iNFRADebate: Regulamento de ICMS do estado de São Paulo tem alterações nas operações de energia elétrica

Sulamita Szpiczkowski e Victor Branco Bellini*

Foi implementado novo modelo de tributação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nas operações com energia elétrica no ACL (Ambiente de Contratação Livre) no estado de São Paulo. 

O motivo que impulsionou a mudança foi o julgamento da ADI 4281, realizado em 2020, no qual foi declarada a inconstitucionalidade do modelo de tributação anterior estabelecido pelo Decreto Paulista 54.177/09. 

A partir da nova legislação, nos casos de operações de energia no mercado livre, o fornecedor de energia será o responsável pelo recolhimento do imposto se estiver localizado no estado de São Paulo. Caso contrário, o próprio consumidor, situado em território paulista, deverá recolher o ICMS. 

As alterações entram em vigor em 1º de abril de 2022, observando os princípios da anterioridade anual e nonagesimal. Ainda não houve publicação de Portaria CAT regulamentando a inscrição e a forma de recolhimento do imposto. 

O que é Ambiente de Contratação Livre?  
No ACL, também conhecido como mercado livre de energia, os consumidores podem negociar livremente as condições de compra com geradoras ou comercializadoras de energia elétrica, além de valores e benefícios. 

Diferente do ACR (Ambiente de Contratação Regulada), onde as tarifas e condições são reguladas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a contratação ocorre apenas por meio de leilões, no Ambiente de Contratação Livre é possível realizar estratégias de contratação da energia com redução de desperdícios, previsibilidade de gastos e maior flexibilidade na quantidade de energia a ser contratada. 

O Ambiente de Contratação Livre também tem sido visto como forma de estimular a aquisição de energia de fontes alternativas e de aliviar a crise hídrica no país. Os tributos e encargos setoriais são atualmente o critério de maior peso na composição da tarifa de energia e podem desempenhar papel decisivo nesse ambiente, no qual os consumidores possuem liberdade de escolha para compra e venda de energia elétrica.  

O que foi decidido na ADI 4281? 
No julgamento da ADI 4281, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade formal e material do Decreto Paulista 54.177/09, que estabelecia a tributação das operações com energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre à época.  

No aspecto formal, o decreto violou o princípio da legalidade tributária ao definir substituição tributária por meio de decreto. A Constituição define no art. 155, inc. XII, “b”, que cabe à lei complementar dispor sobre substituição tributária, requisito este que está cumprido no art. 6º da Lei Complementar 87/96. 

Tendo em vista a existência de autorização legal, a Lei Paulista 6374/1989, no seu art. 8º, inc. VI, estabelece a condição de substituta tributária para a empresa distribuidora que realiza a comercialização da energia elétrica em operação antecedente ou subsequente.  

Entretanto, o Decreto Paulista 54.177/09 extrapolou o texto da lei ao definir como substituta tributária a empresa distribuidora sem nenhuma ressalva. Nas operações dentro do Ambiente de Contratação Livre, a distribuidora não realiza comercialização de energia, possuindo apenas a estrutura física da rede de transporte da energia, razão pela qual participa apenas em operação paralela à comercialização propriamente dita.  

Assim, ela não possui vínculo direto com o fato gerador, uma vez que não participa de operação antecedente ou subsequente, o que culminou na inconstitucionalidade formal do decreto. 

No aspecto material, o STF considerou que o Decreto Paulista 54.177/09 violava os princípios da isonomia e da livre concorrência. 

Para fins de apuração da base de cálculo, os consumidores eram obrigados a entregar declaração contendo os valores pagos no mercado livre. Tais informações eram disponibilizadas aos agentes distribuidores, que passavam a conhecer todos os preços praticados pelos concorrentes de pequeno porte, quebrando a confidencialidade dos preços praticados no Ambiente de Contratação Livre. 

