Mauricio Bähr, CEO da Engie Brasil: “Brasil continuará sendo o país mais relevante na área de renováveis”

Roberto Rockmann, especial para a Agência iNFRA

Maior geradora privada do Brasil, com cerca de 10 GW instalados, a Engie tem no país o principal vetor de crescimento em renováveis no mundo. Hoje a operação brasileira representa cerca de metade da receita obtida com essas fontes limpas no mundo. Nos próximos anos, preveem-se investimentos em solares e eólicas e o provável ingresso em empreendimentos híbridos, que mesclem as duas fontes.

Esse posicionamento em fontes limpas permite que a empresa também possa avançar com hidrogênio verde, uma nova fronteira que permitirá que a energia elétrica renovável brasileira possa ser exportada. No Brasil, já se mantêm conversas com mineradoras, fabricantes de fertilizantes e petroquímicas em estudos de viabilidade econômica de projetos piloto com a nova tecnologia. No mundo, trabalha-se com a meta de atingir 4 GW nesse segmento até 2030, sendo que o Brasil poderá representar um quarto desse montante.

A crise hídrica expôs necessidades de repensar alguns pontos. A valorização dos atributos das hidrelétricas como armazenadoras de água e sua contribuição efetiva para geração de potência no horário de ponta são essenciais para destravar negócios em potência hídrica, que continuará sendo muito relevante, ainda mais com o avanço de fontes intermitentes. O país ainda poderia colocar em debate público se quer avançar ou deixar de lado construção de hidrelétricas com reservatórios. Esses foram alguns dos pontos principais da entrevista com Mauricio Bähr, presidente da Engie Brasil, controladora da Engie Brasil Energia (listada na B3).

Roberto Rockmann – Vocês chegaram ano passado a um marco: superaram 1 GW em capacidade instalada em eólicas. Têm uma meta para aumentar eólicas e solares no portfólio nos próximos anos? Vão continuar com prioridade em energia 100% renovável?

Mauricio Bähr, presidente da Engie Brasil – Antes de falarmos em projetos aqui no Brasil, vale destacar que temos metas importantes globais de renováveis. Temos a intenção de chegar a 2025 com 50 GW de fontes renováveis, um número expressivo, e atingir 80 GW em 2030, sendo que em 2021 nossa base é de 31 GW de capacidade instalada, ou seja, temos muito a fazer. O Brasil representa uma parcela importante dessa jornada que iremos trilhar. Continuamos nessa trilha para acelerar rumo a uma economia de baixo carbono, em potenciais leilões ou, como temos feito mais recentemente, ao atender diretamente nossos clientes. Aqui no Brasil estamos quase perto de 100% de energia limpa e chegaremos a 100% em breve com o avanço do plano de descarbonização. Mantemos nossa estratégia de venda da nossa última térmica a carvão. Pretendemos aumentar tanto a capacidade em eólicas quanto em solares. Hoje temos 1260 GW de potência em eólicas, só na Bahia são mais de 1000 MW. Temos um conjunto de projetos para crescer tanto na Bahia quanto no Rio Grande do Norte. O Nordeste tem uma particularidade importante: a força do vento, o fator de capacidade dos projetos. Estive recentemente no Chile e lá o fator fica em 30% a 32%, na Bahia chega a 50%. Isso é uma vantagem excepcional. Hoje estamos com cerca de 800 MW em desenvolvimento no Nordeste. Temos projetos também no pipeline.

É possível dizer quanto vocês têm nesse pipeline que poderá ser desenvolvido?

Podemos dizer que temos algo perto de 3 GW, nosso índice de cobertura do nosso pipeline é de quase três vezes, essa é a ideia. Tem de ter um número maior para viabilizá-los. O Brasil, na área de renováveis, representa metade da receita. Precisamos continuar crescendo. Quando a gente fala que o Grupo crescerá para 50 GW em 2025, quer dizer que a expansão no mundo será muito grande, o Brasil terá um pouco de redimensionamento, mas continuará sendo o país mais relevante na área de renováveis.

Fizeram recentemente uma aquisição em energia solar, que tem sido também outra frente de crescimento. Vocês analisam também projetos híbridos? Estudam eólicas offshore?

