iNFRADebate: Resolução nº 5.860 – Extinção antecipada de concessões rodoviárias federais

Gabriela Clé de Azeredo, Bruno Fontenele, Durval Clemente e Vinicius Daher*

Introdução

Uma concessão é o ato administrativo no qual o Poder Concedente permite a um terceiro o direito de uso dos bens para prestação de serviços, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas definidas no contrato de concessão, prevendo a reversibilidade dos bens para o Poder Concedente ao final do prazo determinado em contrato.

Por se tratar de contratos com períodos longos de prestação de serviço, durante a sua vigência podem ocorrer diversos fatores que afetem o seu equilíbrio econômico-financeiro, por alterações nas premissas contratuais originais, que podem afetar as condições de prestação dos serviços e a saúde financeira da concessionária.

Por essa razão, os contratos de concessão preveem hipóteses para encampação, caducidade, rescisão ou anulação do contrato, como por exemplo, no caso da falência ou extinção da concessionária.

Estas hipóteses ocorrem, em termos gerais, devido a um desequilíbrio financeiro da concessão. Para entender o motivo de ocorrência de um desequilíbrio financeiro de uma concessão, é necessário entender a modalidade de remuneração desta.

Inicialmente, as concessões rodoviárias eram avaliadas pelos investidores interessados a partir da expectativa da taxa livre de risco, custo de desenvolvimento da infraestrutura e operação e a demanda pelo serviço, visando determinar uma taxa mínima de atratividade (TMA) que, comparada a taxa interna de retorno (TIR) sugerida pelo poder concedente, apontasse a viabilidade do investimento pelo investidor.

Para que o equilíbrio econômico-financeiro ocorra, é necessário que a TIR seja conservada a fim de que o investidor recupere o seu investimento ao longo do prazo da concessão. Por isso, a TIR, que é determinada em razão das características econômicas vigentes na data da contratação, possui o intuito de balizar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e permanece fixa durante toda a sua vigência, que em geral são de 25 a 30 anos.

Com base na TIR, era comum que as concessionárias, ao longo do prazo de concessão, reivindicassem a perda de equilíbrio econômico-financeiro de um determinado período ou ano.

Com base em estudos realizados pelo Poder Concedente, a manutenção periódica da TIR, prevista originalmente para longo prazo, é também afetada pelos ajustes periódicos e não condiz com a rentabilidade final projetada.

Com o intuito de superar as dificuldades de um contrato de concessão de longo prazo considerando a TIR, foi regulamentada a Lei nº 8.987/95 que define a política tarifária e introduz o conceito de equilíbrio financeiro, onde a tarifa do serviço público concedido é fixada pelo menor preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.

Com isso, no caso de uma concessão rodoviária, os processos atuais de concessão consideram o menor valor proposto para a tarifa de pedágio, vinculado aos investimentos previamente definidos. A partir dos projetos disponibilizados na fase de licitação, cabe a cada proponente dimensionar o custo do investimento e propor o melhor deságio na tarifa de referência apresentada, com isso, o risco do ganho de eficiência, da curva de tráfego e do custo do investimento são transferidos para a concessionária.

Com a crise econômica brasileira de 2014, as projeções de tráfego se mostraram inferiores àquelas elaboradas na fase de licitação pelas concessionárias, visto que estas precisam cumprir o cronograma de investimentos previamente acordado com o Poder Concedente.

Além da crise econômica, a operação lava-jato indiciou empresas do ramo de construção civil, que recaiu nas concessões em que construtores responsáveis pelos investimentos eram partes relacionadas, sendo também afetados diretamente nos financiamentos relacionados, causando um maior desequilíbrio financeiro e deixando os contratos de concessão deficitários.

Outro ponto importante é que alguns dos investimentos previstos de responsabilidade da concessionária eram vinculados a licenciamentos e  desapropriações de responsabilidade do Poder Concedente. O atraso ou a não obtenção das licenças também interferia no sequenciamento da execução das obras, impactando na otimização dos investimentos e diminuindo a performance dos contratos de concessão no Brasil.

Com isso, os mecanismos de ajustes tarifários se mostraram insuficientes para o equilíbrio econômico-financeiro das concessões em função dos investimentos necessários para cumprimento dos termos contratuais.

Cenário para devolução de concessões

Neste cenário, iniciou-se uma discussão sobre a repactuação de contratos deficitários de concessões, e em 05 de junho de 2017 foi divulgada a Lei nº 13.448, que permite a relicitação de concessões, mediante acordo entre concessionária e Poder Concedente, com o objetivo de assegurar a continuidade dos serviços públicos em contratos cujas disposições não estão sendo atendidas ou com demonstrada incapacidade de adimplir com as obrigações contratuais. Vale ressaltar que a Lei se aplica para todas as concessões federais, incluindo portos, aeroportos, rodovias, entre outros.

