iNFRADebate: Energia renovável no Brasil, os dois lados da moeda

João Victor de Barros, Natália Bastos e Leonardo Toledo da Silva*

A boa notícia é que estão previstos grandes investimentos em energia renovável no Brasil ao longo dos próximos anos, sobretudo em geração solar fotovoltaica e eólica e em transmissão. O mercado de energia está aquecido e a previsão é que seriam necessários investimentos da ordem de quase R$ 530 bilhões na geração e transmissão de energia elétrica, nos próximos dez anos, segundo Plano Decenal de Expansão de Energia divulgado pelo Ministério de Minas e Energia. 

Fatores como a queda nos custos das fontes renováveis ao longo da última década e o avanço de novas tecnologias, a exemplo das eólicas offshore, usinas solares flutuantes e hidrogênio verde, têm contribuído para a expectativa de grandes investimentos em energia no Brasil. 

A perspectiva de conclusão do processo de revisão e ratificação do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia, com o novo governo brasileiro, deverá intensificar ainda mais os investimentos estrangeiros em energia renovável no Brasil nas próximas décadas. Portos e estaleiros nacionais já se preparam para tornarem-se hubs logísticos na produção, no apoio e na exportação da cadeia produtiva verde.

O outro lado da moeda é um pouco mais desafiador.

Justamente em razão do contexto favorável aos investimentos, há uma preocupação em relação à capacidade de atendimento da demanda hoje existente e da que há de vir. Em 2022, o Brasil alcançou a maior taxa de investimento em oito anos. O governo federal prevê investimentos anuais em torno de R$ 240 bilhões, em 2024 e 2025, na infraestrutura brasileira, considerando, além da energia elétrica, também os setores de transportes, saneamento básico e mobilidade urbana. Explica-se.

A configuração do setor de construção brasileiro alterou-se de forma significativa desde o advento da Operação Lava Jato. Novas construtoras, inclusive estrangeiras, têm tentado ocupar lugares antes dominados fortemente pelos grupos nacionais tradicionais. Há uma certa percepção do mercado, no entanto, de que esse rearranjo de forças ainda não se consolidou e que os novos players ainda não estão no mesmo patamar de capacidade operacional pré-Lava Jato.

A matemática é simples e preocupante. Um mercado com perspectiva de alta demanda somado a um contexto de certa redução da capacidade operacional das construtoras resultará muito provavelmente em projetos malsucedidos, com estouros importantes de custos e prazo de entrega. 

Isso é fato, especialmente se considerarmos as estratégias tradicionais de contratação, que se baseiam, em grande medida, na gestão e na alocação individualizadas dos riscos do projeto. É o famoso “cada um por si” na condução dos problemas da obra, ora transferindo a gestão de um problema ao fornecedor, ora mantendo-o como risco exclusivo do dono da obra.

Em projetos solares, por exemplo, um dos riscos mais importantes do projeto, relativo à aquisição dos equipamentos principais (módulos, transformadores, trackers, skids, inversores e eletrocentros), ora tem sido transferido ao construtor civil ora tem sido mantido com o dono-de-obra, mas, em um caso ou noutro, com colaboração insuficiente entre eles.

Desenha-se, assim, o cenário ideal para uma indispensável inovação no setor por meio da colaboração entre os donos-de-obra, empreiteiros, fornecedores de equipamentos e outros agentes da cadeia de valor dos projetos. Se nenhuma das partes está em condições ideais de assumir um risco isoladamente, há caminhos para que o façam conjuntamente. Outra boa notícia é que esse movimento é possível e que o mercado internacional já começa a caminhar nesse sentido.

Esse tipo de abordagem, que consiste na adoção de modelagens contratuais mais integradas e colaborativas, com o engajamento de determinados atores do ciclo de vida de um projeto desde a sua concepção, tem sido uma nova tendência nas relações contratuais em infraestrutura e construção e faz todo o sentido sob a ótica dos projetos de geração de energias renováveis, especialmente em um cenário tensionado, como o que descrevemos acima. 

Exemplos dessas modelagens são os Contratos de Aliança (e suas variações, como o Framework Alliance Contract e o Project Alliance) e o IPD (Integrated Project Delivery).

Nessas abordagens, o engajamento preliminar dos principais fornecedores, também usualmente chamado de Early Contractor Involvement, possibilita a identificação de sinergias, especialmente com a colaboração na cadeia de suprimentos, a busca de otimizações e inovações na engenharia, gerando valor e reduzindo ineficiências tão caras ao bom andamento dos projetos.

Além disso, essas modelagens costumam sugerir uma abordagem integrada também na gestão dos riscos de implantação do empreendimento, facilitando a troca de informações e comunicações de uma maneira mais fluida e ágil para soluções de problemas. Eles basicamente adotam uma governança compartilhada para lidar com riscos e desafios que, de forma isolada, não teriam a mesma eficiência.

Por fim, modelagens que integram fornecedores e donos de obra tendem a reduzir a postura adversarial das partes. Em vez de focar somente nos seus próprios entregáveis, os agentes passam a perseguir objetivos conjuntos e, para tanto, podem contar com estímulos positivos, como bônus e incentivos.

Como se vê. Há dois lados da moeda. De um lado, um mercado em ebulição. De outro, um cenário desafiador para implantação dos projetos. A resposta, a nosso ver, é não cair nas antigas armadilhas. A colaboração entre agentes será o ponto chave para desatravancar esses gargalos. O mercado já tem se movimentado nessa direção. Inovar é preciso.

*João Victor de Barros, Natália Bastos e Leonardo Toledo da Silva são advogados do Toledo Marchetti.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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