Julio Santaella: o IBGE mexicano regula dados

Em entrevista exclusiva ao Geocracia, o presidente do INEGI (Instituto Nacional de Estatística e Geografia) do México, Julio Santaella, disse que o órgão possui autonomia constitucional e, por consequência, funcional. Considerando que o Brasil e o México são os únicos países do mundo a terem um instituto de geografia e estatística em conjunto, Santaella detalhou como o instituto mexicano ajuda a organizar a infraestrutura de base de dados e como é a sua relação com outros produtores de geoinformação. Em que pese o nome “instituto”, o INEGI acaba funcionando como uma autarquia, o que o torna completamente diferente do IBGE, que é uma fundação e não tem autonomia regulatória. Confira abaixo os principais pontos da entrevista.

O México é um país mestiço com muita diversidade cultural. Assim como o Brasil, optou por ter sua estrutura estatística e geográfica em um único corpo. Como funciona a regulação de dados e geoinformações no México?

De acordo com as disposições do inciso B do artigo 26 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, o INEGI é um órgão público com autonomia técnica e gerencial, personalidade jurídica e seus próprios bens, responsável pela regulação e coordenação do SNIEG (Sistema Nacional de Informações Estatísticas e Geográficas).

A Lei do SNIEG (LSNIEG), que regulamenta o referido artigo constitucional, é de ordem pública, interesse social e observância geral em toda a República, e tem como objetivo regular, entre outros, o SNIEG e a organização e o funcionamento do INEGI.

O objetivo da SNIEG é proporcionar à sociedade e ao Estado informações de qualidade, relevantes, verdadeiras e oportunas, a fim de contribuir para o desenvolvimento nacional. Seus princípios norteadores são os de acessibilidade, transparência, objetividade e independência. É organizado por um conjunto de Unidades participantes de quatro Subsistemas Nacionais de Informação: (i) Demográfica e Social; (ii) Econômico; (iii) Planejamento Geográfico, Ambiental, Territorial e Urbano; e (iv) Governo, Segurança Pública e Administração da Justiça.

Cada Subsistema tem como objetivo produzir, integrar e disseminar informações estatísticas e geográficas de acordo com sua competência, por exemplo: (i) Subsistema Nacional de Informações Demográficas e Sociais: Dinâmica populacional e demográfica, saúde, educação, emprego, moradia, distribuição de renda; (ii) Subsistema Nacional de Informações Econômicas: Contas nacionais, ciência e tecnologia, informações financeiras, preços; (iii) Subsistema de Informação Geográfica, Meio Ambiente, Planejamento Territorial e Urbano: limites costeiros, internacionais, estaduais e municipais; dados de relevo continental, insular e submarino; dados cadastrais, topográficos, nomes geográficos, recursos naturais e clima (na questão geográfica); água, solo, flora, fauna, atmosfera, resíduos sólidos e perigosos (no meio ambiente); e (iv) Subsistema Nacional de Informação Governamental, Segurança Pública e Administração da Justiça: Gestão e atuação de instituições públicas que compõem o Estado e seus poderes, relacionados com, no mínimo, funções de governo, segurança pública e administração da Justiça.

As atividades relacionadas com projeto, captação, produção, atualização, organização, processamento, integração, compilação, publicação, divulgação e manutenção da IIN (Informação de Interesse Nacional), são chamadas pela LSNIEG de Atividades Estatísticas e Geográficas. Aqueles que têm poderes para realizá-los são as unidades ou unidades estaduais, como: (i) Órgãos e entidades da Administração Pública Federal, incluindo a Presidência da República; (ii) Poderes Legislativo e Judiciário da Federação; (iii) Entes federativos, municípios e demarcações territoriais da Cidade do México; (iv) Órgãos constitucionais autônomos; (v) Tribunais administrativos federais, e (vi) O instituto, quando gera Informações Estatísticas e Geográficas.

Além disso, as unidades podem produzir e divulgar informações públicas oficiais, além de IIN.

Como o INEGI financia suas atividades? Se o presidente da República quer limitar a renda do INEGI, ele pode fazê-lo ou o orçamento está protegido por lei? O conselho de administração tem mandato ou é nomeado diretamente pelo presidente da República?

O INEGI é um órgão constitucionalmente autônomo do Estado mexicano. Tem autonomia técnica e de gestão. No entanto, a lei não lhe concede autonomia orçamentária, por isso está sujeito a um teto orçamentário estabelecido pelo Ministério da Fazenda e Crédito Público – órgão com mandato legal de propor, direcionar e controlar a política econômica da União em questões financeiras, fiscais, gastos, receitas e dívida pública. A proposta desse teto orçamentário, que financia seu programa regular e projetos extraordinários, é enviada anualmente à Câmara dos Deputados que, no âmbito de suas responsabilidades, é o órgão do Poder Legislativo que aprova o Orçamento de Despesas da Federação a cada exercício. 

Em relação à outra questão, de acordo com o artigo 67 da Lei do Sistema de Informações Estatísticas e Geográficas, o Conselho Deliberativo é o mais alto órgão gestor do INEGI e será composto por cinco membros indicados pelo Presidente da República com a aprovação da Câmara dos Senadores ou, nos recessos deste último, pelo Comitê Permanente.

Entre os membros do Conselho Deliberativo, o Executivo Federal nomeará o Presidente do Instituto, que presidirá o referido colegiado. O resto dos membros do Conselho Deliberativo atuarão como vice-presidentes.

Qual é a relação entre o INEGI e os municípios?

O INEGI estabelece diversos tipos de relações com municípios, sejam eles provedores de informações estatísticas e geográficas, aliados em operações de campo, entidades de planejamento baseado em informações estatísticas e geográficas e focos de treinamento.

Provedores de informações estatísticas e geográficas – Os municípios possuem alguns dos registros administrativos mais valiosos para a geração de estatísticas: atos de registro nos cartórios (nascimentos, casamentos, divórcios, óbitos), acidentes de trânsito, abate de gado em matadouros municipais, destinação de resíduos sólidos, água potável e saneamento, cadastro, entre outros. Em uma base semanal, mensal ou anual, os municípios entregam as informações desses registros administrativos para a equipe do INEGI, que é responsável por processá-las e convertê-las em estatísticas.

Aliados em operações de campo. As atividades de coleta de informação estatística e geográfica em grande escala seriam impossíveis apenas com recursos do INEGI, sobretudo os Censos Populacionais, Econômicos ou Agrícolas, cuja realização por lei compete ao INEGI.

Nesses grandes programas de informação, os municípios oferecem um valioso apoio para a instalação de gabinetes censitários temporários, espaços para treinamento de pessoal, atividades de recrutamento para participação em atividades censitárias, fortalecimento da segurança em áreas de risco e participação da população no desenvolvimento de censos. As autarquias obtêm informações valiosas com os níveis mais elevados de desagregação (informação por bloco) sobre pessoas, residências ou empresas, tendo sempre o cuidado de salvaguardar o princípio da confidencialidade dos dados.

Entidades de planejamento baseado em informações estatísticas e geográficas – Os Institutos Municipais de Planejamento são órgãos colegiados fundamentais para planejar o desenvolvimento, sobretudo das cidades, que, juntamente com os Comitês de Planejamento de Desenvolvimento dos entes federativos, buscam ordenar o crescimento dos assentamentos humanos, entre outros temas. 

Para fortalecer as capacidades técnicas desses Institutos Municipais de Planejamento, o INEGI incentiva a criação de Centros de Informações Estatísticas e Geográficas, cujo objetivo é coordenar ações relacionadas à geração, captura, acompanhamento, tratamento, análise, integração e publicação de dados estatísticos e geográficas programados pelos órgãos e entidades da administração pública estadual e municipal, além do gerado pelo INEGI e agências federais. Atualmente, operam 14 Centros estaduais de Informações Estatísticas e Geográficas, entre os quais destacam-se os estados de Jalisco, México, Guanajuato, Campeche, Baja California Sur e Nuevo León, e os municípios de Querétaro, Apodaca (Nuevo León), Los Cabos e La Paz (Baja California Sur).

Focos de formação – O uso de informações estatísticas e geográficas é o que dá real significado à sua produção. Para que isso seja utilizado na construção de políticas públicas, em seu monitoramento, avaliação e como base para projetar o futuro dos espaços em que a população vive, é essencial manter aberta uma porta de formação permanente às autoridades municipais e estaduais, pois, diante da limitação da permanência de três ou seis anos, respectivamente, é necessário treinar constantemente aqueles que vão fornecer informações estatísticas e geográficas.

Em geral, trabalhamos fortalecendo as capacidades no uso de soluções geomáticas de livre acesso, às quais são incorporadas camadas de informações geradas pelo INEGI. Além disso, as pessoas são treinadas para terem condições de incorporar e georreferenciar informações produzidas pelas próprias autoridades municipais.

São fornecidos ainda projetos de uso de informações desenvolvidos com sucesso em outros municípios e que podem ser replicados a baixo custo e com potenciais benefícios em termos de planejamento ou desenvolvimento de suas comunidades.