Com esta nova legislação, as concessões inadimplentes podem, em comum acordo com o Poder Concedente, aderir à Lei nº 13.448 solicitando a rescisão antecipada do contrato, desde que se enquadre no modelo de relicitação. Assim, tem-se a possibilidade de pagamento de indenizações eventualmente devidas, por investimentos em bens reversíveis não totalmente amortizados pelo novo contratado.

Em 06 de agosto de 2019, o governo regulamentou o procedimento para relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário através do decreto nº 9.957/19, do qual foi estabelecido o procedimento para relicitação, garantindo a continuidade, regularidade e eficiência na prestação dos serviços contratados aos usuários, bem como a transparência, necessidade e adequação das decisões dos órgãos e das entidades competentes, bastando demonstrar o seu interesse em aderir ao regulamento, sendo necessária a aprovação e qualificação pelo Poder Concedente.

Em 03 de dezembro de 2019, o governo também regulamentou a metodologia para cálculo dos valores de indenização relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou amortizados em caso de extinção antecipada de concessões rodoviárias federais, através da Resolução nº 5.860/19, onde são apresentadas as considerações necessárias para cálculo da indenização na devolução amigável da concessão.

Mais recentemente, em 02 de fevereiro de 2021, o governo emitiu a resolução nº 5.926 estabelecendo as diretrizes para encerramento, relicitação e extensão dos contratos de concessão de infraestrutura rodoviária sob competência da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). A figura abaixo apresenta a linha do tempo das legislações vigentes dos últimos anos referente à relicitação e devolução amigável de concessões.

Figura 1 – Linha do Tempo de Leis e Decretos

É importante ressaltar que, pelo decreto, deve ser feito um pedido para relicitação, que será analisado pela agência reguladora, no caso de rodovias, a ANTT. Após a análise do regulador, o processo é encaminhado ao Ministério da Infraestrutura, havendo o aval, o processo seguirá para aprovação do CPPI (Conselho do Programa de Parcerias de Investimento), para posteriormente ser assinado pelo Presidente da República. Após qualificação do empreendimento para relicitação, inicia-se o processo de apresentação dos valores a serem indenizados, dos quais serão apurados por verificador independente com o intuito de preservar a imparcialidade das decisões e o caráter técnico.

Análise sobre a Resolução nº 5.860 na ótica de concessões rodoviárias
Conforme mencionado no tópico anterior, a Resolução nº 5.860 de 03 de dezembro de 2019, estabelece a metodologia para cálculo dos valores de indenização relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou amortizados em caso de extinção antecipada de concessões rodoviárias federais. A regulamentação permite que o governo faça uma nova licitação do empreendimento devolvido e prevê a indenização por investimentos realizados e não amortizados ao primeiro concessionário, conforme a Lei nº 13.448/2017.

A resolução considera a indenização dos bens reversíveis e não depreciados ou amortizados, onde são classificados como bens reversíveis aqueles que contribuírem para a continuidade da prestação do serviço público, auferindo benefícios econômicos futuros para o sistema rodoviário e que possuam prazo de vida útil remanescente, contemplando a prestação de serviços de conservação, manutenção, monitoração e operação rodoviários, bem como a própria infraestrutura rodoviária sob concessão, como por exemplo: (i) edificações, obras civis e melhorias localizadas no sistema rodoviário; (ii) máquinas, veículos e equipamentos; (iii) móveis e utensílios, (iv) equipamentos de informática, sistemas, softwares e direitos associados, (v) projetos e estudos de melhorias e ampliação de capacidade do sistema rodoviário; (vi) licenças ambientais válidas; (vii) despesas diretas com desapropriação e remoção de interferências; e (viii) investimentos em recuperação da rodovia. Cabe à concessionária apresentar à ANTT o relatório dos bens considerados reversíveis, contendo a fundamentação da natureza de sua reversibilidade, a descrição do bem com a indicação do código patrimonial individual e a alocação do centro de custo do ativo, a localização física do bem, a data de disponibilidade para uso, a documentação fiscal e demonstrativos de pagamento, contratos relacionados e o projeto de engenharia. 

O valor de indenização fornecido pela Concessionária para a ANTT deverá considerar o valor contábil de cada ativo, composto pelo valor de aquisição somado aos custos necessários para início de operação, visto que a ANTT realizará o levantamento dos valores considerando o custo histórico conforme a base de ativos fornecida pela concessionária.

O cálculo do valor devido deve ser feito pelas agências reguladoras competentes. Sendo assim, para rodovias, esse cálculo será feito pelo verificador independente contratado pelo Poder Concedente. O verificador independente, na apuração do valor indenizável dos bens reversíveis, deverá considerar o seu custo histórico, aferindo com base em registro de ativos contábeis, descontados os tributos que tenham sido recuperados, despesas financeiras, depreciação e amortização ajustadas, considerando o prazo entre o momento em que o ativo estiver disponível para uso e a sua vida útil. No caso da infraestrutura física do trecho rodoviário, a vida útil prevista na Resolução considera o prazo final da concessão pelo advento do seu termo definido em contrato. 

