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iNFRADebate: Regulação da mineração – desenvolvimentos recentes e perspectivas

Adriano Drummond Trindade*

Os últimos anos testemunharam um desenvolvimento significativo da legislação e regulação do setor mineral. Várias iniciativas, em diversos níveis, vêm transformando o panorama regulatório setorial, não apenas em reação a acontecimentos marcantes, mas também como forma de modernização e buscando a contínua aproximação da mineração brasileira a padrões internacionalmente reconhecidos.

Em 2017, o setor passou por transformações legislativas importante com a edição de três medidas provisórias. A Medida Provisória 789, posteriormente convertida na Lei 13.540/2017, alterou as normas relacionadas à CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), que é o royalty da mineração. Já a Medida Provisória 791, convertida na Lei 13.575/2017, criou a ANM (Agência Nacional de Mineração) e extinguiu o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), o que representou um desenvolvimento institucional para o setor. Por fim, a Medida Provisória 790 promoveu uma série de alterações no Código de Mineração (Decreto-lei 227/1967), mas, como não foi levada a votação no Congresso Nacional, perdeu sua eficácia nos meses seguintes. Ainda assim, essas alterações pavimentaram as mudanças que viriam no ano seguinte, com o novo Regulamento do Código de Mineração.

Ainda naquele mesmo ano, o DNPM editou a Portaria 70.389/2017, que criou o Sistema Integrado de Gestão em Segurança de Barragens de Mineração e estabeleceu uma série de exigências e procedimentos relacionados à segurança de barragens de mineração. A Portaria surgiu como uma reação ao rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, em novembro de 2015, como uma forma de se elevar os padrões e exigências relacionadas a barragens de rejeitos.

O ano de 2018 testemunhou a edição do Decreto 9.406/2018, que instituiu o novo Regulamento do Código de Mineração. Esse novo Regulamento substituiu o anterior, que já vigorava por 50 anos, e promoveu atualizações significativas na disciplina setorial, buscando modernizá-la e suprir omissões que se acentuaram com o tempo. Temas como a continuação de pesquisa mineral após a apresentação do relatório final, a declaração de utilidade pública para servidão e desapropriação, e novas normas para o processo de disponibilidade foram regulamentados, entre vários outros. No fim daquele mesmo ano, foi instalada a ANM, em substituição ao DNPM, que tanto fez pela mineração brasileira ao longo de 84 anos.

O ano seguinte prometia mudanças regulatórias em face da instalação da nova autarquia responsável pela regulação setorial, mas o que realmente marcou 2019 foi o acidente com a barragem de rejeitos de Brumadinho já no mês de janeiro. Na esfera regulatória, o acontecimento levou à edição da Resolução ANM nº 4, posteriormente substituída pela Resolução ANM nº 13 naquele mesmo ano. As resoluções instituíram regras importantes quanto a barragens de rejeitos, como o estabelecimento de um cronograma para a desativação e descaracterização de barragens construídas ou alteadas pelo método a montante, que não mais poderá ser empregado no país. 

Ao longo daquele mesmo ano, as empresas e profissionais que atuam no setor mineral passaram a conviver com a recém-criada Agência e sua nova roupagem institucional. As mudanças não se limitaram à redistribuição de competências entre diversos órgãos que a integram, mas estavam representadas por novos procedimentos e uma nova cultura. As principais decisões relacionadas a direitos minerários e outros temas de relevância passaram a ser tomadas em reuniões colegiadas de Diretoria, em sessões públicas precedidas da divulgação de pauta e nas quais foi assegurado o direito de as partes interessadas se manifestarem. Consultas públicas e tomadas de subsídios tornaram-se mais frequentes. Avaliações de impacto regulatório passaram a ser conduzidas em uma etapa preparatória para a implementação de mudanças na regulação setorial. 

Se a nova ANM podia dar a impressão de ser mais lenta e burocrática do que seu predecessor, DNPM, na realidade tratava-se de um período de adaptação a um novo modelo – já consagrado em outros setores regulados – que promove uma administração mais técnica, transparente e com efetiva participação pública.

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia de Covid-19. Assim como outros setores da economia, a mineração sofreu os efeitos causados por medidas sanitárias, de distanciamento social e de restrições à locomoção. As autorizações de pesquisa tiveram seus prazos suspensos pela ANM, em reconhecimento às dificuldades causadas pela pandemia para o deslocamento de equipes e a efetiva realização de pesquisa mineral. Já a maioria das operações de lavra prosseguiu com adaptações em seus processos produtivos, até mesmo como consequência do reconhecimento de que as atividades de lavra, beneficiamento, produção, comercialização, escoamento e suprimento de bens minerais são atividades essenciais (Decreto 10.282/2020, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto 10.329/2020).

Apesar dos efeitos da pandemia, o setor ainda acompanhou novas mudanças legislativas e regulatórias. A Lei 14.066/2020 promoveu alterações no Código de Mineração e na Lei 12.334/2010 (Política Nacional de Segurança e Barragens) para aumentar as exigências e controles relacionados a barragens, além de incrementar sanções. Já no âmbito da ANM, a Resolução ANM nº 37 alterou as regras aplicáveis a guias de utilização, que é um importante instrumento para a pesquisa mineral e a definição quanto à viabilidade do aproveitamento de uma jazida. Além disso, as novas regras de disponibilidade de áreas foram implementadas com sucesso com a realização da primeira rodada de oferta pública e leilão envolvendo cerca de 500 áreas.

Como se vê, os últimos quatro anos foram intensos na regulação setorial da mineração, tanto pelo seu desenvolvimento quanto por sua complexidade. E esse cenário deve se repetir também em 2021, a julgar pela variedade de temas e acontecimentos que vêm tendo lugar no setor. 

Com a edição da Lei 14.066/2020, que estabeleceu novas exigências e controles para barragens, há a necessidade de adequação de parte da regulação aplicável ao tema. É provável, portanto, que a ANM venha a editar nova resolução de forma a harmonizar a matéria em face das modificações instituídas pela Lei 14.066/2020.

Já a nova sistemática de oferta pública e leilão de áreas deve prosseguir com mais intensidade em 2021. A segunda rodada, que conta com quase 7.000 áreas, acontecerá ainda no primeiro trimestre do ano. Desta vez, há áreas em todo o Brasil, envolvendo um rol mais diverso de substâncias e contemplando tanto áreas para pesquisa como lavra. Como sinal de amadurecimento do modelo, o edital da segunda rodada foi aprimorado em relação à primeira para aumentar para 500 o número máximo de áreas em que um mesmo participante pode manifestar interesse. Outra mudança diz respeito à extensão da sanção de impossibilidade de participação em procedimentos de disponibilidade, que, se aplicada, não mais atingiria todo o grupo econômico. Estima-se que outras quatro rodadas aconteçam ao longo do ano, até mesmo para dar vazão a um passivo de aproximadamente 60.000 áreas represadas, que poderão ser ofertadas pela ANM.

As consultas públicas em curso na ANM também revelam as tendências da regulação setorial. A Agência deverá instituir, em breve, novas regras aplicáveis ao aproveitamento de estéril e rejeitos, o que é um desenvolvimento bastante significativo para o setor, considerando que atualmente a matéria está em grande parte amparada em pareceres de órgãos integrantes da Advocacia Geral da União. Além disso, a proposta de resolução estabelece procedimentos para viabilizar o aproveitamento de rejeitos e estéril, bem como define situações que envolvam a localização e propriedade dos rejeitos.

Outra resolução aguardada para 2021 é a que deverá disciplinar a oneração de direitos minerários como garantia para financiamento. Ao contrário do que se costuma afirmar, a hipótese de criação de gravames sobre direitos minerários existe desde a edição do atual Código de Mineração, em 1967. Na prática, a oneração já foi efetivada diversas vezes pelo extinto DNPM. No entanto, o setor ressente-se de uma regulação mais detalhada, inclusive no que diz respeito aos procedimentos para a excussão dessas garantias.

A ANM também deverá editar resolução para disciplinar o Sistema Brasileiro de Recursos e Reservas Minerais. Trata-se de iniciativa importante para reforçar a inserção do Brasil como ator relevante no setor mineral, uma vez que o Sistema permitirá a adoção de padrões internacionalmente consagrados para se reportar recursos e reservas minerais. Isso permitirá a redução de assimetrias considerando as práticas atualmente adotadas no país, visto que os padrões internacionais usualmente empregados por investidores e empresas passarão a ser reconhecidos pela ANM.

Por fim, a ANM deverá apresentar nova disciplina sobre o plano de fechamento de mina. Essa iniciativa visa revisar e aprimorar as normas técnicas sobre o tema, editadas em 2001. Ademais, ao voltar seus olhos para o plano de fechamento de mina, que é um componente importante no aproveitamento de recursos minerais dado o seu caráter não renovável, a ANM alinha-se à política de sustentabilidade na mineração que vem sendo traçada pelo Ministério de Minas e Energia.

A síntese apresentada acima revela, portanto, a tendência de que a regulação setorial continue apresentado desenvolvimentos significativos em 2021, tal como ocorreu nos quatro anos anteriores. Essa tendência pode ser explicada não apenas pela reforma institucional representada pela criação da ANM, mas sobretudo considerando a complexidade e o dinamismo do setor. Seja como resposta a eventos específicos, seja em face de demandas criadas por novas técnicas ou por novas práticas, o fato é que a regulação setorial deve ser responsiva às demandas dos participantes e demais partes interessadas na atividade, até mesmo como medida de viabilização do próprio desenvolvimento da mineração.

*Adriano Drummond Trindade é sócio do escritório Mattos Filho.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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