iNFRADebate: Do regime de recuperação regulatória proposto na terceira parte do RCR3 – Principais aspectos

Aline Lícia Klein*

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) está desenvolvendo as discussões do RCR (Regulamento das Concessões Rodoviárias), que objetiva consolidar as regras gerais das concessões rodoviárias. As normas contratuais das concessões variam de acordo com o momento em que a licitação foi realizada, havendo diferenças significativas entre as diversas etapas.

Dentro desse projeto, em 17 de março de 2023 foi publicado o aviso de audiência pública para colher sugestões e contribuições à minuta de resolução que estabelece a terceira norma do RCR1. Esta terceira etapa tem por objeto aspectos econômico-financeiros dos contratos de concessão.

Várias das regras propostas na minuta de resolução já se encontram previstas, pelo menos, em alguns dos contratos de concessão rodoviária, em especial nos mais recentes. Já outras disposições consistem em inovações, que procuram trazer soluções para alguns impasses verificados nas atuais concessões.

Entre as novidades destaca-se o Regime de Recuperação Regulatória, previsto como possível alternativa à relicitação das concessões.

É consenso que os processos de relicitação de concessões rodoviárias, desenvolvidos de acordo com a Lei 13.448/2017, não atingiram plenamente as suas finalidades. Quando menos, os processos têm demandado um período de tempo bastante superior ao inicialmente previsto. Até o momento, nenhum processo de relicitação de concessão rodoviária foi concluído.

Diante disso, o RCR3 trouxe como alternativa às concessões tendentes à relicitação o Regime de Recuperação Regulatória, que pode estar ou não vinculado à transferência do controle da concessionária.

Concessionárias a que se destina
Nos termos da minuta de resolução, o Regime de Recuperação Regulatória poderá ser solicitado por concessionária de classe D.

A classificação das concessionárias foi disciplinada na primeira norma do RCR, constante da Resolução 5.950, de 20 de julho de 2021, e o capítulo da classificação periódica das concessionárias tem alterações propostas na minuta de resolução do RCR3.

Trata-se de classificação com periodicidade bienal, que considera o atendimento às obrigações previstas nos contratos e na regulação da ANTT. As concessionárias serão classificadas em ordem decrescente, de acordo com a sua nota global, da classe A até a classe D. Nos termos da minuta de anexo à Resolução 5.950, que está sendo proposta conjuntamente com a RCR3, são estabelecidos os diversos indicadores a serem considerados e os respectivos pesos atribuídos. As concessionárias de classe D serão aquelas com nota global inferior a cinco.

Uma vedação a observar é que não poderá aderir ao regime a concessionária que tiver celebrado termo aditivo de Regime de Recuperação Regulatória ou Termo de Ajustamento de Conduta nos cinco anos anteriores à apresentação do requerimento de ingresso.

Cabe indagar acerca da aplicabilidade desse regime aos contratos de concessão já celebrados. De acordo com o art. 194, I, da minuta de resolução, a adoção do Regime de Recuperação Regulatória depende da adesão da concessionária ao Regulamento das Concessões Rodoviárias.

E poderão ingressar no Regime de Recuperação Regulatória as concessionárias que aderirem à relicitação antes da finalização do RCR? Parece-nos adequado haver uma regra de transição a esse respeito, à medida que esse regime busca propiciar justamente uma alternativa entre a relicitação e o TAC. 

Óbice usualmente colocado para aquelas que já aderiram à relicitação é o caráter irrevogável e irretratável da intenção de relicitar2. No entanto, em se tratando de opção inexistente por ocasião da adesão à relicitação e que implica efeitos menos gravosos à prestação do serviço público, seria conveniente a elaboração de regra de transição admitindo a opção pelo Regime de Recuperação Regulatória nos casos em que a concessionária preencher os requisitos e o processo de relicitação não estiver em estágio avançado.

Principais características
Trata-se de um regime a ser instituído na concessão com prazo determinado, objetivando o restabelecimento da prestação do serviço adequado.

O art. 13 da minuta de resolução exemplifica as medidas que poderão ser adotadas para a viabilização da concessão: I – reprogramação de obrigações vencidas e vincendas; II – antecipação ou diferimento de incidência de débitos e créditos acumulados; III – antecipação de receitas tarifárias; IV – suspensão dos atos de cobrança de multas aplicadas transitadas em julgado; V – suspensão da aplicação de novas penalidades pelo descumprimento de determinadas obrigações; VI – desconto de até 30% sobre o montante total de multas aplicadas; VII – prorrogação do prazo da concessão; VIII – transferência de controle societário da concessionária.
Importante destacar que se trata de rol não exaustivo. Ou seja, agência e concessionária poderão discutir as medidas adequadas em cada caso.

