iNFRADebate: O Brasil merece energia elétrica a preço justo

João Carlos Mello*

A CPAMP (Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico) lançou uma consulta pública, a CP nº 121/2022, com o objetivo de aprimorar a metodologia de cálculo para os preços de energia no mercado de curto prazo, o PLD (Preço de Liquidação das Diferenças).

O governo federal, sob o comando do MME (Ministério de Minas e Energia), conduziu uma gestão de risco apropriada na crise energética de 2021, considerada a pior hidrologia dos últimos 90 anos. A solução foi a utilização de todo o parque térmico, junto com medidas excepcionais de gestão da demanda, para recuperar o balanço adequado entre produção e consumo de energia elétrica.

O resultado foi um ano 2021 com a energia num preço elevado por falta de chuva. Todos os consumidores pagaram e ainda estão pagando a conta. O preço bateu no limite do teto por semanas, senão seria ainda mais alto. A inflação sofreu com este sinal de preço no consumo.

A prática já demonstrou que a pura modelagem computacional com base estatística possui amplas virtudes numa banda operativa do SIN (Sistema Interligado Nacional) bem definida. Isto se verificou com maior ênfase com a inclusão dos parâmetros de aversão ao risco nos modelos em 2013. Mas, em um contexto de operações mais extremas, é necessária uma participação objetiva do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) buscando manter a segurança sistêmica com base em parâmetros físicos, que certamente são dominados pelo corpo técnico da entidade. Não existe modelo computacional capaz de incluir todas as particularidades da operação eletroenergética do SIN, principalmente em conjunturas singulares.

Ajustar um modelo de preços para respostas em situações críticas pode levá-lo a reagir de forma intensa em momentos nos quais não exista a criticidade real no SIN. Portanto, ajustar os modelos para que ele possa responder como deveria ter sido feito pelo operador ONS, em todas as conjunturas, não é prático do ponto de vista de mercado, com sinais de preços altos em várias circunstâncias, como aquelas simuladas nos relatórios fornecidos na consulta pública.

A proposta em discussão oferecida pelo CPAMP busca ajustar os modelos para as situações críticas recentes de qualquer jeito. Há um ditado popular consagrado de que “gato escaldado tem medo de água fria”, mas vamos com calma!

A cautela exagerada, priorizando de qualquer maneira o armazenamento nos reservatórios das hidrelétricas com um modelo mais conservador, pode gerar uma constante variação de preços, com perspectiva de aumento sempre que houver qualquer “soluço” na hidrologia futura.

A participação das hidrelétricas na matriz nacional se reduziu nas últimas décadas, no entanto é ainda uma parcela muito significativa. O maior desafio é a projeção de chuvas futuras e o nível mínimo de segurança do sistema que permita o despacho hidráulico futuro adequado. Ressalta-se que o sistema brasileiro não é capaz de pleno atendimento sem a geração hídrica, tornando a previsão de chuvas e aversão ao risco ainda mais importantes.

É certo que a pauta de aumento de custos com as térmicas não é popular, no entanto prevenir é necessário no cenário de incertezas na hidrologia futura. Alguma hesitação em postergar essa decisão, muitas vezes aumenta o custo final, pela necessidade de usar todos os recursos independentemente dos custos.

O fato é que em 2022 está chovendo e os reservatórios estão vertendo, ou seja, teremos energia barata daqui para frente, e o consumidor, que em 2021 “pagou a conta” da geração térmica, agora será recompensado. Além de beneficiar o consumidor, essa situação irá ajudar a economia e reduzir a inflação.

Em sentido oposto, a sugestão de mudança nos modelos traz em si uma probabilidade grande de que surjam acionamentos desnecessários de termelétricas, o que encareceria a energia elétrica.

O ONS, com a percepção clara de gestão do estoque nos reservatórios, procura não utilizar as térmicas mais caras. Notadamente, estas medidas visam economizar custos para os consumidores. Por sinal, a pauta de custos a mais para o segmento de consumo já é um desgaste muito grande, e sempre que não for necessária, deve ser adotada como a prioridade a redução.

O consumidor cativo das distribuidoras pagou uma conta de energia alta em prol da segurança de todo o SIN em 2021. Agora, com a situação mais tranquila nos reservatórios e o consequente fim da bandeira tarifária de escassez hídrica, o “caminho comum” seria o consumidor voltar a pagar contas mais comedidas. Porém, diante da proposta ora oferecida, esse mesmo consumidor poderá continuar pagando uma conta alta devido à mudança na metodologia de cálculo.

Os consumidores livres, que estão hoje contratados e protegidos contra estes aumentos, vão em algum momento recontratar sua energia. Uma tendência de alta de preços por ajustes demasiadamente fortes vai afetar seus contratos futuros. A tão desejada ampliação do mercado livre, que traz competição e eficiência, também pode ser afetada por preços artificialmente mais elevados.

Entendemos e alertamos acima que o modelo precisa sinalizar melhor o cenário hidrológico, mas valores muito altos em uma época de recuperação econômica para empresas e famílias não contribuirá com a retomada do país.

Diante desse cenário, é primordial que sejam estudadas métricas mais moderadas de inclusão de aversão ao risco nos modelos, de forma que acomodem o crescimento sustentável do país sem prejuízo a todos os consumidores de energia. Esse é um bem essencial, e uma mudança drástica na metodologia de preços pode gerar um grande impacto para os cidadãos.

Insistir em mudanças intensas é uma péssima notícia para os consumidores, que observariam aumentos de preços desnecessários e reflexos na inflação. Com as mudanças propostas poderemos estar triplicando os preços em um momento em que os consumidores e a economia brasileira deveriam se beneficiar do preço baixo da energia.

O mais importante em toda essa discussão é pensarmos num modelo de preços que garanta a segurança sistêmica, equilibre as contas e não penalize, novamente, o consumidor. A melhor forma do país crescer é com energia a preço justo, ao invés de transformar a energia do Brasil em uma das mais caras do mundo.

*João Carlos Mello é presidente da Thymos Energia, engenheiro elétrico e doutor pela PUC-RJ.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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