Sim. Solar é outra renovável que está no foco da nossa estratégia. Recentemente, adquirimos Assú Sol Geração de Energia, detentora do projeto do Complexo Fotovoltaico Assú Sol, no Rio Grande do Norte. O processo de compra contempla uma capacidade instalada nominal total de até 750MW, sendo o seu desenvolvimento voltado para o mercado livre. Na Bahia, temos a possibilidade de fazer algo híbrido no projeto de Campo Largo, de instalar 400 MW de centrais fotovoltaicas naquela região. É uma ideia interessante, principalmente para complementar os perfis de geração. Temos olhado outras coisas na Bahia. O projeto de Bom Jesus da Lapa tem uma capacidade interessante para desenvolver mais solar e também híbridos.

Offshore tem um potencial enorme no Brasil, mas ainda vejo com uma jornada de médio prazo, porque ainda depende de avanço da regulamentação. Recentemente, saiu um decreto do Ministério de Minas e Energia, isso será objeto de discussão e consultas públicas. Temos uma parceria mundial com a EDP Renováveis. Por meio dessa parceria, temos a Ocean Winds, sede em Madri [Espanha], que tem feito estudos em vários lugares do planeta. Tem projetos no Mar da Norte, Portugal, Coreia do Sul. O Brasil tem um grande potencial, mesmo em áreas de pouca profundidade, de até 50 metros. A EPE [Empresa de Pesquisa Energética] estima que possa ser de 700 GW. Então o Brasil terá mais capacidade de gerar do que demanda, isso vai abrir uma janela de oportunidade espetacular para exportação, podemos pensar em hidrogênio verde, como essa válvula de escape, porque atualmente não temos redes de integração física com os vizinhos.

Vamos falar de hidrogênio verde. Além da meta global de acréscimo de capacidade instalada em projetos renováveis, vocês também têm metas para crescer em hidrogênio verde: chegar a 600 MW em projetos até 2025 no mundo e 4 GW em 2030. Vocês já estão com projetos com clientes na Alemanha e na África do Sul. Como avaliam ingressar em hidrogênio verde no Brasil?

É uma jornada de médio prazo, porque o custo de produção de energia renovável precisar estar dentro de um patamar competitivo. Existem diversos incentivos trabalhados principalmente na Alemanha para importação desse hidrogênio. A gente está acelerando essas possibilidades, assinando acordos de cooperação de escala industrial com parceiros e clientes em lugares estratégicos, como o governo do Ceará, para estudar alguma coisa no porto de Pecém, que caiba dentro de um business plan e no qual possamos chegar a um custo de hidrogênio que esteja compatível com o que a Alemanha possa pagar. A Alemanha é o país que está se mostrando mais disposto a liderar esse processo. Desses 4GW que a gente imagina ter no mundo para 2030, o Brasil poderia ter um quarto disso, acho razoável atingir 1 GW até 2030, uma meta plausível.

Na África do Sul, vocês fecharam acordo com uma grande mineradora. O Brasil tem importante presença nesse setor no mundo. Vocês já estão conversando com grandes clientes aqui para projetos pilotos?

Sim, existem conversas, mas não posso mencionar ainda os nomes. São mineradoras, fertilizantes, petroquímicas e outras. Estamos desenvolvendo estudos e a viabilidade econômica desses projetos. Todos estão começando a analisar isso. No Brasil, que é essa potência toda em fontes renováveis, poderíamos focar em uma maneira de valorizar essas coisas, porque contribuímos para a melhoria da sustentabilidade do planeta, mas ainda não temos um mercado efetivo de crédito de carbono que poderia valorizar isso. É uma agenda que poderia ser melhor pensada entre governo, agentes, meio ambiente, para viabilizar tudo isso.

O capex dos projetos tem mudado nos últimos três anos, efeito da pandemia, aceleração da transição energética e também da alteração das condições de financiamento dos projetos. Como analisa isso?

