iNFRADebate: Restringir a concorrência… para garantir a concorrência – o caso do arrendamento do terminal portuário STS-10

Maurício Portugal Ribeiro* e Eduardo Jordão**1

Restrições regulatórias à concorrência são tão comuns que foram o objeto de dissertação de mestrado de um dos autores deste texto2. Em geral, elas são realizadas para privilegiar alguma outra política pública que poderia ser prejudicada por um cenário amplamente competitivo.

Mais curiosos, contudo, são os casos em que a restrição da concorrência pode ter por objetivo a garantia da própria concorrência. Nessa espécie de “quimioterapia jurídica”, o remédio mira na parte, para preservar o todo.

É exatamente esta preocupação que deveria nortear o leilão do arrendamento portuário do terminal STS-10, localizado no Porto de Santos e destinado à movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas, que o governo federal pretende realizar ainda em 2022. 

Se a ideia for, pelo menos, garantir a fragilizada concorrência que hoje há no mercado de movimentação de contêineres no referido porto, é preciso limitar com rigor a participação de agentes de determinado grupo econômico constituído por empresas verticalmente integradas, cuja atuação tem causado sérios problemas concorrenciais.

Explica-se.

No mercado de movimentação de contêineres no Porto de Santos, a atuação do grupo formado pelo terminal portuário BTP (Brasil Terminal Portuário) e as armadoras A.P. MØLLER – MAERSK A/S (Maersk) e MSC (Mediterranean Shipping Company Holding S/A) constitui exemplo perfeito dos problemas concorrenciais de escala global que são conhecidos pelas autoridades antitruste internacionais. 

Esses problemas podem ser descritos da seguinte maneira: ao oligopólio formado no mercado de transporte marítimo, por meio de alianças estabelecidas entre poucos armadores, soma-se a verticalização dessas empresas com alguns terminais portuários. Esta somatória tem gerado distorções concorrenciais que atingem diretamente os terminais portuários independentes (que não estão verticalizados aos transportadores marítimos).

Os efeitos negativos da concentração de mercado e da verticalização horizontal também são experimentados pelos usuários, isto é, o setor produtivo nacional, que vem testemunhando a redução das opções logísticas para a movimentação das cargas e, por outro lado, suportando um aumento dos principais custos logísticos, sobretudo o frete marítimo.

No Porto de Santos, as informações apontam para a existência de cláusulas nos acordos firmados entre a BTP e suas controladoras Maersk e MSC que criam incentivos especiais para que estas armadoras contratem prioritariamente os serviços da BTP, circunstância que inclusive ensejou a abertura de inquérito administrativo por decisão do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). 

Ao apreciar representação oferecida pela ABTRA (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados), a autoridade antitruste considerou ser possível que o crescimento experimentado pelo BTP tenha sido artificialmente causado por tais disposições contratuais discriminatórias.

Esses são problemas atuais do mercado de movimentação de contêineres no Porto de Santos, que podem ser agravados pelo arrendamento portuário do terminal STS-10.

Na versão do projeto submetida a consulta pública, que está prevista para ocorrer até 22 de abril, além de ser possível a vitória da BTP ou de consórcio formado por MSC e Maersk (desde que não tenha sido apresentada outra proposta válida na licitação), não foi estabelecida no edital qualquer limitação à participação individual das referidas empresas armadoras na licitação. Não foi prevista qualquer condição para que uma delas seja declarada vencedora da licitação e assuma as operações no terminal STS-10, ainda que a participação individual de Maersk ou MSC, ou de qualquer de suas controladas, possa acarretar exatamente os mesmos problemas concorrenciais que justificam as limitações hoje já previstas no edital.

O contexto, aqui, não deixa dúvidas sobre os efeitos indesejados que a verticalização entre armadores e terminais portuários acabou por produzir. O remédio é necessário: para proteger a concorrência, é preciso estender à participação individual de Maersk, MSC e empresas integrantes de seu grupo as limitações à participação previstas no edital de arrendamento do terminal portuário STS-10 submetido a consulta pública. A medida estará apoiada pelas razões mais básicas que justificam restrições à participação em licitações públicas.

A experiência brasileira é farta em exemplos desse tipo – vide, dentre outros, as concessões no setor aeroportuário – nos quais a modelagem dos leilões se preocupou com a competição no mercado, mesmo que, ao limitar a concorrência pelo mercado para atingir esse objetivo (por meio de restrições à participação de determinados agentes na licitação), o tenha feito sob risco de menor retorno imediato pelo valor da outorga. A maximização do resultado financeiro aferível no curto prazo é relativizada em nome da promoção da concorrência. Faz sentido e está amparado pela teoria que se debruça sobre as restrições regulatórias à concorrência. Isso porque, no longo prazo, os efeitos líquidos são positivos e o retorno para os cofres públicos acabam sendo superiores em razão, justamente, de um ambiente competitivo saudável.

O tipo e o grau de intensidade dessas restrições dependerão sempre das circunstâncias. No caso do arrendamento portuário do terminal STS-10, elas indicam condições desanimadoras para a saúde da concorrência e requerem remédio adequado.

1 Os autores foram contratados pela ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários) para emitir parecer sobre a viabilidade jurídica do estabelecimento de restrições regulatórias à concorrência no leilão do arrendamento portuário do terminal STS-10, que o governo federal pretende realizar ainda no ano de 2022 (atualmente, o projeto está em fase de consulta pública, que está prevista para ocorrer até o dia 22 de abril). Este pequeno texto faz referência a algumas conclusões deste parecer.
2 JORDÃO, Eduardo Ferreira. O impacto anticompetitivo da regulação estatal. 2008.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
*Maurício Portugal Ribeiro é especialista na estruturação e regulação de projetos de infraestrutura, autor de vários livros e artigos sobre esse tema, sócio do Portugal Ribeiro Advogados, mestre em Direito pela Harvard Law School, ex-professor de Direito de Infraestrutura da FGV-RJ, professor de Modelos Regulatórios da FGV-Direito-SP, apresentador do Infra em Pauta e co-organizador do P3C.
**Eduardo Jordão é professor na FGV Direito Rio e sócio da Portugal Ribeiro Advogados, doutor em direito público pelas Universidades de Paris (Panthéon-Sorbonne) e de Roma (Sapienza), mestre pela London School of Economics and Political Science (LSE) e pela USP.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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