iNFRADebate: Novo Marco Legal das Ferrovias e o financiamento de novos projetos ferroviários

Karin Yamauti Hatanaka*

Foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL (Projeto de Lei) no 3.754, que teve como origem o PLS (Projeto de Lei do Senado) no 261/2018 e institui o regime de exploração privada de ferrovias mediante autorização. A tramitação do PLS nº 261/2018 ganhou impulso adicional a partir da publicação, em agosto de 2021, da MP (Medida Provisória) 1.065, que traz termos semelhantes aos do PLS n261/2018. A Medida Provisória, já estendida, perderá seus efeitos em fevereiro de 2022, caso não seja convertida em lei.

A principal mudança refere-se à iniciativa do projeto ferroviário. Sob o regime público, o projeto dependia do impulso governamental e de um procedimento formal de concessão, mediante concorrência pública – processo complexo e demorado. Não é incomum que um projeto de concessão tramite por dois a três anos antes de ser lançado. Sob o novo regime, a autorização parte da iniciativa do interessado em implementar a ferrovia, mediante apresentação de pedido com informações sobre o projeto desejado, como trajeto, estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental. Cumpridas as exigências legais, nenhuma autorização deverá ser rejeitada, exceto por motivo técnico operacional relevante ou por incompatibilidade com a política nacional de transporte.

O projeto será implantado e operado sob risco exclusivo da autorizatária – ou seja, eventos extraordinários, normalmente suportados pelo governo por meio de reequilíbrios nos contratos de concessão, são, no regime de autorização, assumidos integralmente pela detentora da ferrovia. Como haverá poucas barreiras regulatórias à entrada de novos projetos, a autorizatária assumirá riscos de desvio de demanda por projetos concorrentes ou paralelos, assim como modais concorrentes. Pode-se esperar, contudo, que a barreira natural será a econômica, já que projetos dessa natureza demandam volumes massivos de capital, não havendo economicidade na duplicação de projetos concorrentes.

Em contrapartida, a autorizatária terá ampla liberdade para determinar preços de seus serviços, sem imposição de tarifas-teto. A regulação governamental será leve, focada principalmente em segurança e tráfego, com incentivo à autorregulação. Os prazos da autorização também serão maiores do que os de uma concessão, podendo chegar a 99 anos, com renovações sucessivas, desde que a ferrovia continue em operação.

Projetos ferroviários são capital intensivo e de completion longo, ou seja, muito tempo transcorre até que se iniciem os pagamentos pelo serviço. Por essa razão, usualmente, as captações para implementação desses projetos no Brasil são feitas mediante emissão de dívida corporativa, ou seja, o empréstimo é concedido com base na capacidade financeira do grupo. A ampliação do número de players e ferrovias deverá requerer estruturas de dívida mais complexas, em modalidade project finance, lastreadas nos recebíveis da própria ferrovia. Contratos de longo prazo, em regime de contratação firme (modelos take or pay) podem ser utilizados para assegurar que a ferrovia terá um fluxo constante de receitas suficiente para fazer frente à dívida contratada. No caso de contratos com exportadores, pode-se pensar, inclusive, em contratos atrelados a uma moeda estrangeira, permitindo acesso ao mercado de dívida internacional. Adicionalmente, os financiadores também terão maior flexibilidade para estender o período de pagamento, já que, ao contrário da concessão, a autorização não tem prazo final.

Até o momento, foram recebidos 47 pedidos de autorização e nove já foram autorizados no âmbito da MP. A aprovação pelo Congresso do novo Marco Legal das Ferrovias trará maior estabilidade ao modelo regulatório, fator primordial para investidores e financiadores dos projetos de ferrovias.

A infraestrutura ferroviária brasileira encontra-se muito aquém daquilo que nossos setores-chave, como agronegócio e mineração, requerem para manter-se competitivos. Além disso, benefícios de retirada de caminhões de estradas vão muito além dos custos, reduzindo emissão de carbono, diminuindo o desgaste das estradas e contribuindo para a segurança rodoviária. Novos trechos ferroviários, assim como a modernização da infraestrutura existente, são urgentes e imprescindíveis para o aumento da eficiência da cadeia produtiva brasileira. Nossa torcida para que o novo Marco Legal das Ferrovias, assim como as demais iniciativas para prorrogação de contratos existentes e novas concessões possam atrair os investimentos tão necessários ao setor.

*Karin Yamauti Hatanaka é sócia na área de infraestrutura de TozziniFreire Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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