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iNFRADebate: Novos e velhos ingredientes do Risco Brasil

Luiz Afonso dos Santos Senna*

“No Brasil, empresa privada é aquela que é controlada pelo governo, e empresa pública é aquela que ninguém controla.” (Roberto Campos)

Pedro Nava foi um grande autor brasileiro do gênero memorialístico. Considerava a vida “um romance sem enredo” e se referia à experiência de uma forma peculiar: “A experiência humana não se transmite; é como os faróis de um automóvel virados para trás: ilumina o que está ali, ajuda a entender, mas não resolve o que vem à frente”. Os mais otimistas, como eu, preferem acreditar que é possível escrever um enredo virtuoso para o futuro do país, e a experiência pode sim ajudar.

O século XXI traz novos e estimulantes desafios, como a crescente globalização, a tecnologia, as comunicações, as alterações climáticas, as novas empresas complexas e sem pátria, e os capitais que se movimentam em grandes quantidades e a um simples toque de teclado de computador. São grandes e profundas novidades que diferenciam dramaticamente o futuro do passado. Neste contexto está também a postura que teremos diante das questões da infraestrutura do Brasil. 

Os governos dos estados, municípios e da união desenvolvem programas para atrair o setor privado para contribuir para o provimento de infraestrutura e suprir o enorme déficit existente no país. Segundo o World Economic Forum, em 2019 o Brasil ocupava o desconfortável 116º lugar entre 144 países no que se refere à qualidade de suas rodovias, 85º na eficiência dos serviços ferroviários, e 104º em relação à eficiência dos serviços portuários. Daí a necessidade de que rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica, gás e saneamento, entre outros, estejam na pauta de ações importantes sendo propostas pelos governos. 

A busca de participação privada não se limita a seus recursos próprios (equity) e sua capacidade de endividamento, mas também a sua capacidade e eficiência de gestão, amplamente superiores às do Estado. Mais do que necessidade, as concessões e PPPs devem expressar convicção.

Para atrair investidores, os riscos devem ser minimizados, notadamente aqueles que estão sob o domínio do poder público. 

Na teoria de finanças, o risco pode ser medido por alguma medida de spread, como o desvio padrão dos retornos proporcionados por um ativo. O risco diferencia-se da incerteza pela possibilidade de ser mensurado previamente de acordo com uma determinada metodologia, enquanto a incerteza não pode ser quantificada, significando completo desconhecimento do que pode ocorrer.  Transportando esse conceito para as concessões de serviços públicos, é possível redefinir risco como sendo a situação que apresente resultados além ou aquém do esperado no que tange aos fluxos de caixa proporcionados pela operação. Assim, em princípio, nas situações em que o risco é atribuído à concessionária, as situações desfavoráveis à mesma não devem ser introduzidas no reequilíbrio econômico-financeiro do contrato a seu favor, uma vez que ela deveria suportar tal risco. De forma análoga, os eventos em que os resultados positivos excederam as expectativas não podem ser utilizados para compensar as perdas ocorridas em outros tipos de risco.

A matriz de risco de um contrato de concessão tem como objetivo estabelecer qual das partes será responsabilizada para assumir determinadas ocorrências inerentes ao projeto, devendo os mesmos ser atribuídos à parte com maior capacidade de geri-los, e a um menor custo. Portanto, a matriz de risco constitui-se no ponto de partida para o desenvolvimento da modelagem que irá avaliar a existência de desequilíbrios, sejam estes a favor da concessionária ou do poder concedente.

Quanto maiores os riscos envolvidos, maior será a tarifa, pois o investidor irá buscar um retorno maior para compensá-los. 

Um conjunto de episódios recentes impactam diretamente a percepção de riscos de investir no Brasil. Exatamente no momento em que uma série de iniciativas são propostas, como a legislação que visa ampliar o uso do gás na matriz energética, o marco do saneamento, que busca dar acesso universal à população, e várias concessões são propostas nas várias áreas de infraestrutura, tanto pelo governo federal, quanto dos estados e municípios. Tais episódios incluem a desastrada investida do estado de São Paulo sobre a autonomia de suas agências reguladoras, a proposta de encampação da Linha Amarela, no município do Rio de Janeiro, a improcedente participação do Judiciário no imbróglio e a consequente sinalização dada para que o Poder Legislativo do estado proponha encampar também uma rodovia estadual, o descaso de autoridades públicas com o meio ambiente e as sucessivas tentativas de captura dos entes regulatórios sob as mais variadas formas.

Portanto, não bastassem os velhos ingredientes que compõem o risco Brasil, agora surgem outros, da mesma forma ignorantes e sem conteúdo racional, que mostram o despreparo que o país ainda possui para lidar com questões tão complexas e que envolvem a atração de investidores privados. Esta percepção de risco por parte dos investidores não se limita àquele ente que promove a ação danosa, mas também contamina a percepção de risco do país como um todo, influenciando e até mesmo comprometendo iniciativas de outros entes da federação que procuram agir adequadamente.

Uma das melhores definições de infraestrutura é “a base sobre a qual a economia acontece”. Sem isto, e com arranjos financeiros que não param de pé, o país terá que contar apenas com recursos públicos, que todos sabem, carecem de sustentabilidade sistêmica por variados motivos. Em alguns casos, decorre da incompetência sistêmica, do populismo barato ou da ignorância, pura e simplesmente.         

O país precisa, mais do que nunca, de sabedoria, equilíbrio e maturidade para tratar de questões tão importantes, como é o caso do provimento de infraestrutura, particularmente no caso óbvio da necessidade de contar com a participação privada.

*Luiz Afonso dos Santos Senna é PhD, professor titular da UFRGS e conselheiro-presidente da Agergs (Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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