Qual é o papel do INEGI na construção de cidades inteligentes mexicanas?

Como coordenador do SNIEG, o INEGI incorpora os estados e municípios por meio dos Comitês Estaduais de Informações Estatísticas e Geográficas. Esses Comitês são a base para a criação e operação dos Centros de Informações Estatísticas e Geográficas dos Estados.

Por meio desses mecanismos, o INEGI fornece aos órgãos de planejamento do desenvolvimento urbano insumos básicos para o desenvolvimento de espaços urbanos conectados, sustentáveis, seguros e habitáveis. Esses insumos básicos são as informações estatísticas e geográficas vinculadas, ou seja, por meio do INEGI as autoridades locais têm acesso a um vasto inventário de dados associados ao espaço geográfico onde são gerados, com seus respectivos metadados. Com base nisso, as autoridades municipais desenvolveram projetos de conectividade, videovigilância, quadrantes de segurança, botões de pânico, parques inteligentes, entre outros.  

Em termos de conectividade, as informações produzidas pela ENDUTIH (Pesquisa Nacional de Disponibilidade e Uso de Tecnologias da Informação em Residências), do INEGI, têm melhorado o conhecimento e o nível de capilaridade das tecnologias básicas para o funcionamento de uma cidade inteligente.

A relação com a OCDE contribui para melhorar essa relação federativa?

O fato de o México ser membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) e membro do CSSP (Comitê de Estatística e Política Estatística) da Organização não contribui diretamente para a relação entre o INEGI e os municípios. A maior contribuição do relacionamento com a OCDE é proporcionar a possibilidade de aprender sobre experiências e melhores práticas de outros países no uso de informações estatísticas e geográficas visando ao progresso social, como, por exemplo, o desenvolvimento de cidades inteligentes.

A possibilidade de participar de fóruns patrocinados pela OCDE e manter contato com estatísticas, planejamento e outros escritórios que afetam o desenvolvimento das cidades é algo que enriquece a visão de quem gera dados e de seus usuários.

Que mensagem a gestão do INEGI pode enviar para melhorar o gerenciamento de dados espaciais na América Latina?

Em relação à melhoria da gestão de dados espaciais na América Latina, o INEGI sugere levar em conta as principais tendências na gestão de informações geoespaciais que o UN-GGIM (Comitê de Especialistas em Gestão Global de Informações Geoespaciais) identificou e que, em uma visão institucional, focam nos seguintes aspectos:

”Todo fato ou fenômeno acontece em algum lugar”. É conveniente classificar e caracterizar os dispositivos usados para capturar dados geoespaciais, formatos, mecanismos de interoperabilidade e a quantidade de dados úteis que podem ser extraídos. O desafio é aproveitar os avanços tecnológicos e o grande uso que a sociedade atual faz dos dispositivos móveis, além da necessidade de gerar políticas e marcos legais para privacidade e proteção dos interesses daqueles que geram esses dados. 

Dada a enorme quantidade de informações geoespaciais que estão sendo geradas dia após dia, é necessário estabelecer um modelo compartilhado de gestão da qualidade. As informações divulgadas devem ser acompanhadas por componentes de qualidade, como linhagem, precisão posicional, precisão de atributos, temporalidade, completude e consistência lógica.

É aconselhável aplicar novas metodologias para processar e analisar grandes volumes de informações no campo geoespacial, como:

  • Dados vinculados e Internet das Coisas;
  • Computação em nuvem;
  • Software livre para o desenvolvimento de aplicações geoespaciais; 
  • Interoperabilidade e disponibilidade de dados abertos sob regimes regulatórios institucionais (normas abertas);
  • Dados abertos.

É essencial investir em formação, educação continuada e treinamento na produção e uso de dados geoespaciais.

O principal eixo para determinar os serviços e produtos a serem gerados são as necessidades específicas de cada país (o que pode exigir um investimento em gestão da inovação) e ter metodologias adequadas para a especificação dessas necessidades.

Além disso, o INEGI considera necessário dar atenção e aprofundar as seguintes questões, com impacto direto na gestão das informações geoespaciais:

  • Vinculação de informações estatísticas e geoespaciais.
  • Big Data, Mineração de Dados Espaciais e Internet das Coisas.
  • Geocodificação e exploração de registros administrativos.
  • Adoção de métodos geoestatísticos.
  • Maior desagregação de informações geoespaciais públicas e disponíveis.
  • Melhora da capacidade e da velocidade de processamento e armazenamento de informações geoespaciais.
  • Adoção plena da abordagem que privilegia necessidades e expectativas dos usuários na geração de produtos e serviços de informação geoespacial.

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