iNFRADebate: Liberdade econômica em ambiente concorrencial – o melhor modelo para o desenvolvimento dos portos brasileiros

Luis Claudio Santana Montenegro*

A questão da liberdade de preços como garantia do exercício da atividade econômica e a intervenção do Estado sobre o livre exercício dessas atividades está mais uma vez na pauta. Dessa vez, a análise vem sendo tratada no âmbito da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), com relação à avaliação da criação de um preço referencial, franquia ou de um preço-teto para o SSE (Serviço de Segregação e Entrega) nas operações portuárias.

Trata-se claramente de uma discussão que deve unir a construção das políticas públicas desejadas para o país à prática das atividades regulatórias do setor portuário.

Existe um entendimento claro de que há um serviço de segregação e expedição de cargas na atividade portuária. O que se discute é se devemos mais uma vez optar pela atuação e intervenção do Estado no exercício das atividades econômicas, regulando a competição, ou se devemos buscar o equilíbrio do mercado pelo estímulo à concorrência e pela prática livre de preços.

Já não é de hoje que grande parte do setor de logística e transporte no Brasil vem se desenvolvendo em direção a um ambiente de liberdade de preços em mercados cada vez mais concorridos. Essa tendência já é notada no setor aéreo, no transporte rodoviário de passageiros, no transporte ferroviário e até mesmo no setor de petróleo e gás, historicamente monopolista. No setor portuário, por exemplo, diferentes avanços foram conquistados, porém algumas visões no sentido do excesso regulatório e da desnecessária e custosa proteção do Estado ainda resistem.

Recentemente, escrevi um artigo denominado “Ciclo de Baixa Eficiência no Setor Portuário” que acabou servindo como referência para a produção do Relatório de Auditoria Operacional do TCU (Tribunal de Contas da União) que analisa as limitações dos portos organizados.

Apesar de ainda aguardar apreciação em plenário, o excelente trabalho das equipes técnicas do Tribunal confirmou as afirmativas destacadas no artigo, principalmente o fato de que 53% das áreas dos portos organizados estarem atualmente vazias. Isso significa um claro impacto no interesse público, já que estamos falando de grandes volumes de investimento púbico aplicados historicamente nessas infraestruturas.

Em síntese, há espaço e grandes oportunidades de investimento privado no setor portuário, porém o excesso de controle regulatório gera incentivos para que se estabeleça uma enorme e indesejada ociosidade, gerando reflexos em custos mais altos para usuários do transporte aquaviário no país, seja os de cabotagem, seja os de comércio exterior.

O diagnóstico claro do modelo que produz essa distorção está relacionado ao excesso de burocracia e regulação que ainda resiste na atividade. Fica claro, a partir da percepção desse diagnóstico, que devemos voltar todas as ações no setor portuário para um modelo muito mais dinâmico e de ampla liberdade econômica em um ambiente cada vez mais concorrencial.

Mesmo em todo esse cenário evolutivo, mais uma vez, agora nas análises das atividades retroportuárias, o setor portuário pauta suas discussões em uma falsa percepção de escassez de oportunidades e competição na atividade portuária. Estamos falando da tentativa de divisão artificial forçada das operações de carga e descarga de navios com as operações de armazenagem e controle aduaneiro em terminais de contêineres.

Em uma operação portuária, a gestão das operações de armazenagem deve ocorrer de forma eficiente e sincronizada com a carga e descarga de embarcações, garantindo embarque rápido de grandes volumes de cargas em navios cada vez maiores – em busca de menores custos unitários de frete – e vice-versa, ou seja, a descarga rápida desses meganavios e escoamento dessas cargas em veículos menores.

Todo o esforço de planejamento das atividades portuárias tem o objetivo de permitir o fluxo eficiente de produtos, chamado em logística de “Seamless Chain” (cadeia logística sem costuras). Dessa forma, não há nenhum sentido prático ou econômico em segregar as atividades em “área molhada” das atividades em retroárea de um terminal portuário.

