iNFRADebate: O processo competitivo para contratação de novas obras da ANTT

Rafael Fernandes*

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) iniciou em 2022 a revisão da regulamentação aplicável às concessões de rodovias federais. A intenção da agência é a de consolidar as normas que regem os contratos do setor mediante a edição de novos regulamentos gerais – os RCR (Regulamentos das Concessões Rodoviárias).

Dentre os diversos temas abrangidos por essas normas, chama atenção a exigência de que as concessionárias realizem um processo privado competitivo para a contratação de obras com valor acima de R$ 50 milhões não previstas originalmente pelo contrato. Inserida no RCR 2, a proposta da agência prevê que as concessionárias terão de conduzir uma espécie de licitação privada, mediante a publicação de instrumento convocatório próprio, que defina as regras para a participação dos interessados no certame. 

A proposição do mecanismo não se deve a um experimento criativo do regulador. Pelo contrário, trata-se de reflexo direto da atuação do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre os contratos de concessão de rodovias geridos pela ANTT. Ao menos desde 2018, a Corte de Contas tem apresentado críticas ao procedimento de inclusão de novas obras nos contratos da agência. Em linhas gerais, os apontamentos realizados sustentavam que o mecanismo de inclusão de novas obras destes contratos incentivaria a realização de pleitos para a inclusão de novos investimentos em detrimento da execução das obras programadas para a concessão. 

O principal incentivo para esse comportamento estaria no fato de a inclusão dessas obras dar ensejo à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do projeto via fluxo de caixa marginal, que, no ambiente regulado da ANTT, tomaria como referência os valores das tabelas Sicro (Sistema de Custos Referenciais de Obras) e Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil) para estimar o custo das novas obras e de seu impacto sobre a concessão.

Os auditores do Tribunal sustentaram que os valores das tabelas de preço da administração seriam superiores às efetivas condições de mercado. De acordo com os apontamentos da Corte, a pretensa vantagem auferida pelas concessionárias seria capaz de compensar as perdas tarifárias ensejadas pelos descontos de reequilíbrio aplicados em função da inexecução de obras contratualmente previstas. 

O processo competitivo privado é o remédio proposto pela agência para equacionar a situação. A sua principal finalidade é evitar as distorções causadas pelo uso das tabelas Sicro e Sinapi mediante a submissão dos orçamentos relacionados às novas obras a um processo competitivo entre empresas privadas. Com isso, a agência deseja sujeitar o valor das novas obras a uma precificação de mercado, evitando pretensos sobrepreços. De quebra, a ANTT ainda aumenta os custos de transação associados à contratação de novas obras, desestimulando a realização de pleitos nesse sentido. 

Em que pese o mecanismo atender às preocupações do órgão de controle, do ponto de vista regulatório, a sua instituição não é das melhores alternativas.

A uma, porque o mecanismo é uma solução indireta para o problema que pretende equacionar. A exigência de um processo competitivo para equacionar as distorções ensejadas pelo uso de tabelas de preço da administração pública não só é medida que permite a continuidade da realização de estimativas distorcidas dos custos das novas obras, como também é medida que cria custos regulatórios desnecessários para o setor e distorce a alocação de riscos desses projetos.

Para além dos custos de transação, o processo privado competitivo demanda a elaboração de um instrumento convocatório próprio, que contenha não apenas as condições de habilitação técnica e econômico-financeira a serem atendidas pelos interessados, mas também o projeto executivo da obra e o seu orçamento sintético.

O atendimento a essas exigências representam, por si só, um incremento nos custos operacionais da concessão. No entanto, a previsão impacta ainda mais diretamente os instrumentos contratuais utilizados nesses projetos para gerenciar os riscos associados à execução de obras. Em regra, a concepção dos projetos de engenharia, a execução da obra e a sua entrega operacional são contratadas pelas concessionárias por meio de contratos de EPC (“engineering, procurement and construction”) – que transferem os riscos associados a cada uma dessas etapas ao empreiteiro contratado.

Ao exigir que o instrumento convocatório seja acompanhado de um projeto executivo e de um orçamento, ainda que sintético, da obra, o processo privado competitivo transfere à concessionária os riscos associados a esses documentos. Isso aumenta a exposição do privado durante a execução das obras e reduz a eficácia da contratação de terceiros como forma de gestão dos riscos do projeto.

Ao fim e ao cabo, o processo privado competitivo amplia as responsabilidades da concessionária e, em especial, a sua exposição a riscos – o que pode gerar incrementos nos custos de contratação da estrutura de seguros e garantias do projeto e, até mesmo, da própria estrutura de financiamento da concessão. A se considerar todo o contexto de sua implementação, o processo competitivo, muito embora bem intencionado, não apresenta o melhor custo-benefício para o setor. 

Por estar às voltas com os ecos das determinações do TCU, a ANTT parece deixar escapar soluções mais diretas para os problemas apontados pelo órgão de controle, como por exemplo, a revisão do vetusto uso das tabelas Sicro e Sinapi como referência para reequilíbrios – há tanto discutida no setor. 

Ainda há tempo para que a agência discuta alternativas para o aprimoramento dessa regulação. O RCR 2 acaba de ser submetido ao processo de participação social e passa, agora, a um momento de revisão. O RCR 3 – que tratará das normas de reequilíbrio das concessões – também deverá ser submetido, em breve, à discussão pública. A evolução do tratamento do tema nos parece necessária. Vale acompanhar os desdobramentos a seu respeito na regulação da ANTT.

*Rafael Fernandes é membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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