iNFRADebate: Formas de prestação do saneamento

Douglas Estevam*

Segundo dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento)1, até o ano de 2020, apenas 50,8% de todo o esgoto gerado no Brasil era tratado. Com uma cobertura de esgotamento sanitário atendendo apenas 55% da população brasileira, 81,25% dos prestadores de serviço era a própria Administração Pública direta, ao passo que 13,91% eram autarquias, 0,90% sociedades de economia mista e 0,18% empresas públicas. Do total, apenas 3,58% dos serviços eram prestados por empresas privadas e 0,18% por organizações sociais.

Considerando que os municípios são, originariamente, titulares sobre os serviços públicos de saneamento básico, a primeira forma é a prestação direta por meio de órgãos do próprio ente. Trata-se do meio mais básico de entrega dos serviços à população, utilizando-se da máquina administrativa em seu estado mais rudimentar.

Na prestação direta, a Administração Pública emprega sua(s) secretaria(s) para administrar a atividade econômica, embora essa forma de prestação tenha o inconveniente de empregar o regime administrativo para o desempenho de algumas atividades tipicamente empresariais, o que eleva sobremaneira os custos de sua execução.

Mesmo assim, conforme os dados do SNIS, essa era a forma mais empregada no país até o ano de 2020, o que explica, de certo modo, a ineficiência na expansão dos serviços ao longo de todos esses anos. Contudo, também há formas descentralizadas de atividade estatal, sendo as autarquias a forma de prestação indireta mais conhecida, cujas entidades autônomas são criadas por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios.

No ramo do saneamento básico, tais autarquias são denominadas SAAE (Serviços Autônomos de Água e Esgoto), e são dotadas de gestão administrativa e financeira descentralizadas, que podem ser instituídas no âmbito estritamente local, quando o próprio município edita a lei de criação, a fim de que a entidade — vinculada alguma secretaria da prefeitura — execute suas atividades dentro do território municipal.

Ao lado dessas autarquias, o novo marco também admite a criação de autarquia intermunicipal em consórcio público, integrando a administração indireta de todos os entes consorciados. Por outro lado, no âmbito das unidades territoriais urbanas, é possível a lei complementar de instituição da região metropolitana, da aglomeração urbana ou da microrregião criar uma autarquia metropolitana, para execução das funções públicas de interesse comum.

Além das autarquias, a Administração Pública também pode utilizar empresas estatais para prestar o serviço público indiretamente: empresas públicas, entidades de direito privado cujo capital social pertença integralmente ao ente municipal (artigo 3.º, caput, da Lei 13.303/2016), ou sociedades de economia mista, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à Administração Pública (artigo 4.º, caput, da Lei 13.303/2016).

Trata-se de uma forma de prestação indireta na qual a Administração assume a estrutura empresarial para melhor desempenho de sua função pública. Nesse caso, a administração do serviço público passa a ser regido prioritariamente pelo direito privado, cuja flexibilidade no trânsito comercial permite à entidade melhor atender às demandas do setor.

Outrossim, é importante também mencionar a existência de sociedades de economia mista com gestão privada, que são entidades paraestatais criadas por lei, cuja gestão dos negócios é dirigida por sócios privados. No caso da alienação de controle acionário de companhias estaduais de saneamento básico, nos termos do art. 14, §§, da Lei 14.026/2020, o Estado poderá manter algumas ações sobre o capital da sociedade empresária.

Em sequência, também existem organizações sociais que prestam serviços de saneamento básico, que são entidades privadas sem fins lucrativos cujos dividendos não são distribuídos entre seus associados, mas aplicados integralmente na consecução de seu objeto social. Nesses casos, há a delegação da prestação dos serviços à sociedade civil organizada, e.g.: catadores de lixo, associações de moradores, comunidades rurais ou cooperativas.

Por derradeiro, a forma de prestação mais exaltada pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico é a execução pela iniciativa privada. A Lei 14.026/2020, nesse sentido, parte do pressuposto de que o investimento privado é o meio mais eficaz, a curto e médio prazo, de universalizar os serviços no território nacional.

