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iNFRADebate: O velho oligopólio do ônibus e a nova economia se enfrentam na Câmara dos Deputados

Giovani Ravagnani*

A Câmara dos Deputados será palco, nos próximos dias, de uma votação emblemática, pois opõe com clareza dois polos antagônicos: é uma disputa que revela como o velho Brasil tenta impedir a chegada do novo. Em pauta está o Projeto de Lei 3.819/2020, que traz mudanças na regulamentação das linhas de transporte rodoviário de passageiros – e mexe com a vida de mais de 100 milhões de brasileiros que dependem de ônibus para viajar pelo país.

O velho Brasil está bem representado nesta disputa pelo sr. Clayton Vidal, dono da viação Catedral Turismo e que simboliza o lobby dos barões dos ônibus rodoviários na Anatrip (Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros). Em um artigo cheio de fantasias e fake news, veiculado aqui na Agência iNFRA, ele defende os próprios interesses e os de empresários que formam um oligopólio que há décadas domina o sistema de transporte rodoviário no Brasil.

Já o novo está representado pela tecnologia disruptiva do chamado “fretamento colaborativo”, que nada mais é do que um sistema online no qual passageiros se organizam e dividem a conta final do frete. Um modelo que é resultado da parceria entre fretadores (setor que reúne mais de 60 mil veículos) e a startup brasileira Buser, empresa pioneira e líder na intermediação entre viajantes e pequenos e médios empresários de ônibus.

Esse sistema colaborativo e informatizado é semelhante ao já consagrado no mundo todo por empresas como a Uber e a 99. Quem não se lembra das polêmicas entre táxis e a Uber alguns anos atrás? Na época, taxistas enxergavam a tecnologia como adversária. Motoristas de aplicativos chegaram a ser agredidos fisicamente, carros foram quebrados. Houve até protesto criticando a chegada dos novos entrantes nas ruas do país. Toda a confusão foi turbinada por um vácuo na legislação, que não acompanhou a velocidade das mudanças trazidas pela tecnologia.

Outro bom exemplo é o Airbnb, que revolucionou a maneira como as pessoas se hospedam por todo o mundo. Quem estava acostumado a locar casas por meio de imobiliárias teve de se reinventar. São dois exemplos de modelos de negócios disruptivos que chegaram com mudanças e polêmicas, mas que, enfim, se estabeleceram – e trouxeram inúmeras vantagens para todos os envolvidos. Hoje é difícil concordar com quem critica esses modelos, que se consagraram no gosto do público depois de se consolidarem no ambiente regulatório e nos tribunais.

O fretamento colaborativo no Brasil segue o mesmo caminho de inovação trilhado pela Uber e pelo Airbnb. Mas ainda vive uma fase de travessia, na qual grupos interessados em manter privilégios espalham fake news e tentam embaralhar argumentos para defender interesses próprios.

Um exemplo é quando o presidente da Anatrip defende o PL 3.819/2020 alegando tratar-se de uma medida antiBuser. Ele esquece de dizer que a Buser é uma empresa de tecnologia que tem como principal atividade a intermediação de viagens (“fretamento colaborativo”). Ou seja, a Buser não opera o fretamento, apenas intermedeia operadores autorizados a fazê-lo. Portanto, a atividade da Buser é regulamentada pelo Código Civil, e o serviço de transporte prestado pelos parceiros da empresa é regulamentado por lei e pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Outra das fantasias levantadas pelo presidente da Anatrip é sobre a questão do pagamento de impostos. As empresas de fretamento também recolhem tributos (IRPJ, PIS, Cofins, ICMS, IPVA). As isenções de ICMS, no entanto, não se aplicam ao modelo de fretamento turístico/eventual, que recolhe IPVA sobre a frota e não se beneficia de isenções estaduais aplicáveis ao setor regular e a outros modelos de fretamento. Além disso, a Buser recolhe imposto sobre serviço (ISS) na atividade de intermediação.