A reprogramação de investimentos tende a ser um recurso bastante utilizado. Trata-se de medida que foi bastante demandada, por exemplo, pelas concessionárias da 3ª etapa. Caso a MP 800, de 18 de setembro de 2017, que previu justamente a reprogramação dos investimentos que estavam concentrados no período inicial das concessões, tivesse sido convertida em lei, é provável que diversas das concessionárias da 3ª etapa teriam conseguido restabelecer as condições da concessão e não teria sido necessário recorrer à relicitação.

A antecipação de receitas tarifárias, com a cobrança de tarifa equivalente àquela vigente em caso de manutenção das obrigações contratuais, é um mecanismo importante para o fortalecimento do caixa. Porém, nos termos da minuta de resolução, essa medida está condicionada à anuência de financiadores e garantidores com a suspensão do pagamento e amortização da dívida decorrente de financiamento, emissão de valores mobiliários ou qualquer outra modalidade de operação de crédito no período, o que pode dificultar a sua aplicação.

Do mesmo modo, a suspensão dos atos de cobrança de multas aplicadas transitadas em julgado está condicionada à anuência de financiadores e garantidores com a suspensão do pagamento e amortização da dívida decorrente de financiamento, o que também pode ser um óbice para a sua incidência.

Se o regime de recuperação estiver associado à transferência do controle societário da concessionária, o processo de discussão das medidas a serem adotadas no Regime de Recuperação Regulatória será aberto a qualquer interessado na aquisição do controle, para que todos possam apresentar as suas sugestões, mediante a realização de reunião participativa aberta. A implementação da transferência de controle societário em determinado prazo consistirá em condição para a entrada em vigor do regime de recuperação.

Procedimento
O ingresso no Regime de Recuperação Regulatória tem início com a solicitação pela concessionária interessada.

No requerimento de ingresso, a concessionária já deverá apresentar a sua proposta das medidas a serem adotadas durante o regime de recuperação, com o seu respectivo prazo de vigência.

Em termos similares à relicitação, o termo aditivo que formalizará o regime conterá a renúncia da concessionária ao prazo de correção de falhas e transgressões em relação às obrigações pactuadas, de que trata o § 3º do art. 38 da Lei 8.987/1995, e a vedação à concessionária, durante a vigência do regime de recuperação regulatória, a distribuir dividendos ou juros sobre capital próprio e realizar operações que configurem remuneração dos acionistas; reduzir o seu capital social; oferecer novas garantias em favor de terceiros, exceto se houver autorização expressa da agência; alienar, ceder, transferir, dispor ou constituir ônus, penhor ou gravame sobre bens ou direitos vinculados ao contrato de concessão, salvo se houver autorização expressa da agência; e requerer falência, recuperação judicial ou extrajudicial.

Após a análise do requerimento e devida instrução do processo pela superintendência competente, incluindo o processo de participação e controle social, a proposta de termo aditivo será submetida à deliberação da diretoria.

O ingresso no regime de recuperação apenas será formalizado com a assinatura do termo aditivo. Até esse momento, a concessionária deverá continuar a dar integral cumprimento ao seu contrato de concessão.

O regime de recuperação será extinto pelo decurso do prazo previsto, com o cumprimento das obrigações, ou caso seja constatado o descumprimento das obrigações. No caso de descumprimento, as medidas adotadas no regime de recuperação serão revertidas, aplicando-se os mecanismos de preservação do equilíbrio econômico-financeiro. 

A minuta de resolução prevê que, no caso de descumprimento grave das obrigações, será instaurado processo de caducidade. Logo, a caducidade não é consequência necessária nos casos de descumprimento das obrigações previstas no regime de recuperação – ainda que a gravidade do descumprimento seja analisada em cada caso, não havendo critérios previamente estabelecidos para tanto.

Observações finais
O Regime de Recuperação Regulatória pode consistir em alternativa interessante à relicitação, à medida que propicia a adoção de diversas medidas, previstas exemplificativamente, objetivando a viabilização e continuidade do projeto. 

Foi atribuído um caráter amigável e consensual ao regime, de modo que concessionária e agência possam discutir o que é efetivamente necessário e adequado para o restabelecimento do serviço. Para tanto, os próprios requisitos propostos na minuta de resolução merecem ser interpretados como diretrizes e não eventuais óbices à adoção do regime, sempre tendo em vista a continuidade do serviço.

É importante que, na sua aplicação, seja observada a consensualidade em todas as etapas, além de se desenvolver o processo com celeridade, de modo que o regime possa ser implantado quando a situação da concessão ainda possa ser revertida e seja evitada a ruptura contratual.

1 Os documentos da audiência pública estão disponíveis em https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=528.
2 Lei 13.448/2017, art. 14, §2º, III.
*Aline Lícia Klein é doutora em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) e sócia de Porto Lauand Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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