iNFRADebate: Uma ferrovia abandonada

Antonio de Padua Teixeira*

Diferentemente de artigo publicado recentemente aqui neste espaço, entendemos que não haverá melhoria operacional nem de segurança na renovação da concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) e que o valor da outorga deveria ser investido nesta malha tão carente de investimentos. Ao citar os granéis agrícolas, os contêineres e os fertilizantes, queremos mostrar apenas alguns exemplos de que as cargas existem mas não estão sendo transportadas pela ferrovia.

O Crea-GO (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás) manifestou-se no ano passado por ocasião da audiência pública para discussão da renovação antecipada do contrato de concessão da FCA. A ferrovia já teve uma importância crucial para nosso Estado ao cruzar o Paranaíba com o nome de Estrada de Ferro Goiás, chegado ao município de Anhanguera em 1913, depois a Anápolis em 1935 e a Goiânia em 1950. Posteriormente foi construída, pelo 2º Batalhão Ferroviário, uma ligação de Pires do Rio a Brasília, onde chegou em 1967.

Na manifestação encaminhada à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em fevereiro de 2021, por ocasião da audiência pública aberta para discutir a renovação da concessão, o Crea levantou algumas questões:

  1. O volume de transporte em Goiás continua o mesmo desde 2006;
  2. Quanto à ociosidade da ferrovia:
    1. A Declaração de Rede da FCA para o ano de 2021 deveria ter sido encaminhada em 2020, mas não estava disponível no site da ANTT até 18 de fevereiro de 2021. A de 2022 também não foi publicada. A de 2020 mostra que no estado de Goiás a ferrovia estava ociosa, com níveis próximos a 90%;
    2. Em Minas Gerais, no trecho de ferrovia situado na região denominada Serra do Tigre, cuja requalificação é pleiteada há muitos anos, a capacidade ociosa é de apenas 14,8% de acordo com a Declaração de Rede de 2020. Não há, no entanto, nenhuma previsão de investimento neste trecho, o que seria fundamental para aumentar a capacidade de transporte para os portos do Espírito Santo.
  3. A velocidade de percurso proposta para os próximos 36 anos é muito baixa. O documento apresentado na minuta do termo aditivo informa que o IVMP (Índice de Velocidade Média de Percurso) deverá passar dos 14,8 km/h atuais para 18,5 Km/h em 2056. 
  4. A exportação de granéis agrícolas (2.835.132 t) da região de Luziânia/Cristalina/Noroeste de Minas Gerais em 2020 não foi transportada pela ferrovia.
Fonte: Comex Stat – comexstat.mdic.gov.br

5. Pesquisa no site de comércio exterior do governo federal mostra que o município de Catalão (GO) importou em 2020 mais de 1,5 milhão de toneladas de insumos destinados à produção de fertilizantesEsta carga também não foi transportada pela ferrovia.

Fonte: Comex Stat – comexstat.mdic.gov.br

6. Os contêineres não estão sendo transportados pela ferrovia.

Em 2006 foram transportadas 114.000 toneladas de cargas conteinerizadas pela ferrovia tendo como origem ou destino Goiás e o Distrito Federal. Em 2020, essa quantidade havia caído para 25.878 toneladas, e em 2021 foi de 25.950 toneladas, mostrando sua estabilização. Em 2006, a ferrovia ainda não havia chegado a Rondonópolis. Em 2020 o transporte ferroviário de contêineres com origem ou destino naquela localidade foi de 1.202.542 toneladas. No ano de 2021, conforme informações disponíveis no site da ANTT, o transporte de contêineres com origem ou destino em Rondonópolis chegou a 1.496.772 toneladas, mostrando sua firme evolução.

Cabe ressaltar que, enquanto a população de Rondonópolis e seu entorno é de pouco mais de 560 mil habitantes, a das regiões metropolitanas de Goiânia e Brasília supera 7,5 milhões (IBGE, 2019). Entendo que, ao lado dos granéis agrícolas, este deve ser um dos motivos para a solicitação de uma autorização, já concedida, para construção de uma nova ferrovia saindo de Anápolis e passando por Cristalina e Unaí, com destino ao Espírito Santo. Não vejo sentido em construir uma nova ferrovia para transportar cargas não transportadas por uma ferrovia já existente.

7. É necessária a construção de um terminal de transbordo em Anápolis para transferência de cargas entre bitola estreita e bitola larga para permitir que as cargas possam ser intercambiadas entre a FCA e a Rumo para alcançar maiores distâncias transportando, por exemplo, os fertilizantes produzidos em Catalão para as regiões produtoras do Norte Goiano, Mato Grosso e Tocantins.

8. Não há investimentos previstos para a via permanente em Goiás.

9. Foi constituído em Goiás um Consórcio dos Municípios Turísticos da Região da Estrada de Ferro. Para que ele seja viável, no entanto, são necessários investimentos na via permanente, que hoje não permite o transporte de passageiros por falta de segurança, e também na eliminação dos conflitos urbanos.

Tendo em vista essas considerações e a ausência da previsão de qualquer investimento para a malha em Goiás o Crea-GO não encontrou motivos para eventual antecipação da prorrogação do contrato de concessão da Ferrovia Centro-Atlântica como proposto.

Mais recentemente, tendo em vista a ausência da divulgação das declarações de rede de 2020 e 2021 pela FCA, a ANTT sugeriu, por meio da Nota Técnica SEI Nº 7376/2021/COAME/GEREF/SUFER/DIR, a “instauração de Processo Administrativo Simplificado – PAS, com vistas a apurar o cometimento de eventual infração por parte da Concessionária Ferrovia Centro-Atlântica S/A”.

Não havendo modificações nestas condições, nossa manifestação continua sendo pela separação do trecho goiano do restante da malha, submetendo-o a uma relicitação ou mesmo uma autorização por meio da qual poderão ser oferecidas melhores condições para o desenvolvimento do transporte ferroviário do estado de Goiás, objetivo principal que deve nortear todas as decisões sobre um tema tão importante.

*Antonio de Padua Teixeira é engenheiro civil e assessor da presidência do Crea-GO (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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