Por fim, o julgado do STF também faz referência ao fato de que o Decreto Paulista 54.177/09 usurpava competência privativa da União para legislar sobre estrutura do setor elétrico. A legislação estadual caminhou na contramão da legislação federal, que atualmente procura quebrar a verticalização do setor elétrico brasileiro, no qual as atividades de geração, transmissão e distribuição estavam concentradas em poucos agentes. 

Além da necessidade de um novo modelo de tributação do ICMS no Ambiente de Contratação Livre de energia elétrica, o Estado de São Paulo também foi excluído do Convênio ICMS 77/2011, que dispõe sobre o regime de substituição tributária do ICMS sobre energia elétrica. 

O que o Decreto nº 66.373/2021 traz de novo? 
No novo modelo de tributação do ICMS, em se tratando de operação interna dentro do Ambiente de Contratação Livre, o recolhimento do imposto é diferido para a última operação de saída com destino a estabelecimento paulista no qual haverá o consumo.  

Quanto à responsabilidade pelo lançamento e pagamento do imposto em operação interna, a empresa alienante localizada no território paulista é responsável pela obrigação tributária.  

Em se tratando de operação de aquisição interestadual na qual não haja operação subsequente, a responsabilidade pertence ao destinatário final localizado no território paulista. Ressalta-se que, nas operações interestaduais, o destinatário deverá obrigatoriamente inscrever todos os seus estabelecimentos paulistas no Cadastro de Contribuintes do ICMS. 

Quanto à base de cálculo do imposto, há diversos dispositivos buscando a tributação não apenas do valor devido de energia elétrica, mas também dos encargos inerentes ao consumo, incluindo encargos de conexão e de uso da rede de distribuição. A responsabilidade pelo ICMS sobre esses encargos pode recair sobre destinatário ou sobre o distribuidor, a depender da situação.  

Entretanto, essas disposições causam preocupação para contribuintes ao tocarem em discussão prevista no Tema 986 do STJ e ao atribuírem novamente a condição de substituta tributária para a empresa distribuidora em certas situações.  

Por fim, observa-se um aparente conflito de interesses entre Fiscos Estaduais e agências reguladoras. Enquanto os Fiscos Estaduais tinham pretensões de concentrar a tributação na empresa distribuidora, de modo a facilitar a arrecadação de impostos, as agências reguladoras vêm buscando a quebra da verticalização e concentração do setor elétrico brasileiro.  

Essa quebra com o modelo antigo gerou reflexos observáveis na área tributária, que está caminhando para um modelo de arrecadação e recolhimento mais pulverizado do ICMS. Tendo em vista esse contexto, outros estados da federação também devem acabar introduzindo mudanças de tributação da energia elétrica adquirida no Ambiente de Contratação Livre.  


Houve alteração das obrigações acessórias? 
No antigo modelo de tributação, o consumidor livre, localizado no território paulista, era obrigado a declarar informações sobre as aquisições de energia elétrica por meio da Devec (Declaração do Valor de Aquisição da Energia Elétrica em Ambiente de Contratação Livre). 

Porém, no novo modelo de tributação, o consumidor livre não está mais obrigado a entregar a declaração mensalmente. Trata-se de consequência do julgamento da ADI 4281, que apontou a inconstitucionalidade na quebra da confidencialidade dos preços praticados no Ambiente de Contratação Livre. 

Segundo informações da Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda de São Paulo), a DEVEC deve ser entregue apenas até a data de 14/04/2022, referente ao mês de março. Ainda não há Portaria CAT estabelecendo novas obrigações acessórias, mas espera-se que uma venha para regulamentar o procedimento simplificado de declaração para grupos específicos de empresas, dentre outros pontos. 

As distribuidoras e os consumidores de energia elétrica que realizam operações pelo Ambiente de Contratação Livre devem ficar atentos às mudanças, observando as novas exigências, responsabilidades de recolhimento e impactos do novo decreto.

*Sulamita Szpiczkowski e Victor Branco Bellini são advogados do Porto Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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