mais R$ 20 bilhões, tirar do saneamento, para se remunerar da outorga e mais o investimento que ele tem que fazer. Olha o esforço que o cliente de água e esgoto vai ter para remunerar esse volume”. 

“Não tem paralelo”
Costa defendeu que qualquer tipo de outorga fique no setor, apoiando a PEC 1/2021 do Senado: “O que um usuário de uma estrada, que paga para usar, tem que financiar uma gratificação de servidor através disso? Não tem paralelo no mundo que faça isso. Isso está errado. O consumidor do serviço vai pagar [com as contas]? Isso é tributo. Cobra como imposto e não numa concessão. Isso está sendo enxergado por alguns gestores como forma de fazer caixa”.

“Não se pode fazer que o consumidor de um serviço tão essencial como a água, a pessoa pobre, que ganha salário mínimo, que tem que pagar sua conta de água, que ajude a financiar outras instâncias de qualquer governo. Não acho isso razoável. É você impor uma despesa de algo que ele não consumiu. Porque 20 bi, quando você paga de outorga, se ele aplica em outro lugar… Às vezes a imprensa trata como sucesso, solta fogos, governador comemora. Mas a pergunta que faço é: o dinheiro vai ter que voltar aos cofres do investidor? Ou alguém deu [dinheiro] de graça? Como volta? Na tarifa. A tarifa tem que remunerar a operação, o investimento e os 20 bi de outorga. Olha o esforço que a tarifa tem que remunerar”.

“Macho para assinar contrato”
“O contrato [no Rio de Janeiro] já começou a não ser cumprido. Até onde sei, não foi dado o reajuste. Por que? Botar no papel e receber o dinheiro é fácil. Dar o aumento previsto no contrato, que justificou os 20 bi, esse é a tarefa difícil. Na hora que disser ao povo que vai ter que aumentar 100% a tarifa de água, 50%, 30% de uma vez… Macho para assinar o contrato e botar o dinheiro no caixa, tem muito. Macho para dizer que vai cumprir o contrato… Vocês vão ver ao longo do tempo. Não tô jogando praga, mas é que não tem almoço grátis”.

“Quero reafirmar que queremos regras de longo prazo. Regras de Estado, não de governo. Para dizer daqui a 10 anos que as regras são perenes. Porque elas são sólidas, não são convenientes. Acabei meu mandato [de governador da Bahia] em dezembro e me sinto a vontade para falar: não faria uma concessão para pegar uma outorga de água, de saúde, para aplicar em outra área. O que o usuário de um serviço tem que financiar sei lá o que de um governante? Se quer fazer, cobra imposto. Não o serviço que está licitando”.

“Aquilo que precisar de lei, eventualmente a gente pode continuar um diálogo para buscar, até com o Congresso, antes de enviar. Semana que vem, vamos afunilar para ver se conseguimos assinar [o decreto] na semana que vem. Porque queremos destravar os investimentos. Tem muita coisa represada esperando esse novo decreto”.

Tags:

Assine nosso Boletim diário gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos