iNFRADebate: Uma alternativa amigável para o Porto de Santos e a Baixada Santista

Frederico Bussinger*

“O segredo do sucesso não é prever o futuro.
É prover, no presente, certas condições
para prosperar no futuro que não pode ser previsto”
[Michael Hammer]

“O que não dá para ser feito?
Mas, que se for feito, muda tudo!”
[Joel Barker]

“Há momentos na vida dos povos em que
a falta mais grave dos membros da intelligentsia
é a omissão”
[Celso Furtado, que completaria 100 anos em julho]

O primeiro plano diretor do Porto de Santos data de 1897. Balizou a expansão das instalações da CDS (Companhia Docas de Santos), entre Paquetá e Outeirinhos, autorizada pelo Decreto 942 (Cláusulas IV e V). 

Desde então houve inúmeros. Vale destacar, por suas concepções que hoje seriam consideradas “disruptivas”, o de 1929 (com participação de Prestes Maia, já prevendo a ocupação da Margem Esquerda); o de 1951; 1969; 1976; e 1983.

A Lei dos Portos de 1993, já sob a égide da Constituição Federal vigente, impulsionou as profundas reformas portuárias brasileiras do final do Século XX. Descentralizadora, estabeleceu o “Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ” como referencial estratégico; plano a ser elaborado pela Autoridade-Administradora e aprovado pelo CAP (Conselho de Autoridade Portuária) (art. 30; X).

Como parte da progressiva recentralização do processo decisório portuário surgiu o PNLP (Plano Nacional de Logística Portuária) e, a seguir, Planos Mestres a nível local. Também o PGO (Plano Geral de Outorgas), PNL (Plano Nacional de Logística) e EVTEAs (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) para arrendamentos, que tornaram-se obrigatórios; estudos que, apesar de deverem ser baseados no respectivo PDZ, geralmente inovam em definições estratégicas.

Ante as superposições dos diversos instrumentos, muitas vezes expondo lacunas e conflitos, o Minfra (Ministério da Infraestrutura) vem de regulamentar o papel de cada um dos instrumentos de planejamento e a interação entre eles (Portaria 61, de 10 de junho de 2020). Importante: PDZ é o plano atinente ao Porto Organizado; já Plano Mestre é do Complexo Portuário que, no caso santista, abrange todo o Estuário.

O Porto de Santos vem, também, de ter sua Poligonal redefinida (Portaria Minfra 77/20): ela estabelece a abrangência do Porto Organizado e, por conseguinte, a competência da respectiva Autoridade-Administradora. Em Santos, a “Santos Port Authority – SPA” (ex-Codesp).

Com a publicação de nova versão do Plano Mestre do Complexo Portuário de Santos, em abril de 2019, tornou-se imperiosa a revisão do PDZ vigente: anunciado desde o início deste 2020, foi-se tomando conhecimento de ideias, diretrizes e definições dele com revelações esparsas e a conta-gotas. E, sem nenhum real debate público ao longo de todo esse tempo, dia 28 de julho passado finalmente saiu a fumacinha branca; por coincidência um mês após a definição da nova Poligonal: foi publicada a Portaria Minfra 1.620/20 e, posteriormente, o texto de 233 páginas.

Releases do Minfra e da SPA anunciaram o PDZ. De conteúdo similar, o da SPA diferencia-se pelo título: “Após 15 anos sem planejamento, Porto de Santos aprova novo PDZ”. A imprecisão do título (quem aprova não é nem o Porto nem a SPA, mas o Minfra) é o de menos. Mais relevante, como informação e para entendimento do processo, é o esquecimento da “atualização pontual e expedita” do PDZ/2006, há menos de uma ano; de diversos “puxadinhos” ao longo desse período e, principalmente, do PDZ completo, aprovado pelo Consad e CAP em 2012, mas intrigantemente nunca publicado. Ou seja, sem avaliação de mérito dos respectivos conteúdos, revisões de planos têm sido periódicas no Porto de Santos: visões estratégicas, todavia, nem sempre!

O PDZ
Os releases, em meio a cintilantes cenários de novos investimentos e postos de trabalho, também destacam, como objetivos concretos para 20 anos (páginas 79-104 do PDZ): contêineres, mais 64% (de 5,4 milhões para 8,7 milhões TEU/ano); granéis sólidos vegetais 37% (95,3 Mt/ano); granéis líquidos 40% (22,4 Mt/ano); granéis minerais 74% (16,5 Mt/ano); e celulose 49% (10,5 Mt/ano). Em suma, crescimento de capacidades instaladas e volumes movimentados nas instalações, dentro da Poligonal, em algo como 2/3 dos indicadores de 2019 (80 Mt/ano).

Para alavancá-los é proposta “clusterização” (concentração de terminais por tipo de carga: o velho e bom zoneamento – o “Z” do PDZ!). Prevê-se dois berços para descarga direta, entre Alemoa e Saboó, e a principal aposta: rearranjos operacionais e na infraestrutura visando crescimento de 91% nos fluxos de/para a hinterlândia via ferrovia (das atuais 45 para 86 Mt/ano). Disso resultará nova matriz de transportes (página 81): 40% ferro (hoje 33%); 47% rodo; 4% duto; e 9% transbordo.

No horizonte do Plano Mestre (2060) a tendência desses principais indicadores prossegue: crescimento da capacidade e movimentação para 233,5 a 326,7 Mt/a; e aumento de outras cerca de 40 Mt/ano no modo ferroviário (para 129 Mt/a) – patamar três vezes superior ao atual (45 Mt/ano).

Todas são metas ambiciosas: grande desafio para os envolvidos nas operações portuárias. Mas, também, para os múltiplos atores das atividades associadas e autoridades locais. Mormente quanto aos impactos urbanos e ambientais; alguns qualitativamente já enunciados: remoções, desapropriações, realocações, demolições que, sabe-se, envolvem interesses diversos e distintas autoridades; nem sempre sintonizados em termos de prioridades e cronogramas.

Ah! Uma ausência sentida no conteúdo do PDZ aprovado foi a nova ligação seca trans-estuarina (túnel ou ponte); tão discutida ano passado! 

Outros impactos já podem ser estimados, inclusive, quantitativamente. Por exemplo: só o crescimento de 80 Mt/ano, nos próximos 20 anos, contam/dependem de expressivo aumento da velocidade média de circulação dos trens na malha interna do Porto (hoje 5,7 km/h! – página 134); até para a quase duplicação da movimentação ferroviária. Ainda assim, também o fluxo rodoviário precisará crescer 27,7 Mt/ano (37,8%); estes equivalentes a mais 2.530 carretas de 30 t por dia-calendário (21% do pico). 

Em suma: a opção estratégica do novo PDZ, reverberando a do Plano Mestre, é atender ao crescimento da demanda estimada com aumento de capacidades das instalações dentro da Poligonal. Para tanto, procura otimizar o espaço existente e resolver gargalos. Ou seja, daqui a 40 anos, quando pouquíssimos dos que hoje nele trabalham ainda seguiriam em atividade, o Porto estaria ali mesmo: maior, mas ocupando área similar. Aumento quantitativo; mas pouca inovação estratégica!  

Há alternativa
Quantitativamente, porém, as demandas do Porto Organizado devem ficar aquém do estimado. Isso porque, provavelmente, as dificuldades e os desafios, exemplificados, as impedâncias logísticas, os imperativos urbanos e ambientais estimularão TUPs a se implantar à montante da Ilha dos Bagres, de ambos os lados do Canal de Piaçaguera (páginas 148, 78 e 144): no “Fundão do Estuário”. 

Aliás, o PDZ já antecipa essa tendência ao registrar que a SPA pleiteou (página 77) algumas das áreas no início do canal (planta na página 78); mas o poder concedente (Minfra) não aquiesceu, justamente por estarem elas reservadas para TUPs. Por que, então, não se ocupar o Estuário de forma planejada e coordenada?

O Complexo Portuário santista tem uma característica muito peculiar; ou seja, é uma tripa, com aproximadamente 25 km de extensão. Já o Porto Organizado (área interior à Poligonal) algo da ordem de 12-13km. Ou seja, do pé-da-Serra até ele a carga percorre (“passeia”?) por outros 12-13km do viário e no tecido urbano da Região Metropolitana da Baixada Santista: os terminais graneleiros, atualmente os maiores usuários da ferrovia, incidentalmente localizados na entrada do Porto, tanto na Margem Direita como Esquerda, acabam tendo que percorrer mais: 20-25 km. No caso da Margem Direita, utilizando as sobrecarregadas avenidas ou malha ferroviária do Porto; esta hoje sob administração da Portofer (contrato expirando).

A pergunta é inevitável: ao invés, não seria mais lógico, eficiente, barato, urbana e ambientalmente amigável, e gerenciável “poupar-se” o atual Porto Organizado (e o viário de Santos e Guarujá) da maior parte desses 80 Mt/ano por meio de maior utilização do “Fundão do Estuário”

Particularmente granéis sólidos; vegetais e minerais (65,7 das 134 Mt em 2019)? Se desses algo como 40 Mt (pouco mais da metade) não precisarem chegar aos terminais da Ponta da Praia/Macuco (Santos) e Vicente de Carvalho (Guarujá), algo como 1 bilhão TKU/ano deixariam de circular pelos viários da Baixada Santista!

