iNFRADebate: O ICMS sobre o fornecimento de combustível de aviação

Janssen Hiroshi Murayama*, Camila Cristina Magrille Molle** e Mariana Valença Guimarães***

Comumente, as distribuidoras de combustíveis figuram em dois tipos de operação de alienação de combustível de aviação: as vendas a revendedores e a venda direta ao consumidor final (nesta hipótese, os “revendedores” atuam como prestadores de serviço de estocagem e abastecimento).

Diante da complexidade dessa operação e do fato de, não raro, ela ser alvo de autuações fiscais indevidas para a exigência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), o presente artigo visa esclarecer a forma e os momentos da incidência do referido tributo na cadeia comercial de abastecimento de aeronaves, especialmente nas operações realizadas por intermédio de “revendedoras” (prestadoras de serviços de estocagem e abastecimento).

Tendo em conta as múltiplas especificidades da aviação civil, o mercado de combustível de aviação é estritamente regulado pelas resoluções da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Assim é que o abastecimento de aeronaves costuma envolver diversas figuras, com funções distintas, destinadas a viabilizar o percurso do combustível até o consumidor final (no caso, a companhia aérea). São elas: produtores, distribuidores, revendedores e consumidor final, conforme disposto nas Resoluções ANP 17 e 18/2006.

No caso das distribuidoras de combustíveis, aplica-se a Resolução ANP 17/2006, a qual estabelece, dentre outras coisas, que elas podem adquirir o combustível de produtores, de distribuidores ou no mercado externo1. Tratando-se de venda, elas podem comercializar o combustível de aviação com outros distribuidores, com revendedores ou, ainda, diretamente com o consumidor final2.

Conforme incisos II e III do art. 19 da referida resolução, são possíveis duas modalidades de operação: na primeira, a distribuidora vende o combustível para os revendedores e esses revendem ao consumidor final, ocasião em que ocorrem duas operações de venda de mercadoria; na segunda, a distribuidora vende diretamente ao consumidor final, ocasião em que ocorre uma única venda de mercadoria. 

Para que ocorra a venda diretamente ao consumidor final, o art. 19, III, da resolução em apreço determina que a distribuidora disponha de “instalação de tancagem localizada em Parque de Abastecimento de Aeronaves (PAA)”.

Por sua vez, o art. 21 da resolução3 autoriza que a venda diretamente ao consumidor final seja feita mediante serviços intermediados pelo revendedor autorizado.

Assim, eventualmente, a contratação do serviço de estocagem e abastecimento do revendedor pode ser necessária, uma vez que, pelas normas da ANP, o distribuidor somente poderá efetuar a venda direta ao consumidor final caso tenha uma instalação de tancagem localizada em um PAA.

Caso a distribuidora de combustível não possua um PAA, acaba por eventualmente utilizar as instalações dos próprios revendedores de combustíveis autorizados, contratando-os especificamente para o serviço de estocagem e abastecimento do combustível ao consumidor final, conforme autorizado pela Resolução ANP 17/2006.

É exatamente sobre esses casos a controvérsia envolvendo o setor de combustíveis e as Fazendas Públicas estaduais e distrital, já que o Fisco exige o ICMS sobre o que entende ter sido uma nova venda em razão da qual deveria ser recolhido o imposto.

Neste sentido, o esclarecimento de como ocorre a venda direta até chegar ao consumidor final, juntamente com as normas instituídas pela ANP sobre a cadeia de combustíveis, é de extrema importância para demonstrar a ilegalidade da exigência do ICMS sobre as operações desta natureza.

Isso porque, no caso da venda direta ao consumidor final, ocorre uma única transferência de mercadoria, na medida em que a remessa ao “revendedor” (prestador de serviços) ocorre apenas para fins da prestação de serviço de estocagem dos combustíveis e abastecimento final das aeronaves – providência necessária nas localidades onde a distribuidora não possui estabelecimento próprio –, não havendo que se falar em duas vendas. 

Em outras palavras, nessa operação o “revendedor” autorizado é mero prestador de serviços, que não participa da operação de compra e venda: não há, pois, circulação econômica de mercadoria com intuito lucrativo apta a ensejar a incidência do ICMS na remessa do combustível pela distribuidora ao “revendedor” (prestador de serviços), mas apenas na venda ao consumidor final.

