iNFRADebate: Financiamento externo pelo BNDES – problema ou solução para o Brasil?

Francisco Costa e Silva*, Thiago Cardoso Araujo e Andre Uryn**

O jornalista americano H. L. Mencken costumava dizer que “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. A tese de que o déficit de infraestrutura no Brasil é consequência direta das exportações de bens e serviços de engenharia para o exterior, financiadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico), parece se encaixar perfeitamente nessa ideia.

A questão sempre suscitou intenso debate em razão de argumentos falaciosos no sentido de favorecimento de desenvolvimento de projetos no exterior em detrimento de investimentos no Brasil, além de consequências relacionadas à inadimplência dos países importadores.

Inicialmente, parece duvidoso – e um tanto equivocado – que isso tenha ocorrido. A despeito de haver um excesso de informações conflitantes sobre a legitimidade desses financiamentos, o que se deve à politização do tema, fato é que a participação no apoio a exportações representa um percentual muito pequeno diante do total de financiamentos realizados pelo BNDES. 

Vejamos os números: entre 2001 e 2016, o apoio à exportação representou, em média, 9,8% do total dos desembolsos realizados pelo BNDES. A partir de 2003, os dados que refletem os valores despendidos com tal finalidade indicam um crescimento em ritmo menor do que os de outros segmentos de apoio do banco: até 2018, somente 1,3% foi desembolsado no apoio à exportação de bens e serviços de engenharia, enquanto investimentos em infraestrutura no Brasil responderam por 36% no mesmo período.

O BNDES, como uma das mais destacadas instituições financeiras públicas de desenvolvimento no mundo, exerce papel de extrema relevância no crescimento socioeconômico do país, atuando como principal instrumento de execução da política de investimento do Governo Federal e, no âmbito desses programas de financiamento, como braço financeiro da política pública de apoio às exportações.

A relevância desse apoio reside em dois principais efeitos. O primeiro está relacionado com a inserção das empresas nacionais na cadeia global de comércio e serviços: quanto mais negócios as empresas brasileiras realizam no exterior, maior o potencial de geração de emprego e renda no país. O segundo efeito está relacionado à entrada de divisas no país: ao prestarem serviços no exterior, as empresas brasileiras são pagas em moeda forte – geralmente dólares americanos ou euros – que, então, ingressam no país, contribuindo para o fortalecimento da balança comercial. 

O impacto positivo na economia brasileira é inegável. Os efeitos são inquestionáveis e os dados, que os refletem, merecem ser destacados. 

No período de 1998 a 2017, os financiamentos às exportações de serviços realizados pelo BNDES movimentaram uma rede de mais de 4.800 fornecedores no Brasil, sendo 66% micro, pequenas e médias empresas. Entre 2005 e 2014, esses fornecedores empregaram em média 561 mil pessoas por ano.

Além disso, segundo estudos feitos pela AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) e LCA Soluções Estratégicas em Economia, cada US$ 100 milhões exportados sustentam cerca de 19.200 empregos em território nacional, tendo o setor suportado, no ano de 2012, cerca de 1,7 milhão de postos de trabalho no Brasil.

E o risco de calote? Mera ilusão. As operações são garantidas por Seguro de Crédito à Exportação com lastro no FGE (Fundo de Garantia à Exportação), fundo amplamente superavitário que conta com a cobertura dos riscos comerciais, políticos e extraordinários que possam afetar as transações. Segundo o banco, já ingressou no país mais de 100% do valor total desembolsado, o que já seria suficiente para eliminar qualquer dúvida quanto ao mérito e vantajosidade desse apoio.

Simplificações maniqueístas são ótimas para viralizar em redes sociais e encerrar discussões de maneira lacradora, mas não sobrevivem a um exame racional que, neste caso, nem sequer exige um alto grau de profundidade. 

A ideia de que o financiamento de metrô de Caracas (Venezuela) é o responsável pela falta, até agora, de um metrô em Belo Horizonte (MG), parece corresponder a um modelito verão/2023 do grande meme da estação verão/2018: “O BNDES é uma caixa preta”. Um terraplanismo, aliás, que envelheceu muito mal.

Como se sabe, a caixa preta nunca foi encontrada, até mesmo porque ela nunca existiu. Devassas e devassas da devassa não comprovaram nenhum ato de corrupção. Ao contrário, o que se encontrou foram negócios extremamente lucrativos que geraram o ingresso de bilhões de reais no caixa da União. 

Especificamente no tocante ao programa de financiamento às exportações de bens e serviços, em mais de 20 anos de apoio, foram desembolsados US$ 10,5 bilhões pelo BNDES, dos quais já retornaram mais de US$ 12,7 bilhões a título de amortização em principal e juros. Ou seja, o BNDES teve lucro de US$ 2,2 bilhões (aproximadamente R$ 11 bilhões) ao financiar obras de engenharia no exterior.

Tudo isso serve para provar que não se trata aqui de dar recursos a outros países, mas de trazer recursos – divisas – que não ingressariam no Brasil se não fossem essas operações de financiamento. 

Apesar das críticas e inúmeras controvérsias que circundam o tema, não se pode ignorar a realidade dos fatos: a política de financiamento de exportações de bens e serviços de engenharia é legítima e deve ser retomada, com aprimoramentos. 

Deve ser buscada, por exemplo, uma maior aproximação das práticas internacionais adotadas pelos bancos de desenvolvimentos de outros países, como o KfW da Alemanha, o US Exim Bank dos Estados Unidos da América e o UK Export Finance do Reino Unido, em busca de maior competitividade. 

Isso inclui revisão de limites passíveis e detalhamento da possibilidade já existente do financiamento de custos incorridos no local da obra (afinal, desafia a lógica imaginar que poderão ser exportados 100% dos itens, incluindo desde a areia que será utilizada em movimentações de solo até a água que os trabalhadores beberão). Um marco normativo claro nesse sentido traria maior segurança jurídica para todos os agentes envolvidos.

Mas, nem de longe, significa que as exportações de obras devem ser responsabilizadas pelos gargalos da infraestrutura nacional. Essa política não aumentou o problema. Muito ao contrário: se retomada e intensificada, pode ser parte da solução.

*Francisco Costa e Silva é sócio de Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, ex-diretor das áreas de infraestrutura e social do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
**Thiago Cardoso Araujo e Andre Uryn são sócios de Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

Tags:

Compartilhe essa Notícia
Facebook
Twitter
LinkedIn

Inscreva-se para receber o boletim semanal gratuito!

Assine nosso Boletim diário gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos