iNFRADebate: Falta de critérios claros dificulta investimentos na expansão da rede de transmissão de energia

Marina Zago*

A insuficiência dos critérios regulatórios traz conflitos e insegurança jurídica ao setor, com potencial de prejuízos à competição e modicidade tarifária

Segurança, confiabilidade e expansão do sistema de transmissão de energia elétrica são garantidos, a partir de obras e instalações que podem ser enquadradas em um dos três grupos: melhoria, reforço ou ampliação

Essa classificação define quem irá executar a instalação – se a própria concessionária transmissora, ou um novo agente escolhido após processo de licitação – e como ela será financiada – se ela pode ou não gerar receita tarifária adicional, com aumento da RAP (receita anual permitida), em função da obra. 

São questões bastante relevantes para os agentes do setor, seja para as atuais concessionárias, seja para as empresas que desejam entrar no mercado pela disputa, via leilão, de uma nova concessão de transmissão, ou ainda para os usuários finais. O enquadramento das obras em um ou outro grupo – e as consequências entre licitar ou autorizar, rever ou não a RAP – traz impactos para a modicidade tarifária e para a competição pelo e no setor de transmissão.

Há dois pontos bastante relevantes que estão em jogo, em consequência da classificação das obras de expansão do sistema de transmissão de energia entre melhoria, reforço e ampliação. O primeiro é a definição de quais obras serão diretamente executadas pela concessionária transmissora, por meio de prévia autorização da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), e quais obras serão submetidas ao processo de competição por meio de leilão de transmissão. Esse ponto é relevante especialmente no conflito “reforços versus ampliação”. O segundo é definição de quais obras e com quais limites poderão gerar receita adicional à transmissora, e quais obras terão que ser arcadas pela receita já fixada para a concessionária. Ponto relevante, especialmente, no conflito “reforços versus melhorias”. 

Classificação
As definições de melhorias e reforços estão previstas na Resolução ANEEL nº 905/2020. Recentemente editada, a resolução compilou as normativas referentes aos serviços de transmisão. Especificamente em relação à classificação das instalações, essa resolução incorporou as regras então previstas pela Resolução ANEEL nº 443/2011 (agora revogada), sem alterações de conteúdo.

Ocorre que, se as definições parecem, em abstrato, bastante claras e precisas, na prática as partes interessadas buscam, a partir de argumentos técnicos igualmente razoáveis, enquadrar uma mesma instalação em pelo menos duas das categorias – melhoria versus reforço, ou reforço versus ampliação. E o fazem justamente a partir dos interesses legítimos envolvidos, seja na disputa “licitar versus autorizar”, seja na disputa “revisar RAP x não revisar RAP”.

No último leilão de transmissão, realizado em dezembro de 2020 (Leilão de Transmissão nº 01/2020), houve dois importantes embates sobre o enquadramento de instalações como reforço ou ampliação, que foram acompanhadas de perto por todos os agentes interessados: a subestação de Porto Alegre 4, e as subestações envolvendo a Região Metropolitana de São Paulo. 

Independentemente da discussão sobre as razões de classificacão, o fato é que os critérios regulatórios atualmente existentes geram divergências técnicas entre os atores e não contribuem para a segurança e previsibilidade jurídicas. O cenário é agravado pelo contencioso regulatório um tanto quanto casuístico, que ora indica alguns fatores para enquadramento das instalações, ora os afasta – como, por exemplo, o volume esperado dos investimentos, ou o prazo necessário para a execução das obras.

A necessidade de aperfeiçoamento dos critérios de classificação das instalações já foi identificada pela ANEEL, com a inclusão do tema em sua Agenda Regulatória 2021-2022 (item 17). A agência estabeleceu como meta a proposição de nova resolução sobre o tema, com consulta pública no 1º semestre de 2021 e publicação final para o 2º semestre.

O tema é não apenas relevante, como urgente: o planejamento setorial já indica obras  que terão que ser executadas para manutenção da confiabilidade e expansão do sistema de transmissão, inclusive com um próximo leilão de transmissão previsto para junho de 2021 (Leilão de Transmissão nº 1/2021).

Análise
Os critérios de classificação das obras devem ser revistos e detalhados, tornando-os mais claros para os agentes. É preciso discriminar quais fatores, com maior precisão e clareza, efetivamente importam para o enquadramento das obras como melhoria, reforço ou ampliação. O prazo necessário para executar as obras é um critério a ser levado em conta? Se sim, então como garantir que a falha no planejamento não será utilizada como uma forma para se esquivar da licitação? O volume dos investimentos é relevante? A identificação, pelos órgãos de planejamento setorial, de um mesmo bloco de obras necessárias não deveria levar à priorização da licitação desse bloco de obras em conjunto? Essas são algumas questões que devem ser abordadas de frente pela regulação e, especialmente, discutidas com a sociedade no âmbito do processo de consulta pública, com vistas a trazer parâmetros mais transparentes e detalhados para os agentes do setor. 

Nesse processo, não se pode perder de vista que o detalhamento e a definição desses critérios envolvem escolhas regulatórias que implicam trade-offs de valores – maior velocidade para executar as obras em oposição à maior competição, por exemplo. As críticas à priorização dos valores pela agência são relevantes e contribuem para o aperfeiçoamento da regulação. Mas, antes de tudo, é essencial que esses trade-offs fiquem claros, sejam transparentes e previsíveis para os atores interessados.

A ANEEL tem, agora, a chance de encabeçar uma mudança regulatória que certamente terá impacto positivo para o setor de transmissão, seus agentes e os consumidores finais.

* Marina Zago é advogada do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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