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iNFRADebate: PNL 2035 – Avanços do planejamento integrado de transportes no Brasil e um próximo passo fundamental

David Goldberg* e Luiz Soggia**

Introdução

A EPL (Empresa de Planejamento e Logística) disponibilizou em consulta pública o PNL 2035 (Plano Nacional de Logística 2035), documento de grande importância para o planejamento integrado de transportes no Brasil. Como principais objetivos da ferramenta, depreende-se: (i) sistematizar e integrar todo o ciclo de planejamento de transportes em nível federal; (ii) subsidiar a elaboração dos Planos Táticos Setoriais, que disporão de ferramental tecnológico e informacional robusto para a priorização e implantação de ações e projetos com maior assertividade federal; e (iii) tornar possível que o Poder Público e a sociedade interessada compare e aprecie diferentes cenários de infraestrutura, com a utilização de parâmetros transparentes.

A EPL prevê que o PNL terá caráter dinâmico e perene, sendo revisado anualmente e atualizado a cada quatro anos, de forma a buscar a melhoria contínua das suas práticas de planejamento. Tal prática, se de fato implantada, é digna de elogios e deverá consolidar a EPL como um relevante ator no setor de transportes e logística brasileiro, uma vez que estes ciclos de revisão e de coleta de novos subsídios dos agentes de execução (em seus diferentes níveis) deverão alavancar a ferramenta a novas e importantes funções.

Este breve artigo traz uma visão dos autores acerca dos avanços metodológicos e suas implicações para cumprimento dos objetivos, e procura contribuir com algumas ideias acerca das funções a serem almejadas nos próximos ciclos de revisão dos instrumentos de planejamento, tendo em vista orientar as decisões de política pública que melhor atenderão determinados objetivos, bem como definir as melhores formas de alocar os recursos finitos (isto é, as mais eficazes para se atingir os objetivos), e priorizá-las.

Avanços trazidos pelo PNL 2035

Dentro da hierarquia dos instrumentos do planejamento integrado de transportes1, o PNL tem importância basilar, servindo de referência para o planejamento setorial e de parcerias. Embora o PNL não tenha um caráter vinculativo, deverá ser utilizado cada vez mais como base para os mesmos e ganhará importância concreta. A aderência às projeções do PNL ou aos planos a ele vinculados (ex. Planos Mestres portuários) serão avaliadas em qualquer processo ligado a contratos de concessão no setor de transportes.

Em nossa visão, o PNL em sua atual versão tem o grande mérito de retomar a capacidade do Poder Público de estruturar e avaliar criticamente projetos de infraestrutura de transporte, e mensurar seus impactos. Tal capacidade é extremamente importante no nível tático e operacional da gestão dos transportes, deixando menos vulneráveis os agentes públicos em suas tomadas de decisão e diminuindo assimetrias de informação entre agentes públicos e privados.

O PNL 2035 trouxe importantes melhorias em relação à última versão, sendo a principal a integração efetiva dos subsistemas rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário. Ainda, sem a pretensão de ser exaustivo, destaca-se: a atualização da data base e qualificação da matriz Origem-Destino para 2017; um maior detalhamento das zonas de tráfego (de microrregiões para municípios); e a inclusão do fluxo de passageiros no planejamento de transportes. 

Tais ferramentas, hoje dominadas pelo Minfra (Ministério da Infraestrutura)/EPL2 (como nos revela o PNL 2035), são o pré-requisito para a evolução do planejamento de transportes em seu nível estratégico. Este será o foco das contribuições feitas a seguir, com o intuito de aprimoramento de versões futuras, que não seriam possíveis sem as evoluções verificadas no PNL 2035.

Contribuições aos próximos ciclos de revisão dos instrumentos de planejamento

O planejamento é importante na medida em que orienta as decisões de política pública que melhor atenderão determinados objetivos. A própria Portaria 123/2020 do Minfra, em seu Art. 4º, define que o Plano Nacional de Logística será o referencial de planejamento para a identificação de necessidades e oportunidades presentes e futuras de oferta de capacidade dos subsistemas de transporte, recomendando estudos de novas infraestruturas e a melhoria em infraestruturas existentes no âmbito do Planejamento Setorial.

Nesse sentido, enxergamos três melhorias/complementos estruturantes, que permitiriam utilizar o PNL como instrumento de gestão, auxiliando na visão de priorização de obras que devem ser destravadas e dando maior fundamentação e transparência às decisões de política pública no setor (incluindo a seleção e priorização de projetos a serem implantados).

