iNFRADebate: Por que o Brasil precisa alterar a lei de Debêntures Incentivadas?

André Salcedo*

Não há dúvida que a Lei 12.431/11, dentre outras medidas, que criou incentivos para investimento em infraestrutura via debêntures foi um sucesso. O histórico de emissões demonstra isso: até março de 2019 foram quase R$ 60 bilhões em emissões debêntures de infraestrutura.

Em igual medida, também há um consenso entre os participantes deste mercado de que existem evoluções importantes a serem feitas. Abordarei a que entendo ser a mais crítica e com maior impacto.

Os incentivos da lei têm produzido os seguintes efeitos:

  • Pessoas físicas investindo em debêntures de projeto: atraídos pelos incentivos fiscais e remuneração acima das aplicações convencionais, grande parte da base de investidores em debêntures de projeto são pessoas físicas. Entretanto, esses investidores, em sua grande parcela não entendem nem mensuram corretamente os riscos de um projeto de infraestrutura, ou seja, não há adequação ou suitability destes investidores para este tipo de ativo;
  • Projetos em implantação captando recursos de forma difusa com ampla base de investidores: projetos ainda em fase de implementação, visando capturar parte dos incentivos, emitem debêntures para uma base diversificada de investidores e, quando precisam pedir consentimento destes investidores (por ex.: adiar conclusão do projeto ou constituição de garantias), têm tido dificuldade nas assembleias de debenturistas muitas vezes por falta de quórum, o que pode colocar o projeto em risco.

Ambas situações são indesejáveis se buscamos o desenvolvimento do mercado para alcançar cada vez mais investidores e atrair investimentos para projetos de infraestrutura.

Uma forma de manter o acesso desses investidores (as pessoas físicas) a essa classe de ativos (debêntures de projeto de infraestrutura) seria por intermédio do fomento a fundos de investimento (FIDCs ou FIPs).

Os fundos de investimento regulados pela CVM, por contarem com uma gestão profissional, com equipe qualificada para analisar corretamente os riscos dos projetos e avaliar tomadas de decisões importantes, contribuem para a boa governança deste “ecossistema”.

Tive a oportunidade de liderar o time do BNDES na iniciativa pioneira no mercado ao lançar o primeiro Fundo de Energia Sustentável, com apoio da Climate Bonds Initiative, para investimento preferencialmente em projetos de energia com compromisso com a sustentabilidade.

O processo de seleção foi público e transparente, e a gestora selecionada foi a Vinci Partners. A oferta foi um sucesso e os R$ 500 milhões foram totalmente subscritos por investidores, e o BNDES ainda reduziu a sua participação na composição final para acomodar investidores interessados.

Regulação em Evolução

O maior obstáculo para o desenvolvimento deste segmento são as regras de enquadramento dos fundos.

A CVM fez sua parte, por meio da Instrução CVM nº 606, de 25 de março de 2019, alterou a Instrução CVM 555/2014 (que estabelece as regras para Fundos de Investimento), criando a classe de Fundos Incentivados de Investimento em Infraestrutura que aproximou a regulação da realidade do mercado, eliminando restrições desnecessárias e facilitando que novos fundos sejam lançados.

Falta ajustar a lei.

O Art. 3º da Lei 12.431 estabelece que, para um fundo ser incentivado, ele tem que ter investido 85% do seu patrimônio em títulos incentivados, sendo que, dos primeiros 6 meses até 2 anos, este percentual é de 67% (Art. 3º, § 1-A).

Esses pontos são os principais fatores que inibem o lançamento de novos fundos, dado que o gestor não quer correr o risco de lançar um fundo, captar recursos com investidores, vivenciar toda a burocracia e custos para viabilizar a emissão e listagem do fundo e, ao final do período, não ter conseguido alocar o montante estabelecido na lei.

Como fruto dessa situação é que, o patrimônio total dos fundos que investem nestes títulos era de R$ 5,6 bilhões, em outubro/2018, segundo a ANBIMA. Isso representa menos de 10% do estoque de debêntures emitidas. Se compararmos com o total da indústria de fundos de investimento (R$ 4,6 trilhões) o valor é inexpressivo.

Dilema do Ovo e da Galinha

A justificativa para o inexpressivo tamanho dos fundos de debêntures de infraestrutura é que com o pipeline de novas emissões incerto, é um risco muito grande montar um fundo dadas as regras de enquadramento.

Do lado dos emissores, eles colocam como restrição de novas emissões a ausência de clareza sobre se haverá ou não uma boa base de investidores para as emissões.

Fundos de Investimento Imobiliário: Um exemplo a ser analisado

Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”), instrumentos também incentivados, mas com uma regulação mais amigável.

Os FIIs surgiram em junho de 1993, com a Lei nº 8.668/1993, a partir de 2005, a atividade dos investimentos em fundos imobiliários para pessoas físicas aumentou devido à promulgação da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que as isentou de tributação a título de imposto de renda sobre os rendimentos distribuídos pelos FIIs.

A CVM, inicialmente regulou os FIIs por meio das Instruções CVM 205 e 206, ambas de 14 de janeiro de 1994. A Instrução CVM nº 205 foi revogada pela Instrução CVM nº 472/2008.

O veículo FII é isento de impostos para aplicações em ativos imobiliários (Artigo 15 da Lei 12.024: letras hipotecárias, certificados de recebíveis imobiliários, letras de crédito imobiliário e cotas de fundos de investimento imobiliário), sendo que Imposto de Renda incide somente sobre as receitas financeiras dos demais ativos (renda fixa ou variável).

Essa classe de ativos já soma quase R$ 80 bilhões em patrimônio líquido, construídos praticamente desde 2011.

Como funciona a Tributação dos Fundos na 12.431?

Os fundos, desde que enquadrados nos termos da 12.431 são totalmente isentos. Ou seja, mesmo que apliquem 15% em títulos públicos e 85% em ativos incentivados, a parcela em títulos públicos fica isenta de tributação. Em analogia, os Fundos Imobiliários, se aplicassem 15% em ativos financeiros que não se enquadrassem na Lei 12.024, recolheriam imposto, ou seja, ele manteriam a isenção nos 85% aplicados em ativos imobiliários e recolheriam imposto na parcela de 15% aplicada em títulos públicos.

Em resumo, há uma relação de custo x benefício na regra dos Fundos 12.431: aqueles que conseguem se enquadrar, tem isenção completa na carteira do fundo, mesmo que a parcela livre (33% até 2 anos e 15% em diante) seja aplicada em ativos não incentivados.

Proposta de Ajuste na Lei 12.431

A nova regra da 12.431 poderia trazer o conceito da Legislação dos FIIs (isenção somente na parcela investida em títulos incentivados – debêntures de infraestrutura ou cotas de fundos de infraestrutura incentivados). Um ajuste simples, sem invenções e usando como base um caso de sucesso.

Com relação ao enquadramento, o prazo poderia ser unificado em 2 anos e o percentual reduzido para 50% do patrimônio investido nestes títulos.

A mudança permitiria, além do aumento do número de fundos, o possível surgimento de fundos com cotas negociadas em bolsa (nos mesmos moldes dos FIIs) sem prazo de duração representando uma fonte perene de investimento.

Essa flexibilização permitiria um aumento na base de investidores para projetos de infraestrutura, com claros benefícios para o mercado de capitais e na atração de uma nova fonte de recursos para o setor.

*André Salcedo é engenheiro do BNDES, membro do Laboratório de Inovação Financeira e da Iniciativa Brasileira de Finanças Verdes.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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