Vale ressaltar que os valores referentes a margem de receitas de construção, adiantamento de fornecedores por serviços não realizados, bens e direitos a serem cedidos gratuitamente ao Poder Concedente, despesas sem relação com a construção de ativos ou aquisição de bens relativos ao sistema rodoviário, custos operacionais e investimentos em bens reversíveis realizados acima das condições equitativas de mercado, não devem ser considerados nos valores registrados do ativo para cálculo do valor indenizável. Adicionalmente, os custos dos empréstimos dos investimentos devem ser capitalizados até o limite da taxa Selic vigente à época do investimento, ademais devem ser deduzidos do cálculo de indenização eventuais desequilíbrios financeiros existentes.

Além disso, o decreto não considera o cálculo da outorga já paga pelo concessionário, prevendo multas e outorgas devidas à União e, também, valores recebidos a mais em tarifas pelo investidor, que deverão ser descontadas na indenização. Do ponto de vista financeiro, a outorga é linear e diluída ao longo de toda a concessão, o que mostra que o decreto possui pontos de fragilidade que não condiz com a situação financeira do concessionário que solicita a devolução.

Outro ponto importante da resolução é com relação ao pagamento dos valores executados pelas Partes Relacionadas, sobre o qual será realizada uma avaliação dos termos e condições dos contratos, seus aditivos e sua execução e será indenizado o valor de condição equitativa de mercado. Com isso, cabe ressaltar a importância da elaboração de uma orçamentação por parte do Poder Concedente ou do verificador independente contratado para os valores referentes à Parte Relaciona, a fim de auferir o valor conforme condições vigentes à época da licitação, especialmente no caso em que as contratações se deram por preço global no modelo Full Turn-Key/EPC, onde os preços dos serviços não estão vinculados a preços unitários.

Nesses casos, deveriam ser utilizados os modelos propostos pelo Sicro/DNIT na época, bem como a aplicação de modelos para cálculo de contingenciamento de riscos por variação de quantitativos de serviços e variações de preço, por conta da maturidade dos projetos de engenharia, que em geral, são disponibilizados na fase da licitação em fase conceitual de desenvolvimento.

Considerações Finais

Conforme é possível notar, o processo de devolução amigável de uma concessão federal não é simples e tem uma longa duração no que tange ao levantamento das informações pela concessionária, apuração do Poder Concedente e verificador independente e na finalização do cálculo de indenização conforme documentação apresentada. Sendo assim, existe um longo caminho para que o novo concessionário assuma a rodovia.

Atualmente, apenas duas rodovias estão qualificadas no processo de relicitação, sendo elas a BR-040/DF-GO-MG e a BR-163/MS. Em ambos os casos, foi feito um aditivo de extensão da prestação do serviço até que seja realizada uma nova licitação. Outras concessionárias entraram com o pedido para enquadramento e qualificação na Lei nº 13.448, informações estas que não foram divulgadas pela ANTT.

É necessária a atenção por parte da Concessionária quanto ao levantamento da documentação solicitada em Resolução, sendo um alto volume de documentação comprobatória. Para a preparação de um processo de devolução de uma concessão, a concessionária deverá considerar a recuperação e identificação de informações desde o seu início, por se tratar de um grande volume de documentação, é recomendado que este levantamento e consideração seja feito o quanto antes pela concessionária que deseja se enquadrar na relicitação e devolução de concessão, a fim de ter assertividade nas discussões que serão realizadas com o verificador independente.

Vale destacar que a resolução não deixa claro qual é o impacto sobre decisões tomadas pela concessionária que, em alguns casos, podem contrariar a política da contratação pelo menor preço, ou eventualmente apresentar não conformidades no seu processo de governança.

Como, por exemplo, situações em que a elegibilidade do fornecedor não se ateve a um processo formal de contratação, por conta de uma decisão gerencial que pode ter julgado a necessidade de uma contratação emergencial para cumprir obrigações e mitigar multas, penalidades e/ou riscos econômico-financeiros.

Estes preços serão comparados a preços de mercado, que deveriam seguir a base de referência do Sicro/DNIT. Eventuais diferenças nos valores podem ser contraditórias e serem levadas a uma discussão arbitral.

É importante citar o impacto que a modalidade de ressarcimento incide sobre os contratos de concessão, tendo em vista que a utilização do modelo de outorga, considerando a menor tarifa de pedágio, apresentou uma ineficiência na performance dos contratos, acarretando problemas que geram necessidade do reequilíbrio econômico-financeiro, e consequentemente relicitação ou devolução da concessão.

Este ano, uma das evoluções na contratação de uma concessão foi a aplicação de um modelo híbrido de contratação, considerando a outorga e a tarifa de pedágio. Com isso, espera- se que o cenário de viabilidade econômica e financeira das concessões mude e as relações contratuais entre o Poder Concedente e a concessionária chegue a um ganha-ganha para as partes interessadas, alavancando os investimentos em infraestruturas rodoviárias no país.

*Gabriela Clé de Azeredo e Bruno Fontenele são gerentes da Alvarez & Marsal; Durval Clemente e Vinicius Daher são diretores.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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