A ideia não é inédita: o Plano Diretor de 1983, visando maior articulação porto-indústria, incluiu o “Sistema Portuário Industrial de Cubatão – SPIC”. O projeto acabou não indo adiante, entre outros motivos pelas características ambientais de parte da região (manguezais). 

Mas a tecnologia evoluiu muito nesses 40 anos, tanto dos navios como dos portos: se na época as instalações normalmente adotavam berços de atracação, atualmente, a combinação dolfin/píer com esteiras permite separar, até por kms, o armazém/silo do ponto de atracação do navio. A melhor analogia é o ar-condicionado: antigamente o aparelho era único. Atualmente o “Split System” possibilita separar-se o evaporador (unidade interna) do condensador (externa). 

Um tal arranjo permitiria “pular-se” manguezais; algo muito relevante no Estuário de Santos e, com isso, minimizar-se os impactos ambientais. Também localizar a armazenagem em pontos onde a conexão modal interior (ferrovia, hidrovia, rodovia) é mais eficiente; mesmo distante do navio. Há inúmeros exemplos desse arranjo em portos brasileiros; inclusive no próprio Porto de Santos!

Outra vantagem é que poderiam vir a ser utilizados terrenos mais baratos, pois distantes do espelho d’água, destinando-se os lindeiros ao Canal a quando for praticamente imprescindível estar no “waterfront” (contêineres, veículos etc.): há inúmeras áreas hoje inocupadas que poderiam vir a ser utilizadas portuariamente.

Acesso aquaviário? Se navios que calam até 13,2 m podem chegar até o Tiplam, já localizado lá, por que outros pontos de píer ou boia de amarração não podem ser implantados no “Fundão do Estuário”? Incidentalmente nele, no pé-da-Serra, rodovias se articulam; ferrovias também: inclusive onde têm seus pátios. 

Ademais, os novos terminais tendem a ser mais eficientes; seja de per si, seja sistemicamente: leiautes mais adequados às novas tecnologias; equipamentos e sistemas mais atualizados; redução de distâncias (ao porto) nos acessos terrestres; possibilidade de localização “em cima” da ferrovia e da hidrovia; acordos comerciais de médio/longo prazo etc. Com isso, os investimentos (capex) tendem a ser menores; e também os opex (custos operacionais).

Sim, há barreiras a transpor e questões a resolver. Três principais, mas com possibilidade de solução:

  • Áreas: Precisariam ser identificadas as áreas elegíveis e incluí-las no Plano Mestre com tal fim: há bastante. As áreas privadas, em princípio, seriam adquiridas em negociação privado-privado. Mas, em sendo necessário, poder-se-ia utilizar o instrumento da “Declaração de Utilidade Pública – DUP”.
  • Transição: Outorgas “greenfield” já seriam feitas com essa diretriz. Contratos vigentes, com possibilidade de prorrogação, seria antecipada e efetivada a prorrogação de imediato. Porém condicionada à transferência das operações para um outro sítio (“greenfield”) no prazo de “n” anos (por exemplo: 3; 5). Tudo, obviamente, explicitado no aditivo contratual a ser firmado. Há necessidade de se fazer contas: mas estimam-se ganhos de opex tão expressivos que possivelmente poderiam “bancar” os capex adicionais em prazo bem reduzido!
  • Tributos: Anteveem-se resistências dos municípios de Santos e Guarujá em função da potencial perda de receitas. Todavia pode-se cogitar de algum mecanismo compensatório. Ou, mesmo, o instrumento de “Consórcios Públicos” envolvendo os municípios e, eventualmente, também estado e União (Lei 11.107/2005 e Decreto 6.017/2007).

Enfim, 40 anos (do Plano Mestre) é tempo mais que suficiente para uma inflexão que alie expansão portuária com desenvolvimento sustentável regional. Mesmo os 20 (do PDZ)! Por que “mais do mesmo”?

*Frederico Bussinger foi presidente da Docas de São Sebastião, diretor da Codesp (Porto de Santos) e do Departamento Hidroviário (SP). Conselheiro do Consad da Codesa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização. Secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Coordenou o PROPS em Santos e o PIPC (Plano Integrado Porto-Cidade) em São Sebastião. Foi consultor de PDZs e de modelagem para arrendamentos em diversos portos. Atualmente é consultor.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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