Trata-se de caso em que uma antiga distorção de eficiência, de quando as operações eram ainda públicas, acabou por definir uma oportunidade de segregar essa operação das atividades típicas de um porto, artifício para que se pudesse fugir do excesso regulatório que definia um monopólio estatal na atividade portuária.

Ocorre que a distorção virou modelo. Ou seja, pela nossa incapacidade de solucionar o real problema, que era, à época, a ineficiência de operações públicas nos portos, acabamos criando o conceito de infraestruturas paralelas como forma de solução emergencial ao problema.

Com a evolução para o modelo Landlord de exploração, em que a operação é totalmente privada desde 1993, um primeiro passo foi dado para a solução de buscar maior eficiência dos terminais portuários. Com o novo marco legal de 2013, novas capacidades foram adicionadas para as operações com contêineres na forma de TUPs (terminais de uso privado). Porém, apesar da gigantesca evolução das operações portuárias, hoje totalmente privadas dentro e fora do porto organizado, esses terminais retroportuários da década de 1980 ainda ancoram sua existência no contexto de uma suposta deficiência de capacidade dos terminais portuários.

Note-se que a definição de terminal retroportuário, citada em antigos regulamentos de exploração de portos organizados, traz que: “A principal contribuição dos terminais retroportuários é suprir as deficiências dos terminais portuários e agregar valor ao serviço de transporte marítimo”.

Ora, é senso comum que os terminais portuários de movimentação de contêineres no Brasil já operam, há muito, com eficiência comparada aos mais importantes terminais mundiais. Esse mercado é pautado pela ampla concorrência e pela presença de grandes empresas com atuação mundial. No Porto de Santos, por exemplo, quatro grandes operadores operam em um ambiente altamente competitivo. Em Santa Catarina, são mais de cinco terminais em uma curta faixa litorânea, competindo com base na eficiência e qualificação desses operadores. Nesse cenário altamente competitivo, o próprio conceito de terminal retroportuário perde totalmente o sentido e aplicação.

A segregação das atividades de carga e descarga e armazenagem de contêineres, que cria uma espécie de reserva de mercado, é contraproducente, não favorece ganhos de escala e não garante os investimentos necessários em equipamentos e tecnologia que permitam carregar e descarregar veículos e definir a máxima rastreabilidade para a carga, evitando transbordos desnecessários e custosos, alteração de responsabilidade pela guarda da carga, intensificação burocrática e outros mecanismos ineficientes.

Claramente, faz sentido dar opções ao usuário transferindo cargas em trânsito aduaneiro para armazenagem em estações aduaneiras de interior, o que é bastante diferente de separar com um muro as atividades de carga e descarga de navios de áreas contíguas com pátios de armazenagem na região do porto.

O principal aspecto a ser considerado neste caso está ligado às questões regulatórias que envolvem os terminais portuários, já que a operação portuária é atividade de livre exercício econômico, ou seja, para qualquer empresa brasileira, uma simples pré-qualificação feita pela Autoridade Portuária permite o livre exercício das operações.

O que se observa na prática desse caso é a proliferação de modelos de exploração para exercício da mesma atividade. Explico: os arrendamentos portuários são feitos pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Infraestrutura, da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, que vêm aprimorando a cada dia o processo de formalização de contratos para implantação de terminais portuários, com mecanismos sofisticados de planejamento e regulação, conduzidos pela EPL (Empresa de Planejamento e Logística) e pela ANTAQ.

Já no caso dos terminais retroportuários alfandegados, definiu-se por um modelo de concessão ou permissão do serviço de desembaraço pela Receita Federal, com preocupações focadas na capacidade aduaneira.

Vale destacar que os terminais portuários também são instalações aduaneiras, e essa mesma preocupação passa por duplo check, já que há exigências aduaneiras tanto para os terminais quanto para a Autoridade Portuária, responsável pelo condomínio portuário.

No modelo de arrendamento, questões relacionadas à produtividade, movimentações mínimas contratuais, reequilíbrios econômico-financeiros dos contratos, reversão de investimentos, riscos de demanda, obrigação de investimentos, pagamento de tarifas à Autoridade Portuária, atendimento às normas da ANTAQ, são parâmetros habituais da regulação.

