iNFRADebate: O que a agenda regulatória da ANTT reserva para o setor de logística neste biênio 2023/24?

Rafael Fernandes, Mariana Avelar, Caroline Batista, André Curiati e Alexandre Mundim*

Ao fim de novembro de 2022, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) publicou a Deliberação 358/2022, na qual consta sua Agenda Regulatória para 2023/2024. Divididos em cinco eixos temáticos, foram indicados mais de 30 temas como prioridade regulatória para o próximo biênio. 

Abaixo os principais aspectos de interesse para o setor de logística, nos âmbitos do transporte rodoviário e ferroviário. 

Temas comuns aos setores rodoviários e ferroviários
A ANTT pretende implementar um sistema de governança nos contratos de concessões rodoviária e ferroviária, desenvolvendo ferramentas que a auxiliem na gestão contratual. Para isso, a agenda regulatória estabelece a regulamentação da inspeção acreditada e do Comitê de Resolução de Conflitos (Dispute Board).

A inspeção acreditada consiste na verificação da aderência de projetos de engenharia e obras ao contrato de concessão e a normas técnicas, sendo realizada por um OIA (Organismo de Inspeção Acreditado) pelo Inmetro e contratado pela concessionária. 

Sua adoção atende a duas finalidades principais: (i) assegurar a qualidade técnica dos projetos e obras apresentados pela concessionária, e (ii) atribuir maior celeridade ao processo de recebimento dos projetos e obras pela ANTT. 

O dispute board, por sua vez, é mecanismo de prevenção e resolução de controvérsias voltado ao acompanhamento da execução contratual e ao apoio às partes na solução de discussões de natureza técnica ou econômico-financeira. 

Sua atuação é relevante nos ciclos de investimentos das concessões, etapa que tende a gerar mais conflitos entre as partes, dada a quantia de recursos a serem despendidos pela concessionária e a complexidade técnica das intervenções. A presença do comitê, nesse sentido, contribuiu para a eficaz e rápida solução de conflitos, possibilitando que os investimentos sejam tempestivamente realizados.

A regulamentação proposta pela ANTT endereça condicionante do TCU (Tribunal de Contas da União). Para a Corte de Contas, seria necessária norma específica da agência sobre o tema. 

Rodovias
No eixo temático de infraestrutura rodoviária federal, a principal prioridade da ANTT para o próximo biênio é a publicação dos RCRs (Regulamentos de Concessões Rodoviárias) ainda pendentes. 

Trata-se de esforço empreendido pela agência para uniformizar e consolidar o tratamento regulatório de diversos temas de concessões rodoviárias, até então disciplinados de forma individual por cada contrato ou de forma esparsa por uma miríade de resoluções. 

Planeja-se para o biênio de 2023/2024 a publicação das três normas remanescentes, que versarão sobre a alocação de riscos e manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária (RCR3), mensuração de desempenho, fiscalização e penalização das concessões rodoviárias (RCR4), e resolução de controvérsias e encerramento contratual (RCR5). Os RCR4 e RCR5 ainda se encontram em fase de estudos, tendo o primeiro se tornado recentemente objeto de reunião participativa no âmbito da ANTT, mas o RCR3 já teve sua minuta publicada e submetida a procedimento de audiência pública.

Tal minuta, ademais, traz a primeira regulamentação da ANTT voltada à implementação do sistema de livre passagem (free flow), outro dos temas incluídos na Agenda Regulatória 2023/4 e que deve ser prioritário para a agência no próximo biênio. 

Sobre o free flow, o tema vem ganhando repercussão no setor e hoje já surgem os primeiros contratos licitados que preveem a adoção obrigatória do sistema. 

A multiplicidade de medidas regulatórias publicadas ou em estudo no setor, contudo, não oferece motivos para encerrar a discussão sobre o tema. Pelo contrário, persistem as incertezas quanto à operacionalização e conversão do sistema de cobrança por praças de pedágios ao sistema de fluxo livre, razão adicional pela qual a confirmação do free flow na nova agenda regulatória da ANTT é bom sinal.

O eixo temático de infraestrutura rodoviária federal da agenda regulatória ainda prevê para o biênio 2023/2024 a revisão do processo de fiscalização econômico-financeira da infraestrutura rodoviária, com vistas à simplificação de custos da metodologia atual e à implementação dos pontos de parada e descanso para caminhoneiros, regulamentados ao fim de 2019.

Ferrovias
No setor ferroviário, aguarda-se a continuidade do processo de regulamentação do Marco Legal do Setor Ferroviário. Nesse sentido, a ANTT anuncia que pretende disciplinar o procedimento para o chamamento público para a identificação e seleção de interessados em obter autorizações. 

O Ministério da Infraestrutura disciplinou parte do tema no Decreto 11.245/2022 e definiu a competência da ANTT para instaurar o processo de chamamento. Tal decreto deixou algumas lacunas que devem ser preenchidas pela ANTT, como o chamamento para a devolução de trechos, que carece de critérios para se conferir segurança jurídica na verificação da ociosidade de trechos vinculados às concessões vigentes. 

A ANTT perpetua na agenda regulatória de 2023/2024 o polêmico tema da regulamentação das operações acessórias no transporte ferroviário de cargas. Atualmente, essas operações  são prestadas em regime de liberdade de preços, mas isso não é imune a críticas. Usuários entendem que há abusividade na cobrança e na delimitação do objeto das operações acessórias e o TCU tem pressionado a ANTT para agir. 

Em 2021, a ANTT apresentou algumas soluções. Destaca-se a sugestão de criação do Ipoa (Indicador de Participação das Operações Acessórias na Receita de Transporte), cujo intuito de estabelecer um parâmetro para a cobrança dos preços nas operações acessórias não gerou consenso entre stakeholders. Com a promulgação do marco legal do setor, a regulamentação deste ganhou premência na agência, retirando o foco das discussões referentes às receitas acessórias. Cabe à ANTT ponderar os interesses entre concessionárias e usuários e oferecer uma solução regulatória adequada. 

Além disso, é possível observar que está no radar da ANTT a disciplina de aspectos sensíveis das concessões ferroviárias, como a definição de serviço adequado e reversibilidade de bens. Com a proximidade do fim dos primeiros contratos de concessão ferroviária, o tema ganhou momentum. Para serem prorrogados, a ANTT precisa avaliar se o serviço foi prestado de forma adequada, já que esses contratos previam apenas o cumprimento de índices de produtividade e redução de acidentes, insuficientes para a avaliação do serviço. Se não forem prorrogados, a definição sobre os bens reversíveis é essencial para se conferir segurança jurídica e evitar litigiosidade.

*Rafael Fernandes, Mariana Avelar, Caroline Batista, André Curiati e Alexandre Mundim são membros da área de infraestrutura logística da Manesco Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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