Temos visto uma pressão das commodities, mas de outro lado tem havido uma valorização do câmbio, que é uma variável importante porque muitos equipamentos em solar e eólica são dolarizados. Espero que não seja algo temporário, mas de longo prazo. Acho que o capex no curto prazo será maior, teremos maiores incertezas porque há uma corrida por energia renovável, as empresas que fabricam matérias primas e equipamentos estão sob tensão. Muitos estão reanalisando estratégias. A transição está sendo acelerada, mas algumas coisas no calendário que iriam sair de cena, como a nuclear na Bélgica, poderão voltar por segurança energética, até que se encontre um equilíbrio nessa cadeia de suprimentos.

A crise hídrica do ano passado expôs a importância das hidrelétricas no balanço do sistema elétrico. Elas têm perdido participação relativa na geração de eletricidade, mas elas, por serem despacháveis, têm papel relevante no atendimento do horário de ponta. É preciso um sistema de precificação diferente para a água acumulada nos reservatórios delas, já que elas funcionam como grandes baterias com água?

Interessante é que, quando falta água, a gente fica desesperado, e quando tem água, às vezes a gente não presta atenção. Nesse momento, às quatro e meia da tarde dessa segunda-feira de abril, pelo aplicativo do ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico], estamos gerando 82% de eletricidade que vem de hidrelétrica, horário de ponta, 2% de nuclear, 5,5% de térmica e 8% de eólica. Sem hidrelétricas, não temos nada, são o coração. O primeiro passo é reconhecer isso. O modelo foi desenvolvido quando o sistema era hidrotérmico. Com o avanço das fontes não despacháveis, ou seja, que dependem da natureza, como sol e vento, torna-se ainda mais importante a hidrelétrica, que pode acumular água e atender em horário de ponta. É importante reconhecer os atributos que ela traz para a segurança do sistema. A valorização deles é a mais razoável. Cuidar de uma hidrelétrica é um trabalho amplo, tem de cuidar do reservatório, as licenças são renovadas sempre, projetos são feitos com a sociedade, a complexidade de administração é bem ampla. É preciso pensar nesse todo e nada mais justo que reconhecer esse atributo de bateria. À medida que vai se atualizando o uso da água para uso humano e agricultura, é preciso atualizar tudo isso para não ter falsas expectativas nessa energia. E por que não fazer uma avaliação das decisões que tomamos para construir as usinas a fio d’água? Por que não fazer debate de ter reservatórios onde é possível? Não cabe uma reflexão?

Vocês poderiam fazer retrofit em algumas usinas hidrelétricas que vocês têm? Poderiam colocar máquinas adicionais? Ou isso dependeria do equacionamento da valorização dos atributos?

Sim, temos capacidade em algumas delas, temos locais para instalação de turbinas adicionais. Outros players também têm. Quando tiver remuneração adequada, faz sentido viabilizar. Hoje no Brasil não temos usinas de bombeamento, em algum momento será viabilizada essa nova tecnologia. Quando tem energia barata, pode bombear água para cima do reservatório, e mais cara pode usar a energia. Mas isso estamos além do tema na mesa.

Vocês fizeram um dos maiores investimentos na área de infraestrutura dos últimos 30 anos, ao adquirirem em 2019 a TAG, que detém 4,5 mil quilômetros de dutos de gás no Brasil, um segmento em que vocês são players importantes globais. Gás é a aposta de vocês para o combustível da transição energética?

Nossa visão é de que tudo que a gente vivenciou em energia elétrica nos últimos 25 anos a gente vai ver no setor de gás. A gente adquiriu em 1998 a Gerasul e ingressamos no Brasil em um momento em que o mercado livre de energia elétrica avançava. No gás, há um forte potencial para dinamizar bens e serviços, para aumentar a competitividade de indústrias. Antes você tinha um único agente verticalizando a cadeia. À medida que a Petrobras decide vender ativos na cadeia, veem-se produtores diversificados, transportadores diversificados. Clientes começam a olhar essas novidades. A nova lei do gás, aos poucos, faz com que os contratos da Petrobras sejam reduzidos, faz a Petrobras disponibilizar essa capacidade no gasoduto. Começamos a fazer contratos com outros carregadores, o que é muito animador. Passamos a ter mais atividades buscando gás. Mas é importante frisar que queremos que essa abertura seja feita da melhor forma possível, para que não se criem sistemas isolados de gás. A gente quer o contrário: um sistema interligado como o setor elétrico, queremos um sistema de gasodutos conectados a todos os poços de gás e consumidores. Queremos evitar projetos que sejam desenvolvidos em forma de ilha, que tenham um terminal de GNL [gás natural liquefeito] ligado apenas a uma termelétrica. À medida que se ganha capilaridade na rede de transporte de gás, é reduzido o custo de transporte, passa-se a ter mais players, carregadores, consumidores e, quando você divide o custo de operar a rede pela quantidade de gás carregada, tem-se um custo unitário menor. Assim se compartilha a infraestrutura de forma mais eficiente. O transporte conectado a todos é a solução para o sistema que queremos estimular.