  1. Aprimoramento de indicadores socioeconômicos, permitindo a comparação e avaliação de cenários futuros de infraestrutura

Em sua versão atual, o PNL trata a relação de empreendimentos previstos (Cenários 2 a 6) como um fator exógeno, quando sua definição deveria ser objeto do próprio planejamento de transportes. Não obstante outros cenários sejam apresentados no Plano, as análises apresentadas não possibilitam afirmar que aquele conjunto de empreendimentos previstos é o que resulta em maior valor socioeconômico, dentre as diversas possibilidades.

Para tanto, seria oportuno rever o conjunto de indicadores socioeconômicos utilizados para a qualificação dos cenários. Ao quantificar apenas benefícios econômicos e seus drivers, o PNL 2035 conclui que os empreendimentos previstos gerarão benefícios ao país – entretanto, não sabemos a qual custo econômico de implantação e operação, nem tampouco temos segurança de que não haveria outro ou outros cenários de infraestrutura alternativos que gerariam ainda mais valor.

Nesse sentido, é importante reconhecer que os custos econômicos com o desenvolvimento de infraestruturas de transportes são significativos, e a ferramenta de planejamento deve auxiliar o governo a racionalizar os recursos empregados (além dos custos diretos, sua implantação também gera externalidades negativas). Por exemplo, implementar uma nova infraestrutura que não reduza custos de transporte vis a vis as soluções existentes provavelmente destruirá valor econômico.

É inegável que existem importantes trade-offs de política pública subjacentes à definição do portfólio de empreendimentos apresentado nos Cenários 2 a 6. Alguns exemplos:

  • Orientação ao uso de recursos da prorrogação das ferrovias EFC (Estrada de Ferro Carajás) e EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), via investimento cruzado. Quais aplicações geram o maior valor socioeconômico (benefícios subtraídos dos custos)? (Fico [Ferrovia de Integração Centro-Oeste]/Fiol [Ferrovia de Integração Oeste-Leste], nova ferrovia no Pará, nova ferrovia no ES etc.);
  • Nova Transnordestina. Os custos incorridos para concluir e operar o ativo compensarão os benefícios gerados (independentemente do que já foi ali despendido)? Haveria usos desses recursos que gerariam maior benefício socioeconômico? 
  • Corredor Ferrogrão/ Hidrovia Tapajós x Corredor BR-163/ Hidrovia Tapajós x Corredor Fico-Fiol até Lucas do Rio Verde x Corredor Malha Norte (que não aparece no plano, embora seja uma intenção publicamente discutida). Os volumes justificam economicamente todos os empreendimentos? Caso contrário, quais gerariam os maiores valores socioeconômicos e deveriam, assim, ser priorizados?

Neste aspecto, seria importante redefinir os indicadores utilizados para orientar as melhores alternativas. Com base em outro documento de referência do Governo Federal (e, destaque-se, tecnicamente impecável), sugere-se utilizar os preceitos definidos no Guia Prático de Análise Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura (Ministério da Economia, 2020), que fornece diretrizes e recomendações a fim de padronizar a metodologia de avaliação de projetos, visando sua aplicação sistemática à seleção e priorização de investimentos. A consolidação das técnicas apresentadas neste documento com a ferramenta desenvolvida pela EPL faria com que o planejamento integrado de transportes no Brasil atingisse outro patamar de relevância, aproximando o país das melhores práticas mundiais. 

  1. Priorização de projetos de novas infraestruturas e expansões, definindo o foco de atuação do Poder Público dentro de um amplo portfólio a ser desenvolvido

Tão importante quanto a definição de um cenário “ótimo” é utilizar a ferramenta de forma a poder testar projetos relevantes individualmente ou organizados em subconjuntos (por exemplo, no caso de corredores logísticos), verificando aqueles que trazem um valor socioeconômico mais elevado – e que, portanto, deveriam ser priorizados dentro dos esforços para sua efetiva implantação. Esforços de priorização de investimentos que não partam de uma análise comparativa dos impactos socioeconômicos, baseada na atual ferramenta empregada no PNL, podem produzir efeitos econômicos subótimos.

Em tais análises frequentemente serão confrontadas alternativas de implantação de novas infraestruturas com a recapacitação das existentes, devendo-se para este fim apurar os benefícios e os custos econômicos associados. Todavia, para avaliar os cenários de recapacitação, seria preciso simular demandas com a capacidade irrestrita e comparar os resultados com as demandas empregando capacidades restritas. 

Isto seria uma evolução do PNL 2035 publicado que, salvo mal compreensão de nossa parte, revela apenas os resultados da malha com capacidades restritas. Assim, na modelagem realizada, uma vez atingidas as capacidades terrestre e/ou portuária os volumes são redirecionados a outras soluções logísticas. Mas qual solução produziria o melhor custo-benefício econômico? Seria melhor investir para expandir a capacidade dos portos ou ferrovias saturados (maiores custos de implantação no curto prazo), ou seria mais benéfico a carga seguir por outra rota (maiores custos de transporte ao longo do tempo)?

