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iNFRADebate: Seis dicas para um gestor público não realizar uma concessão regionalizada de saneamento básico

Vinícius dos Santos Silva*

O Novo Marco do Saneamento entrou em vigor em julho de 2020 (Lei 14.026/2020) trazendo diversas inovações com a promessa de abrir e amadurecer esse mercado. De lá para cá, muitos escreveram sobre o assunto, com maior ou menor domínio do tema, abordando, por exemplo: as suas metas arrojadas; os desenhos federativos para ganhos de economia em escala; os mecanismos de viabilização desses novos arranjos; a maior estabilidade jurídica das relações que envolvem titulares/representantes e prestadores do serviço; os instrumentos jurídicos envolvidos para tanto. Trata-se de um acúmulo doutrinário muito relevante.

Majoritária parcela dessa literatura, porém, parte de uma perspectiva teórica e conta com uma abordagem positiva para a efetivação da lei. Contudo, a partir de um conhecimento empírico obtido com a maior concessão de saneamento da história do país (a bem-sucedida Concessão Regionalizada dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, cujos titulares constituíram gestão associada com o estado do Rio de Janeiro, Blocos 1, 2, 3 e 4), este texto1 busca listar dicas de como não realizar uma concessão regionalizada de saneamento básico.

  1. Escolha uma liderança inepta

Para a condução do processo, escolha alguém que não possua excelente capacidade de liderança, motivação, interlocução, mediação, negociação e seja incapaz de realizar leituras políticas, simples ou complexas. De preferência, ainda, sem experiência, vivência e de baixa tecnicidade.

  1. Tenha uma equipe despreparada

De modo semelhante, escolha uma equipe inexperiente, sem formação ou com formação inadequada para projetos dessa natureza e envergadura. A qualidade técnica também não pode ser alta, nem sequer mediana. Não é preciso que haja motivação, senso de responsabilidade ou compromisso com o interesse público. Escolha o seu time por razões estritamente políticas e afinidades pessoais.

  1. Não converse com os agentes de mercado
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Não fale com os atores econômicos do segmento. Ignore as associações representativas do setor, assim como os sindicatos. Não converse com o mercado, sobretudo na fase mais madura do projeto, quando a modelagem final estiver sendo definida, afinal, todos terão conhecimento do projeto após a publicação do edital, sendo desnecessário testar mercadologicamente o processo antes disso.

  1. Ignore os órgãos de controle e de governança

Não cogite a participação do Ministério Público no aprimoramento da modelagem, ainda que tenha um histórico amplo de atuação na área e um quadro técnico altamente capacitado. Não negocie passivos judiciais envolvidos na questão. Ignore o Tribunal de Contas, enviando-lhe os contratos apenas após a publicação do edital. Não considere, no processo, a agência reguladora que será competente para regular os contratos por dezenas de anos. Ignore as instâncias de governança, sobretudo as que contam com a participação da sociedade civil.

  1. Ignore as lideranças locais e os prefeitos

Não dê ouvidos para as lideranças locais. Não considere as demandas trazidas pelos prefeitos, até porque a sua legitimidade democrática não é importante, assim como o fato de eles serem titulares do serviço é irrelevante. Portanto, use o mesmo modelo para todo e qualquer município e não dê atenção às particularidades locais.

  1. Tome decisões motivadas somente em ideologia

O homem é um animal político, logo todas as suas decisões também. Assim, a ideologia política dos tomadores de decisão no processo deve sempre prevalecer. Se “privatista”, defenda o projeto, mesmo que tecnicamente frágil ou ainda que a proposta comercial vencedora seja inexequível no médio e longo prazo. O mais importante é a batida de martelo e “sorria, você está sendo filmado, fotografado e vai sair no jornal”. Se “publicista”, defenda o modelo estatal “com unhas e dentes”, ainda que a matemática, os fatos históricos, a economia, o direito, a engenharia e muitos outros elementos demonstrem que a melhor solução seja divergente das suas convicções políticas. Portanto, defenda a sua posição somente com a sua ideologia, seja ela qual for. Seja politicamente coerente!

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Siga essas dicas apenas se considerar irrelevante a geração de emprego e renda, a promoção do meio ambiente e da saúde, assim como a valorização imobiliária, o desenvolvimento econômico e, sobretudo, a dignidade da população, especialmente a mais pobre, aquela que não conta com fornecimento regular de água tratada ou um sistema de coleta e tratamento de esgotamento sanitário instituído.

1 O formato do texto foi inspirado no artigo “Como Desestruturar Uma Agência Reguladora em 3 Passos Simples”, de Maurício Portugal Ribeiro e Eduardo Jordão, publicado neste link.
*Vinícius dos Santos Silva é advogado e assessor no Governo do Estado do Rio de Janeiro. Master Business Administration em Infraestrutura, Concessões, e Parcerias Público-Privadas pela PUC/MG. Pesquisador vinculado ao diretório do GDAC/UFF. Bacharel em Direito pela UERJ.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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