iNFRADebate: Vamos falar sério e sem politicagem sobre a praticagem brasileira?

André de Seixas*

Tenho a honra de ser há sete anos diretor-presidente da Logística Brasil – Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística – desde a sua fundação. Em que pese a pouca idade da nossa associação, pode-se dizer que, neste curto período, foi a entidade que mais resultados ofereceu aos usuários donos de cargas (embarcadores, exportadores e importadores). Os nossos levantamentos indicam que os usuários deixaram de gastar cerca de R$ 6 bilhões graças ao trabalho sério e focado em dezenas de frentes exitosas junto a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), TCU (Tribunal de Contas da União), Presidência da República, entre outros. Temos, portanto, as credenciais para falar por muitos usuários do Brasil e expor fatos importantes de forma cristalina, sem distorções e falácias. Alguns deles envolvem a nossa praticagem. 

Desde a criação da Logística Brasil, rebatemos, com veemência, a forma leviana com que muitas entidades tratam a atividade, um dos poucos motivos de orgulho da nossa navegação e que se situa entre as melhores do mundo, com índice de acidentes perto de zero e muita eficiência, 24 horas por dia, sete vezes por semana. O trabalho dos práticos é tão bem executado que sequer aparece nas grandes mídias e não se espalha pela sociedade, pois a missão dessa categoria, no final das contas, é fazer a entrada e saída de navios de forma segura, garantindo a proteção do meio ambiente, de vidas humanas e o escoamento da produção para a nossa economia.

Ocorre que, para que essa missão que parece simples possa ser cumprida, existem profissionais altamente qualificados, elevados investimentos em lanchas, equipamentos, tecnologia, pessoal de apoio, entre outros elementos de custos altíssimos. Isso porque a nossa praticagem não navega em “Mar de Almirante”, como se diz, no popular, para definir mares tranquilos. Ela navega por acessos muito ruins, sem investimentos há anos, verdadeiramente perigosos, na imensa maioria das vezes numa linha muito tênue entre a catástrofe e o sucesso da operação. Ou seja, qualquer erro, por menor que seja, pode gerar prejuízos imensuráveis ao país. 

É obvio que aqueles que se insurgem contra a praticagem jamais cometerão o despautério de questionar o seu nível técnico. Então, eles levam a discussão para o valor do serviço. Querem pagar mais barato por um serviço de qualidade igual ou superior à média mundial, e com valor também equiparado à média internacional. No fundo, o que se deseja obter é o domínio das manobras e da cadeia como um todo, por empresas de navegação. 

A Logística Brasil participou de alguns debates importantes sobre a praticagem, inclusive em esfera governamental. Em todas as oportunidades, pedimos aos reclamantes, principalmente os armadores nacionais, que são controlados por estrangeiros, que mostrassem faturas de praticagens do exterior com navegação semelhante, de forma que pudéssemos confrontá-las e apurar se a praticagem, de fato, é um gargalo. Curiosamente, essas faturas jamais foram apresentadas. É, no mínimo, esquisito, porque apresentar esses números não deveria ser uma dificuldade, já que 90% dos navios que operam no Brasil são estrangeiros.

Quando tratamos de praticagem em nível nacional, não podemos nos dar ao luxo de fatiar a questão. Precisamos tratar do todo e não apenas de três ou quatro portos no Norte que, sabidamente, é uma das regiões mais complexas, precárias e perigosas do mundo em relação aos acessos portuários. Atracar navios de grande porte naqueles portos, sem acidentes e evitando atrasos, é um trabalho que exige muito dos profissionais da praticagem, além de muito investimento em equipamentos e tecnologia.  

A Logística Brasil nunca entendeu a praticagem como um gargalo. Os nossos levantamentos indicam que, no Brasil, os preços são muito equivalentes aos internacionais quando confrontamos com faturas de portos do exterior com navegações semelhantes. A praticagem, para nós, é e sempre será solução, pois graça a ela conseguimos embarcar nossas cargas em portos cujos acessos são extremamente limitados e vergonhosos. É uma atividade privada que não recebe qualquer ajuda governamental para sua custosa estrutura de funcionamento e prestação de serviços cuja responsabilidade seria do governo, como as batimetrias nos canais de acesso.

Outra questão muito curiosa, essa diretamente ligada aos usuários dos serviços de transporte marítimo, acontece quando perguntamos aos armadores e à própria ANTAQ o quanto o frete ficará mais barato se o preço da praticagem for reduzido. Sabe o que eles nos respondem? Não podemos afirmar se barateará o frete, porque o frete é livre; é de mercado. Aliás, a própria Antaq tem ânsia de regular a praticagem, mas até hoje não conseguiu regular os armadores e proteger os usuários.