Já no caso das outorgas feitas pela Receita Federal, esses parâmetros não são aplicáveis. Assim, quando se define uma competição entre modelos de exploração distintos para execução exatamente da mesma atividade, o resultado é uma imensa confusão de entendimento e uma comprovada insegurança jurídica.

Se há eficiência e capacidade suficiente dos terminais portuários, não haveria nenhum sentido de se estabelecer um novo modelo de exploração de atividades retroportuárias. No limite, mesmo que de forma distorcida, se entendesse que faz sentido a convivência de dois modelos distintos, o mínimo que se espera é que a regulação se dê igualmente aos dois modelos.

Nesse caso, o risco é que, ao regular os terminais portuários ou cerceá-los do direito de exercer suas atividades em ambiente concorrencial, se esteja simplesmente transferindo renda de um prestador de serviço para outro (no caso, os TRAs), em uma demanda inelástica, sem gerar nenhum valor adicional, e resultando em custos iguais ou até mesmo maiores ao dono da carga.

A evolução dos serviços de logística e transporte no caminho da livre concorrência em outras modalidades já estão avançadas no Brasil. No setor de aviação civil, toda a regulamentação recente aponta para os ganhos para o consumidor final da livre cobrança, que evita subsídios cruzados e garante o serviço pay-per-use aos usuários. No caso, dois consumidores podem comprar passagens no mesmo dia, por preços diferentes, e toda a sociedade entende isso e faz uso da concorrência para buscar as melhores oportunidades de contratação do serviço.

Em ferrovias, os debates já estão maduros no sentido de outorgas de novas ferrovias por autorização, estabelecendo o mercado concorrencial até mesmo em consagrados modelos dos chamados “monopólios naturais” das concessões ferroviárias.

O mesmo se discute na infraestrutura para o transporte dentro do novo mercado de gás, preparado para ampla competição e que busca reduzir fortemente o preço da energia no país, atraindo investimentos em mercados livres, em substituição ao atual modelo monopolista.

Também no transporte rodoviário de passageiros, já se opera com o modelo de autorização para linhas interestaduais e com preços também livres.

No setor portuário também já existe a mesma tendência, já que os TUPs estão autorizados para as operações de cargas de terceiros, a exemplo do mercado de contêineres, com grandes players atuando em autorizações privadas em todo o país, com aberta concorrência e liberdade de preços.

O modelo de arrendamento portuário se dá no regime de preços livres, como prevê as diretrizes da legislação do setor e como estabelecido nos modelos de licitação, que ocorrem pelo maior valor de outorga e não por disputa em valores dos serviços praticados. Tal entendimento está em linha com a percepção de que há concorrência suficiente no mercado para redução de preços.

A regulação de preços no setor portuário se assemelha à obrigatoriedade da tomada de três pinos, em que se coloca um enorme esforço regulatório, com ampla repercussão, prejuízos a toda a sociedade e baixíssima efetividade ao que se propõe.

O assunto da separação das atividades de carga e descarga de veículos das atividades de armazenagem e gestão de estoques em terminais portuários já vem mobilizando há muitos anos o Cade, a ANTAQ, o TCU e o Ministério da Infraestrutura. É chegada a hora de entendermos esse mercado e definitivamente permitirmos que a livre concorrência, a busca pela eficiência e qualidade dos serviços, defina os preços e a qualidade dos serviços portuários.

A necessidade de reduzir burocracias e dar dinamismo cada vez maior aos investimentos portuários, permitindo a ampliação da eficiência nesse setor, já é percebida claramente pelos órgãos reguladores. Essa mesma percepção deve também estar pautada nas análises da ANTAQ e do Cade, que certamente caminhará para a defesa da liberdade de preços em um mercado portuário cada vez mais concorrencial.

*Luis Claudio Santana Montenegro é graduado em Engenharia Civil pela Ufes, mestre em Engenharia de Transportes pelo IME, especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho e em Planejamento, Gestão e Operações em Corredores de Transporte e em Regulação de Transportes pela UFRJ. Atuou como diretor na Secretaria de Portos.
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