Vocês podem investir em térmicas a gás? Analisam estocagem de gás? Quais outros elos além do transporte interessam a vocês?

Primeiro, estamos focando na operação otimizada da malha adquirida há pouco tempo. Estamos fazendo investimentos de conexão, garantindo potenciais novos usuários de gás. Com isso, estamos procurando fomentar mais pontos de conexão no gasoduto. Também estamos fazendo investimentos para melhorar a operacionalidade ao redor de Fortaleza, há uma necessidade de redução de pressão do gasoduto. Estamos fazendo uma realocação para poder operar a pressão maior em um local mais distante das comunidades ao redor. Estamos também olhando para ver a possibilidade de novas instalações de compressão ao redor do gasoduto. Temos melhorias operacionais e aumento de conexões. Estocagem é incipiente no Brasil, não tem nada específico, temos muito know-how na Europa. Pode ser oportunidade no futuro, principalmente para ajudar a não ter de consumir o gás das térmicas quando se puder usar as hidrelétricas, permitindo que o sistema se torne mais flexível. No Brasil, pode ser interessante usar poços deplecionados na Bahia ou outros locais. No médio e longo prazo, há oportunidades. Mas nosso foco neste momento são essas melhorias operacionais, não tem nada nem de térmicas.

Agora, em Brasília, discute-se a abertura total do mercado livre, ou seja, incluindo a baixa tensão, as residências. O mercado poderá migrar de um ambiente de atacado para varejo. Como estão posicionados?

Já estamos nos preparando há muito tempo. Quando nós adquirimos a Gerasul e o mercado livre começou, a gente tinha quatro clientes. Eram contratos com distribuidoras. Hoje temos 700 clientes livres. O que diferencia um grande cliente no atacado com o varejo é a diferença dos contratos. Teremos de ter contratos padronizados no varejo. Já temos plataforma, que chamamos de Energy Place, que agrega essas funcionalidades. Isso dá essa transparência e capacidade de interação. A gente tem produtos, como o E-conomiza, sob medida para consumidores até 1 MW médio e potencial para migração. A gente ajuda nessa gestão da conta, com vários profissionais ajudando também a migração, que não é uma tarefa fácil por envolver alguma burocracia. Para fomentar esse negócio, é preciso acima de tudo facilitar.

Geração distribuída solar tem crescido muito e está com novo marco regulatório sancionado no início de 2022. Estão observando oportunidades?

Fizemos uma incursão, uma experiência, mas vimos alguns desafios: impusemos critérios de saúde, segurança, qualidade nas nossas instalações que talvez fossem acima do que o mercado exigia e não conseguimos competir com preços. Há uma competição muito pulverizada, de milhares de players, de instaladores a empresas dedicadas. Não fomos competitivos, vamos avaliar maiores instalações consumidoras, mas não coisas B2C (business to consumer ou empresa para consumidor).

Estão avaliando participar da capitalização da Eletrobras?

Não.

Transmissão é um segmento em que vocês ingressaram há pouco tempo, com uma aquisição e um projeto arrematado em leilão. Já estão com quase três mil quilômetros de linhas. Buscarão aumentar a presença na área?

Transmissão integra nossa estratégia. Temos observado oportunidades tanto de leilão quanto de fusão e aquisição e de leilões.

Tem boas oportunidades de fusão e aquisição no mercado?

Existem empresas em momentos diferentes, associações que deram certo e não deram. Da mesma forma que geração distribuída solar não foi bom para a gente, tem outros que pensaram o mesmo em transmissão. Há os leilões também; sempre olhamos e participamos.

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