O grande problema é que a grande maioria dos regulamentos estaduais do ICMS não permite o registro da venda do combustível da distribuidora ao consumidor final quando utilizado o “revendedor” autorizado como intermediador – apenas para a prestação dos serviços de estocagem e abastecimento das aeronaves –, pois o “revendedor” (prestador de serviços) não pode emitir nota fiscal de venda sobre o serviço de abastecimento de combustível, pelo simples fato de não ter ocorrido qualquer venda nesta etapa da cadeia operacional, mas apenas prestação de serviço.

Assim, ao não observar os fatos e negócios jurídicos subjacentes ao critério material da hipótese de incidência do ICMS acerca da venda de combustível de aviação diretamente ao consumidor nos moldes do art. 19, III, da Resolução ANP 17/2006, o fisco tributa uma venda que na verdade não ocorreu (e nem ocorrerá), que é a remessa do combustível da distribuidora para o “revendedor” (prestador de serviços).

Desse modo, nas hipóteses de venda direta do distribuidor ao consumidor final por intermédio do “revendedor” (prestador de serviços), é certo que não ocorrem “operações subsequentes” aptas a justificar mais de uma incidência do ICMS, havendo apenas a operação de venda do combustível da distribuidora ao consumidor final (companhia aérea).

Nota-se que a legalidade dessa modalidade de venda direta ao consumidor final é não apenas permitida pelas normas reguladoras do setor de combustíveis (ANP), mas também delas decorrente, não havendo, assim, qualquer irregularidade na operação.

Não obstante, as distribuidoras de combustíveis permanecem sujeitas às autuações, muitas vezes de valores exorbitantes, lavradas pelos Fiscos estaduais e distrital como resultado do não reconhecimento da referida operação, a qual é permitida pelo órgão federal competente.

Pende, pois, a profunda adequação dos regulamentos do ICMS dos estados e do Distrito Federal para que reflitam a realidade das operações efetivamente praticadas pelas distribuidoras de combustíveis neste cenário, a fim de que sua tributação se dê nos limites da hipótese de incidência do ICMS, prevista constitucionalmente.

Nas hipóteses em que a distribuidora não dispõe de PAA nos aeroportos, a venda de combustíveis por ela realizada diretamente ao consumidor final (companhia aérea) somente pode ser concretizada por intermédio do “revendedor” autorizado (prestador de serviços de estocagem e abastecimento).

Contudo, o ato de remessa do combustível ao “revendedor” (prestador de serviço) não é circulação de mercadoria com intuito de mercancia e, assim, não se sujeita ao ICMS, consistindo apenas em uma etapa obrigatória da única alienação efetivamente tributável na referida cadeia comercial, qual seja a venda feita pela distribuidora ao consumidor final.

Espera-se, assim, que as Fazendas estaduais e distrital promovam a adequação de suas legislações relativas ao ICMS nas operações desta natureza, de modo a possibilitar a convergência entre a realidade dos atos comerciais praticados e as obrigações instrumentais demonstrativas da incidência do imposto, evitando a autuação ilegal do contribuinte e trazendo mais segurança jurídica para todo o setor de distribuição de combustíveis.

1 “Art. 17. O distribuidor somente poderá adquirir combustíveis de aviação:
I – de produtor nacional ou de importador, autorizado pela ANP;
II – diretamente no mercado externo, quando se encontrar autorizado para o exercício da atividade de importação de combustíveis de aviação; e
III – de outro distribuidor de combustíveis de aviação autorizado pela ANP.
Parágrafo único. É vedada a importação de QAV-C.”
2 “Art. 19. Ao distribuir, somente será permitida a comercialização de combustíveis de aviação com:
I – outro distribuidor de combustíveis de aviação;
II – revendedor vinculado ou independente que possuir instalação de tancagem localizada em PAA autorizada pela administração aeroportuária local a operar, quando instalada em aeródromo público, ou pelo proprietário, quando em aeródromo privado; e
III – consumidor, para abastecimento de aeronaves, somente em aeródromo em que dispuser de instalação de tancagem localizada em PAA, e para entrega em instalação de ponto de abastecimento.”
3 “Art. 21.O distribuidor somente poderá comercializar combustíveis de aviação em localidades onde puder prestar, diretamente ou através de revendedor autorizado, controle de qualidade desses produtos e assistência técnica ao consumidor.”
*Janssen Hiroshi Murayama é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados. Graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e mestre em Direito Tributário pela Uerj.
**Camila Cristina Magrille Molle é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados. Graduada em Direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Extensão em Contabilidade Geral e Tributária pela FGV (Fundação Getulio Vargas).
***Mariana Valença Guimarães é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados. Graduada em Direito pelo Ibmec, com LL.M. em Direito Tributário pela FGV.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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