iNFRADebate: Preservação da segurança jurídica pela ANEEL – Aplicação da REN 905/2020 para acréscimos de escopo em concessões de transmissão

Cesar Pereira*

  1. Introdução

Em 14 de dezembro de 2021, a diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) concluiu o julgamento do processo nº 48500.002828/2021-21, que dizia respeito à inclusão de um segundo banco de reatores de barra na Subestação Silvânia. 

A STE (Silvânia Transmissora de Energia S/A) havia firmado o Contrato de Concessão nº 10/2021 tendo por objeto a instalação, operação e manutenção da referida subestação com um banco de reatores de barra, a implantação da LT 500 Kv Silvânia-Trindade e outras instalações de transmissão. O contrato de concessão derivou de leilão (Leilão de Transmissão nº 02/2020-ANEEL) em que a STE e os demais licitantes formularam propostas baseadas em determinados deságios em relação ao valor-base indicado no edital.

A discussão submetida à diretoria da ANEEL consistia em determinar se a inclusão de um segundo banco de reatores (i) deveria ser feita mediante autorização de reforço, conforme previsão da Resolução Normativa ANEEL nº 905/2020, ou mediante aditivo contratual baseado no art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666, e (ii) se o valor a ser acrescido à RAP (Receita Anual Permitida) da concessão deveria ser o derivado do banco de preços da ANEEL, nos termos da REN nº 905/2020, ou adotar o deságio pressuposto pelo contrato de concessão.

O escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini representou a STE perante a ANEEL, com sustentações orais nas sessões de 28 de setembro de 2021 e 14 de dezembro de 2021 respectivamente pelos sócios Marçal Justen Filho e Cesar Pereira, em conjunto com Fernanda Danan, integrante da STE.

  1. Decisão da ANEEL

Por expressiva maioria de 4 a 1, a diretoria da ANEEL acolheu o voto-vista do diretor-geral, André Pepitone, no sentido de que a aplicação da REN nº 905/2020 era a solução contratualmente prevista para reforços ou melhorias, amplamente adotada na prática da ANEEL. 

O voto-vista foi proferido após voto do diretor-relator que entendia cabível realizar aditivo baseado na Lei nº 8.666, impondo alteração unilateral com ampliação de escopo e sujeitando a concessionária ao deságio original do leilão também em relação ao escopo adicional. 

  1. Fundamentos

No voto-vista, acolhido por todos os demais diretores e com opinião favorável manifestada na própria sessão pela Procuradoria Federal da ANEEL, o diretor-geral destaca diversos fundamentos para se adotar a solução pleiteada pela STE de aplicação da REN nº 905/2020:

  1. o contrato de concessão da STE prevê expressamente que as melhorias e reforços serão realizados nos termos de regulação específica da ANEEL;
  2. o art. 124 da Lei nº 8.666 somente permite a sua aplicação subsidiária às concessões regidas pela Lei nº 8.987 ou outros diplomas específicos em caso de lacuna, o que não existe neste caso diante da regulação específica veiculada por meio da REN nº 905/2020 e da previsão contratual de sua aplicação;
  3. a REN nº 905/2020 e os diversos precedentes de sua aplicação pela ANEEL – referidos pela STE em suas manifestações – constituem orientações gerais, nos termos do art. 24 da LINDB, na redação da Lei nº 13.655, o qual impede a sua desconsideração pela ANEEL (segundo o voto-vista, seria incomum e contrária às orientações gerais da ANEEL “a opção pela genérica alteração unilateral de contrato prevista na Lei nº 8.666/93 para os fins que se discutem neste processo, caminho que, caso adotado, constituirá inovação regulatória feita em caso concreto, em contrariedade à prática administrativa reiterada e à regulação vigente, o que é proibido pelo art. 24, da LINDB”);
  4. o art. 9º da Lei 13.848, que disciplina as agências reguladoras, impõe que qualquer alteração de ato normativo de efeito geral, como a REN nº 905/2020, siga procedimento regular, inclusive com consultas públicas e participação dos setores interessados (nos termos do voto-vista, “a Agência não pode alterar atos normativos de interesse geral sem se submeter ao prévio controle de participação social viabilizado pela consulta pública”);
  5. a desconsideração do regime da REN nº 905/2020 frustraria a lógica econômica da participação dos agentes em leilões de transmissão, pois o deságio é apresentado em face de um escopo global definido no edital e no contrato, não podendo ser extrapolado para cada elemento específico do escopo para a precificação de um escopo adicional;
  6. análise específica da lógica econômica da proposta no leilão.

Sobre esse último ponto, que traduz a compreensão aprofundada da análise econômica da formulação da proposta em leilões de transmissão, o voto-vista formula as seguintes considerações:

31. Sob o ponto de vista econômico, interessa-nos refletir sobre a RAP ofertada pelos participantes do certame. Muito embora a ANEEL utilize parâmetros objetivos no cálculo da RAP máxima do leilão, tais como Banco de Preços ANEEL, prazo de implantação ou prazo de outorga, não se sabe, ao certo, o papel que cada elemento cumpre na composição da RAP ofertada pelo Agente. Há inevitável assimetria de informações quanto aos custos em que o agente econômico irá incorrer, quanto à participação de cada elemento no custo total, quanto ao prazo para conclusão da obra e eventual antecipação, quanto à taxa de retorno do projeto, enfim, quanto às muitas variáveis consideradas na tomada de decisão. 

32. Na realidade, esta é uma característica intrínseca à modalidade escolhida para a contratação do serviço de transmissão, de modo que não se pode afirmar – e, consequentemente, não se pode impor tal fato ao Concessionário – que o deságio obtido no conjunto se aplica individualmente a cada equipamento. 

33. Ao mesmo tempo, não sendo esta possibilidade conhecida quando da realização do leilão, é certo que a STE não poderia tê-la considerado na RAP ofertada. Não se trata, afinal, de prática reiterada da ANEEL, assim como não há qualquer previsão contratual ou regulamentação a respeito. 

34. Há, ao contrário, um consolidado arcabouço regulatório que estabelece a necessidade de emissão de resolução autorizativa de reforço, de sorte que impor algo diverso ao concessionário atentaria a princípios e valores conquistados ao longo de tantos e exitosos certames já realizados. Refiro-me à segurança jurídica, à previsibilidade, à transparência, ao tratamento isonômico entre os agentes e ao respeito aos contratos, e não cito todos. Se em um primeiro momento a medida significaria imputar menores custos ao usuário das instalações, é fato que um aumento na percepção de risco implicaria, em horizontes maiores, custos que em muitos superariam o benefício alcançado. 

  1. Conclusão: segurança regulatória e contratual

Ao proferir, por maioria expressiva, a decisão no processo nº 48500.002828/2021-21, a diretoria da ANEEL afastou qualquer dúvida acerca da diretriz de preservação da segurança jurídica também no setor de transmissão de energia elétrica. Nas palavras do voto-vista, que sintetizam bem esse ponto, busca-se “manter a segurança jurídica no ambiente regulatório e a salvaguarda a direitos e deveres já constituídos na regulação e nos contratos de concessão”.

A decisão mostra a consciência da ANEEL acerca das condições econômicas que informam a formulação de propostas nos leilões de transmissão e sua preocupação com a preservação da segurança regulatória e contratual. A decisão também se destaca por aplicar de modo expresso o art. 24 da LINDB, editado precisamente para reforçar a segurança jurídica nas decisões administrativas, jurisdicionais ou de controle.

*Cesar Pereira é sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini. Doutor em Direito Administrativo (PUC-SP). FCIArb.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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