As formas pelas quais a Administração pode firmar parcerias com o segundo setor são múltiplas e, de início, a depender do escopo da demanda, o Poder Público poderá licitar bens, obras ou serviços, com o propósito de contratar uma sociedade empresária para atendimento da atividade pública. Além disso, o titular poderá também realizar uma concessão comum, a fim de delegar a prestação do serviço a uma sociedade empresária, por sua conta e risco e por prazo determinado, considerando uma atividade economicamente atrativa à iniciativa privada.

Contudo, existem situações cuja prestação dos serviços de saneamento básico é economicamente deficitária, razão por que a iniciativa privada nem sequer teria interesse em assumir sua execução. Nesses casos, admitem-se as parcerias público-privadas, em que há contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

Desse modo, esgotadas as formas que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico pode assumir em nosso Direito, falta tratar dos arranjos institucionais listados na Lei 14.026/2020. Assim, a natureza jurídica da prestação do serviço pode ser combinada com mecanismos de associação interfederativa, aumentando ainda mais o escopo de opções da Administração Pública.

Um dos termos mais ilustre da Lei 14.026/2020, nesse sentido, é a prestação regionalizada, então definida como a “modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em determinada região cujo território abranja mais de um Município”2, o que comporta três espécies: unidades territoriais urbanas, unidades regionais de saneamento básico e blocos de referência.

As unidades territoriais urbanas são os agrupamentos compulsórios listados no art. 25, §3.º, da Constituição: regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. São instituídas por meio de lei complementar estadual e independem da vontade dos Municípios para sua formação, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Além disso, o novo Marco Legal do Saneamento Básico também menciona as unidades regionais de saneamento básico como uma espécie de prestação regionalizada. Elas são criadas por meio de lei ordinária estadual e, para sua formação, dependem da manifestação de vontade dos municípios, que continuam a manter sua titularidade sobre os serviços, embora sua governança seja um importante instrumento de concerto dos interesses municipais, à vista dos ganhos de escala e da garantia da universalização.

Por último, o novo marco regulatório também incluiu os blocos de referência no rol de prestação regionalizada. Delimitados pela União, caso os estados não contemplem alguns municípios nas modalidades acima referidas, eles são formalmente criados por meio de gestão associada entre os titulares, à vista da viabilidade técnica e econômico-financeira na prestação dos serviços. Nesse contexto, a gestão associada nada mais é do que um termo designativo das duas formas de cooperação federativa previstas no art. 241 da Constituição: convênio de cooperação e consórcio público.

Contudo, é importante mencionar que os convênios de cooperação não podem servir de fundamento à prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do próprio titular. Isto é, tais convênios de cooperação, a princípio, apenas poderão versar sobre regulação, fiscalização e controle social, já que o planejamento e a prestação dos serviços são indelegáveis a outros entes federativos, por força dos art.s 9.º, I, e 10, caput, da Lei 11.445/2007 (com redação dada pela Lei 14.026/2020).

Em resumo, portanto, no que tange à prestação dos serviços de saneamento básico, os blocos de referência deverão assumir a forma de consórcio público para a execução dessas atividades públicas. Nesse caso, os municípios também manterão sua titularidade, embora transfiram seu exercício à autarquia intermunicipal que integra a Administração indireta de todos os consorciados.

Desse modo, é possível vislumbrar um grande leque de opções administrativas pela combinação de diferentes modalidades de prestação dos serviços de saneamento básico, que poderão ser selecionadas, segundo a conveniência e oportunidade do gestor, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública da população.

1 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. SNIS. Painel de informações sobre saneamento: esgotamento sanitário – 2020. Internet. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/painel-esgotamento-sanitario>. Acesso em 25 jul. 2022.
2 BRASIL. Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis n.os 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei n.º 6.528, de 11 de maio de 1978 (Redação pela Lei n.º 14.026, de 2020). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm>. Acesso em 25 jul. 2022.
*Douglas Estevam é secretário-geral da Comissão de Saneamento e Recursos Hídricos da Subseção da Barra da Tijuca – OAB/RJ. Assessor do IRM (Instituto Rio Metrópole). Mestrando em Direito da Cidade no PPGD/UERJ.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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