Respeitando a hierarquia do planejamento, o PNL 2035 não precisaria endereçar todos os trade-offs existentes, mas apenas aqueles que envolvem decisões entre rotas que afetam diferentes modais e/ou UFs e, portanto, não podem ser equacionados em planos setoriais ou por entes federativos distintos.

Uma vez que haja um processo de planejamento arquitetado para as decisões mais estratégicas, conforme discutido, a poderosa ferramenta desenvolvida pela EPL abrirá um novo horizonte de possibilidades de análise de políticas públicas importantes. Além da definição de empreendimentos prioritários (expansões ou novas infraestruturas), poderiam ser avaliados impactos de evoluções dos marcos regulatórios (como estimado para a BR do Mar a partir do confronto dos Cenários 4 e 2). 

Um outro interessante exemplo seria avaliar os ganhos econômicos decorrentes do fim da chamada “guerra fiscal”, que tem como subproduto distorções logísticas – tais como cargas de importação sendo desembarcadas em uma UF, migrando para outra UF para serem desembaraçadas, e depois seguindo para uma terceira UF ou à UF de desembarque para serem consumidas. Se fôssemos capazes de unificar todos os impostos incidentes na importação e nos transportes, como esses fluxos se reconfigurariam? Quanto de custo econômico seria poupado?

  1. Inclusão da dimensão de armazenagem no planejamento logístico

A ausência de estruturas de armazenagem em quantidade e distribuição geográfica adequadas pode fazer com que as cargas façam rotas sub-ótimas do ponto de vista dos custos de transportes, ou, no limite, inibam a própria produção e consumo, a depender da circunstância. Ainda que a solução de déficits de armazenagem sejam – em tese – mais simples do que a de infraestruturas de transporte, identificar tais ocorrências, mensurar seus impactos e propor soluções podem ser relevantes para a consecução dos objetivos principais do esforço de planejamento.

Particularmente no que tange aos granéis agrícolas, seria conveniente simular cenários alternativos de transporte e armazenagem em instantes de pico de solicitação, identificando gargalos que podem não ser perceptíveis em uma simulação que considere volumes anuais. 

Conclusões

Desenvolvida por uma renascida, recapacitada e agora experiente EPL, o PNL 2035 marca a retomada da capacidade do Poder Executivo de estruturar e avaliar criticamente projetos de infraestrutura de transporte, e mensurar seus impactos.

Enxergamos que as melhorias/complementos estruturantes citadas neste artigo, se implantadas em um próximo ciclo de atualização do PNL, permitiriam seu emprego como um instrumento efetivo de gestão estratégica do setor de transportes. Enxergamos que a construção e avaliação de diferentes portfólios de infraestrutura (através do aprimoramento dos indicadores socioeconômicos, sendo ótima referência o Guia de ACB do Ministério da Economia) e a priorização de projetos de novas estruturas e de expansões com base na própria ferramenta (definindo o foco de atuação do Poder Público) são os próximos degraus a serem almejados nesta relevante ferramenta de planejamento integrado de transportes. Em complemento, a incorporação da perspectiva da armazenagem em suas simulações tornaria a ferramenta ainda mais efetiva para o planejamento.

Comente-se, por fim, que ocasionalmente pode ser necessário ao Poder Executivo acelerar ações que não seriam prioritárias sob a ótica estrita dos impactos socioeconômicos, como parte de um legítimo processo político que envolvem outros stakeholders, inclusive fora do meio de transportes. Para estes casos, o PNL também seria útil para expor as motivações de forma transparente, contribuindo para amadurecer uma cultura de privilegiar as decisões mais técnicas e qualificar o debate acerca da implantação de projetos de infraestrutura no país.

1 Instituído pela Portaria nº 123, de 21 de agosto de 2020, do Ministério da Infraestrutura.
2 Nota-se que a presente gestão promoveu a EPL de candidata à liquidação a uma valorosa caixa de ferramentas do Minfra. Além da elaboração do PNL 2035, sua equipe tem estruturado projetos e elaborado estudos de viabilidade para importantes concessões e arrendamentos portuários.
*David Goldberg é bacharel e mestre em Engenharia Naval pela USP, MBA pela Iese Business School e sócio da Terrafirma Consultoria.
**Luiz Soggia é bacharel e mestre em Engenharia Naval pela USP e sócio da Terrafirma Consultoria.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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