Ora, se não nos mostram as faturas de praticagens do exterior e se não garantem que a redução do preço do serviço chegará ao frete, ou seja, ao usuário, somos obrigados a crer que querem enganar a todos, principalmente congressistas, governantes e políticos que não fazem a menor ideia da realidade e da qualidade da praticagem brasileira. O que se quer realmente no Brasil? Reduzir custo de frete ou aumentar lucros dos armadores? A propósito, a praticagem entra no custo do transporte marítimo e não do portuário, como também desejam nos fazer crer. Assim como nos tentam fazer acreditar que a praticagem é um gargalo para o agronegócio. Estamos vendo isso agora na discussão do projeto de incentivo à cabotagem, o BR do Mar. 

Após tramitar no Senado, o texto recebeu emendas importantes, como a de autoria do senador Lucas Barreto (PSD-AP), que traz segurança jurídica ao serviço de praticagem. É justamente essa emenda, que conta com o nosso total apoio, que vem motivando algumas instituições a irem contra os práticos. O Ministério da Infraestrutura não gostou e cobra que as entidades de prestadores de serviços possam se valer das suas influências junto à opinião pública para desacreditar aquilo que não deseja constar no BR do Mar. É bem possível que algumas poucas pessoas na Marinha também não tenham gostado. Tudo é uma questão política, de poder e vaidades. 

Aqui cabe um parêntese, pois o texto do Br do Mar também recebeu emendas relevantes da senadora Kátia Abreu (PP-TO), que também contam com nosso total apoio, pois impedem que navios estrangeiros afretados a tempo possam ser utilizados para bloqueios de circularização de afretamento de outros navios estrangeiros, quando verificada e falta de nacional e a segurança jurídica de não interferência da ANTAQ nos afretamentos a tempo, vez que a regulação da agência transformou esse tipo de afretamento em afretamento por viagem. Essas emendas atenuam a enorme concentração de mercado existente. Curiosamente, o Minfra também não gostou das emendas e curiosamente não verificamos os defensores do agronegócio tratar deste tema tão caro à carga. 

Recentemente, lemos na mídia um artigo escrito por um executivo de entidade que representa TUPs (terminais de uso privado), levantando a bandeira dos usuários do agronegócio, colocando a praticagem como um gargalo.  Tratando do todo e não fatiando o setor, temos que lembrar que um dos terminais de contêineres mais caros do país é um TUP em Santa Catarina controlado por um dos quatro maiores armadores do mundo. Logo, na defesa do interesse dos usuários, que incluem diversos segmentos do agro, não podemos deixar essa fatia de fora, não é mesmo? 

Seria interessante que representantes de TUPs comentassem sobre verdadeiros gargalos, como a falta de contêineres, a elevação dos fretes em 500% e os megalucros registrados por armadores durante a pandemia. Devemos tratar dessa fatia da pizza ou vamos deixá-la convenientemente de fora? 

No Brasil, sabe quanto custa, em média, aos usuários o THC, as despesas portuárias que os armadores se apossaram da cobrança? Quarenta reais por tonelada ou mais! E as sobre-estadias de contêineres (demurrages e detentions)? Essas são a cereja do bolo e podem ir de R$ 30 até R$ 1.000 por tonelada!  Vamos deixar essa fatia de fora e culpar a praticagem que custa centavos por tonelada?

No transporte marítimo temos elevado nível de concentração de mercado, seja na cabotagem, seja no longo curso. Temos cartelização sim e, consequentemente, uma série de externalidades negativas e condutas oportunistas que precisam entrar nessa discussão, pois elevam sobremaneira os preços dos fretes e despesas portuárias para o agro. Aliás, na cabotagem, o BR do Mar aumentará a concentração de mercado e o valor do frete, segundo o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Num futuro bem próximo, os usuários cobrarão essa conta. Só não joguem o problema para a praticagem, porque não será justo.

Não podemos politizar a questão por causa do BR do Mar. O assunto é sério demais para descermos a este patamar tão baixo. Quando tratamos de praticagem, estamos falando de meio ambiente, de vidas humanas, de economia e benefícios à sociedade. Que os nossos deputados estejam atentos a isso.

*André de Seixas é diretor-presidente da Logística Brasil.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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