Luiza Demôro, da BloombergNEF: “Renováveis já são as fontes mais baratas”

por Roberto Rockmann, especial para a Agência iNFRA

O conflito entre Ucrânia e Rússia pode acelerar a adoção de hidrogênio verde no mundo. Os recentes planos da União Europeia de produzir 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030 são quatro vezes mais ambiciosos que a estimativa feita pela BloombergNEF em janeiro. As estimativas são de que em 2030 o Brasil possa ter o custo mais competitivo do mundo de hidrogênio verde. E as projeções da empresa apontam que hoje as renováveis, como eólica e solar, já são as fontes de geração mais baratas do mundo em países que representam 77% do PIB mundial, diz Luiza Demôro, líder global de transição energética da BloombergNEF.

Ela aponta que a transição energética agora será vista com um olhar diferente. “Não é apenas uma questão urgente de mitigar os impactos climáticos, mas isso está ligado também à segurança energética e à estabilidade nacional. Isso é uma grande mudança”, afirma ela de Londres. Como se garante energia e aquecimento para a população enfrentar o inverno, sendo que grande fonte de gás é da Rússia ou está cara demais? “No curto prazo, isso deve fazer com que países que deveriam reduzir suas emissões e tirar suas plantas de carvão terão de postergar seus planos. Isso de imediato fará a geração térmica de carvão aumentar na União Europeia em dez anos”, destaca. A seguir os principais trechos da entrevista:

Roberto Rockmann – Com mais de cem dias de conflito entre Rússia e Ucrânia, o que mudou no cenário energético mundial?

Luiza Demôro, líder global de transição energética da BloombergNEF – Ao contrário do esperado inicialmente, as maiores economias globais estão enxergando a transição energética com um olhar mais amplo. Não é apenas uma questão urgente de mitigar os impactos climáticos, mas isso está ligado também à segurança energética e à estabilidade nacional. Isso é uma grande mudança. Por quê? Porque isso tende a fazer a corrida para construir projetos renováveis, hoje eólicas e solares, mas no futuro próximo de hidrogênio verde, seja acelerada ainda mais.

A União Europeia é o melhor exemplo desse cenário?
Sem dúvida, ela sempre foi a região mais ambiciosa em relação a planos de descarbonização do planeta. A pressão do cenário atual faz com que se tornasse ainda mais ambiciosa. Tivemos o recente plano deles – REPowerEU –, cujos objetivos são: elevar a fatia de renováveis de 40% para 45% em 2030, elevar a eficiência energética e produzir 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde nesse período. Eles querem reduzir a dependência de gás da Rússia, querem reduzir 50% desse consumo e por isso estão ancorados nesses três pilares.

Na BloombergNEF, temos vários cenários de longo prazo. Estimamos hoje que as renováveis, como eólica e solar, já são as fontes mais baratas do mundo de geração em países que representam 77% do PIB mundial. Isso permite que, ao contrário de anos anteriores em que vivemos situações similares, agora isso é realista. Podemos ter mais energia renovável a preço competitivo.

Teremos uma pressão de custos e preços nessa corrida? Mudou estruturalmente a formação de preços?
Temos alguns pontos interessantes a considerar. Primeiro, se olharmos os metais produzidos na Rússia, vê-se que o impacto é maior nos veículos elétricos. No lado de eólicas e solares, que serão essenciais no curto e médio prazo, alguns fatores importantes devem ser vistos: a demanda vai aumentar, mas a competitividade também. Mesmo que haja um impacto no preço da tecnologia, temos de analisar o custo nivelado de eletricidade e comparar com gás, por exemplo, que está muito caro. Não se espera que isso afete de forma importante esse avanço das renováveis.

Você está falando que eólicas e solares serão muito importantes neste primeiro momento na corrida por renováveis, mas que o hidrogênio verde deve ter um destaque em um segundo momento. O conflito atual acelerou a adoção da nova tecnologia?
Estamos vendo a União Europeia buscando se tornar líder do desenvolvimento do hidrogênio verde no mundo e deter a tecnologia que poderá ser importante nesse mundo em transição energética. A meta é eles terem 20 milhões de toneladas métricas de hidrogênio verde em 2030, sendo metade produzida na região e metade importada. Esse número é cerca de quatro vezes mais do que o nosso cenário mais ambicioso desenhado em janeiro, antes da guerra. Isso abre portas para novos parceiros comerciais, o Brasil poderia entrar nisso. Nossas estimativas de custo de hidrogênio verde é de que em 2030 o Brasil possa ter o custo mais competitivo do mundo.

O cenário atual pode fazer com que esses custos sejam ainda mais baixos?
Pode. A tendência é de que sim, que o desenvolvimento mais acelerado de tecnologia e a demanda crescente façam esse custo cair.

A União Europeia pretende importar metade desse avanço do hidrogênio verde até 2030 e posicionou o porto de Roterdã, como hub estratégico, sendo que esse terminal tem participação acionária em Pecém, no Ceará. Quanto o Brasil pode ter dessa quantidade a ser importada?
Não temos estimativa de onde virá, mas isso dependerá da política e ambição do Brasil. Mas o fato de que a expectativa de que o Brasil tenha o hidrogênio verde mais barato do mundo cria a oportunidade de ser um parceiro importante da União Europeia, a depender da infraestrutura necessária. A hora para pensar sobre isso é agora.