A divergência da Buser com relação ao PL 3.819/2020 está no fato de que o texto atual – para o qual defendemos alterações – contraria a lógica da abertura do transporte rodoviário de passageiros com a criação de novas barreiras que limitam, sobretudo, pequenos empresários. Mas também pela manutenção de entraves previstos em norma infralegal, já consideradas pela ANTT e pelo governo como barreiras de mercado que nada contribuem para o aumento da segurança e eficiência no transporte. Entendemos que mais agentes, mais linhas, mais cidades conectadas, mais pessoas diretamente atendidas e mais acesso aos benefícios tarifários e gratuidades são fatores positivos, e que incentivam a melhoria da qualidade dos serviços, contribuindo também para a redução de preços das tarifas.

É para manter o cenário restrito e oligopolizado do jeito que está atualmente que o presidente da Anatrip defende a aprovação do PL 3.819/2020, pois o texto vai frear o movimento de abertura de mercado, que é pouco competitivo e tem apenas 10 grandes empresas responsáveis por 53% da operação de todas as linhas (sem contar o fato de pertencerem a grupos econômicos comuns), e que 60% dessas linhas são operadas por apenas uma empresa, conforme dados da própria ANTT. Não é possível defender a manutenção dessa situação como se isso fosse favorável ao consumidor.

O projeto também propõe a sustação de mais de 15 mil linhas outorgadas pela ANTT a partir do fim de outubro de 2019, prejudicando milhões de pessoas em 1.069 municípios. Dentre essas cidades, 481 nem sequer contavam com atendimento pelo transporte rodoviário de passageiros entre estados.

O próprio ME (Ministério da Economia), no Parecer 13.368 de 2020, entende que o projeto não deve prosperar. O ME afirma que, se aprovado, “o PL tende a prejudicar o consumidor do serviço de TRIIP (transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros) na medida em que propõe a criação de barreiras à entrada de novos prestadores de serviço e instrumentos regulatórios que inibem a competição e a busca pela eficiência, com reflexos potencialmente negativos à qualidade e preços dos serviços ofertados aos usuários, em direção contrária às boas práticas adotadas no setor de transporte de passageiros”.

Já a ANTT admite, em nota técnica, que a proposta do texto está em evidente conflito, causando grande insegurança jurídica, não somente aos contratos de permissão de transporte rodoviário interestadual semiurbano, como aos serviços regulares de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros.

Quando a Anatrip afirma que o projeto de lei é necessário para regulamentar a concessão de autorizações, dá a falsa impressão de que o mercado é desregulado, quando na verdade a realidade é justamente o contrário.

É nítido que o projeto, que prevê também a proibição da intermediação na contratação do transporte no fretamento colaborativo, surgiu com o objetivo de frear a inovação e outros modelos de negócios que ganharam a adesão da população. Não se trata de uma guerra contra as agências e agentes de turismo e eventos, ainda que estas também tenham como escopo a intermediação do transporte turístico ou eventual. A guerra declarada é contra as empresas de tecnologia, especialmente a Buser, como o presidente da Anatrip fez questão de declarar.

Enquanto os deputados se debruçam sobre o PL 3.819/2020, é importante reconhecer o movimento feito pelo governo federal nos últimos anos, desde o governo Dilma, no sentido de abrir o mercado. Isso trará reflexos positivos, à medida em que mais cidades serão atendidas, o preço das passagens tende a cair e as novas tecnologias trarão mais segurança para os passageiros. São essas mesmas inovações que permitem a expansão do transporte fretado para rotas não atendidas pelo sistema regular de passageiros, servindo como importante ferramenta de democratização e inclusão de usuários e prestadores de serviços no mercado, e de expansão do transporte interestadual a todo o território nacional, de forma complementar e não subsidiária à atuação do transporte rodoviário regular. Só a Buser, por exemplo, tem cerca de quatro milhões de pessoas cadastradas em todo o Brasil e já intermediou mais de 2,5 milhões de viagens, das quais 20% não teriam ocorrido se não fosse pela plataforma que o projeto de lei pretende extinguir.

Por fim, é importante esclarecer que a Buser não defende um sistema em detrimento do outro. Entendemos que ambos são necessários e complementares. É saudável que o consumidor tenha opções e liberdade de escolha.

Enquanto o velho oligopólio esperneia frente a recorrentes derrotas na Justiça, e faz de tudo para manter seus privilégios, a Buser e os fretadores defendem a inovação e a saudável concorrência. Confiamos na sabedoria dos deputados federais para permitir a evolução do setor.

*Giovani Ravagnani é diretor jurídico da Buser.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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