A situação atual tem feito países repensarem suas matrizes de energia. Países asiáticos têm buscado mais carvão, a Alemanha reconsidera não fechar mais usinas nucleares, tem havido procura de muitos países europeus de buscar diesel para não queimar gás. Isso terá impacto sobre as metas de redução de emissão?
Como falei no início, a transição energética não é mais vista apenas como uma questão urgente de mitigar os impactos climáticos, mas está ligada também à segurança energética e à estabilidade nacional. Como se garante energia e aquecimento para a população enfrentar o inverno, sendo que grande fonte de gás é da Rússia ou está cara demais? No curto prazo, isso deve fazer com que países que deveriam reduzir suas emissões e tirar suas plantas de carvão terão de postergar seus planos. Isso de imediato fará a geração térmica de carvão aumentar na União Europeia em dez anos. Mas as metas de longo prazo não estão sendo modificadas, elas deverão ser aceleradas. O potencial crescimento no curto prazo de carvão vai criar uma necessidade de redução no médio e longo prazo por renováveis, cujo desenvolvimento será mais rápido.

O Brasil deve ingressar nos próximos anos em um segmento muito forte na Europa: a energia eólica offshore, que poderá ser uma fronteira importante também para o hidrogênio verde. Como analisa isso?
Um grande impulsionador de eólica offshore na Europa é a falta de terra e fator de capacidade em terra que é baixo. O Brasil tem um retrato diferente: ele tem terra e tem um fator de capacidade diferenciado no planeta, é o melhor do mundo disparado. Isso faz com que o custo de eólica offshore seja mais alto aqui e a competitividade é menor que a onshore, não poderia ser diferente. O mercado brasileiro, no entanto, está olhando essa outra alternativa, vê-se movimento do governo e desenvolvedores. Isso poderia resolver uma questão: quando se considera a distribuição da energia eólica, ela está concentrada no Nordeste. Com a offshore, ela ficaria mais perto de onde está a maior demanda. Hoje na Europa um dos assuntos mais discutidos é eólica offshore e hidrogênio verde, mas infraestrutura é um gargalo a ser considerado e precisa ser pensado hoje.

O índice de renovabilidade da matriz brasileira é bem diferenciado em relação ao mundo. Aqui está em 83%, a média internacional é de 29%. Isso se manterá ao longo desta década, nas estimativas de vocês?
Nós iremos lançar essas estimativas nos próximos meses, mas a nossa expectativa é de que se mantenha com destaque ao avanço de eólicas e principalmente de energia solar. O Brasil tem vivenciado uma expansão forte de geração distribuída e ela deverá se manter. Acreditamos que o crescimento da tecnologia não vai parar por aí. Uma coisa interessante é se considerar que o Brasil tem uma matriz renovável com muitas hidrelétricas, e isso permite que se agregue mais eólicas e solares, sem acrescentar baterias, o que poderia encarecer. Há ainda complementariedade entre hidrelétricas, eólicas e biomassa.

Como fica o storage? Ele está cada vez mais importante?
Um desafio que os países terão é como precificar o serviço que as formas de armazenamento trarão para a rede. Isso não é uma coisa que só o Brasil precisa pensar, mas o Brasil tem as hidrelétricas que têm essa função de permitir o avanço de fontes intermitentes. Nos últimos anos, a tecnologia de armazenamento caiu e isso possibilita que em alguns países a combinação entre solar e storage já seja competitiva. Apesar de possíveis turbulências por redução de metais essenciais, no longo prazo esses custos devem continuar caindo e isso seja uma solução viável.

Como você enxerga a adoção de hidrelétricas reversíveis (pump hydros) no sistema brasileiro? Teremos avanço no médio prazo?
Tem potencial, mas no Brasil, há uma discussão de que temos um mercado problemático e de que nossos problemas de inserção de fontes intermitentes na matriz são grandes, eles são bem menores do que muitas outras partes do mundo. O Brasil tem uma rede de transmissão que cobre quase todo o território e isso evita gargalos que muitos outros países enfrentam.

Quando se lêem as publicações internacionais, depara-se com matérias periódicas sobre o alto preço da energia para os consumidores. Em vários países da Europa, queima-se lenha para evitar usar gás. Nos Estados Unidos, no Brasil, enxergam-se situações similares. Veremos mais subsídios? Intervenções?
Transição energética está ligada à segurança energética. Cada país vai procurar alternativas imediatas para garantir suprimento e apoiar a população, principalmente a mais vulnerável. O momento é para aprender e evitar repetições no curto e médio prazo. Tem de entender o valor que as renováveis irão criar. Será preciso destravar obstáculos, como redução de licenças para implementação de projetos. A redução da dependência da Rússia exige rapidez. Talvez estejamos ingressando em um cenário de maior instabilidade, o mundo se mantém em uma economia global, mas com foco em segurança e independência nacionais.

O mundo vive uma crise de energia e alimentos. O Brasil é uma potência agroenergética. Como ficará o país em um mundo que busca menor dependência de mercados externos?
Não acredito em um mundo em que todos são independentes 100%. O caminho é garantir um mínimo internamente e diversificar fontes. Essa deve ser a receita de muitos países. Um fator a se prestar atenção é: o que isso significará para a China a longo prazo? Por exemplo, grande parte dos metais que são fundamentais para produção de carros elétricos está indo para a China. Isso pode aumentar muito a competitividade dos veículos elétricos na China. Esse potencial da importância da China na transição energética poderá aumentar ainda mais.

E isso já ocorreu na indústria solar, com grande parte da cadeia na China, não?
Sim, e essa foi a razão de o custo dos equipamentos solares terem despencado no mundo e ela ter se tornado fonte competitiva.

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