iNFRADebate: Desafios na estruturação do Rodoanel Norte – inovações para superar o passado

Izabel Dompieri*, Marina Zago** e Thiago Ferreira***

O Rodoanel Norte é um projeto vital para a logística do Estado de São Paulo. A conclusão do trecho norte do trecho possibilitará a finalização do anel viário, aumentando a capacidade de escoamento de produtos e melhorando o tráfego urbano nas cidades vizinhas.

A conclusão das obras do Rodoanel Norte tornou-se um desafio, considerando o histórico conturbado envolvendo contratos rescindidos e processos licitatórios não concluídos. Esse contexto tornou a estruturação do projeto extremamente desafiadora.

Foi preciso reconhecer, encarar e tratar de forma eficiente e inovadora as dificuldades que se colocavam. Nesse sentido, destacam-se dois pontos de sensibilidade: (i) a retomada das obras de ampliação principal; e (ii) o risco de demanda. Além da conciliação com o passado, também foram propostas inovações, dentre elas, o sistema do free flow e o uso do iRap para um projeto greenfield.

Foi com esse espírito que, em janeiro de 2021, foi publicado o edital da concessão patrocinada para conclusão das obras de implantação e operação do Rodoanel Norte.

Separação de etapa de diligências (período de pré-construção)
A retomada de obras paralisadas não é tarefa trivial e envolve a análise e mitigação de vários riscos, entre eles o risco de projeto, risco de obra, passivos ambientais etc.

Para endereçar o problema, de modo a conferir segurança jurídica às partes e assegurar a efetiva retomada e conclusão das obras, o projeto prevê um período de pré-construção. Durante essa etapa, um relator independente realizará vistorias para identificar, dentre outros pontos, eventuais inconsistências entre a situação atual das obras e as informações disponibilizadas nos documentos licitatórios, assegurando o reequilíbrio econômico-financeiro – e sem excluir, à futura concessionária, o direito de ter o contrato reequilibrado caso sobrevenham vícios ocultos.

Caso existam divergências sobre as conclusões do relator independente, será acionada uma comissão de transição, estruturada à semelhança de um dispute board. A comissão deverá acompanhar o período de pré-construção e suas decisões terão caráter vinculante, conforme as melhores práticas de mercado.

Acredita-se que, com o período de pré-construção, será possível evitar que pleitos se estendam e contaminem a execução contratual, principalmente o período de construção. Assim, essa etapa serve como um divisor de águas, um momento para se levantar inconsistências e chegar a soluções rápidas e de fácil implementação, possibilitando que as obras ocorram sem grandes percalços – e que a execução contratual siga focada na operação comercial da rodovia.

Pagamento por disponibilidade para contornar o risco de demanda
Além da necessidade de um valor expressivo de investimentos nos primeiros anos para concluir as obras do anel viário, o projeto apresentou um risco de demanda sensível. Isso porque estamos diante de um projeto greenfield em área urbanizada, cuja demanda depende notadamente da restrição de tráfego nas marginais da cidade de São Paulo (eixo paralelo ao trecho norte do Rodoanel e não pedagiado) – medida sob tutela exclusiva do Município. 

O modelo de concessão patrocinada permitiu a adoção do mecanismo de pagamento pela disponibilidade da infraestrutura – solução inovadora em relação ao histórico das concessões rodoviárias do programa estadual, e que reitera a maturidade em se adotar soluções diferentes (e necessárias) para projetos diversos e com características específicas. Nele, a concessionária será remunerada por disponibilizar o trecho rodoviário de acordo com os níveis de serviço exigidos, com base na demanda estimada, independentemente da demanda observada. Para isso, o mecanismo de pagamento da contraprestação pública prevê ajustes relacionados não apenas à evasão dos usuários, mas também em função de não alcance da demanda estimada.

Destaca-se ainda que, caso a demanda observada seja superior àquela estimada, o upside será compartilhado entre concessionária e Estado, estimulando a prestação de um serviço de qualidade de modo a tornar o trecho um indutor de tráfego. 

Free flow: inovando para a justiça tarifária
Acreditou-se que o Rodoanel Norte ofereceria uma excelente oportunidade para se avançar no modelo de free flow, por ser uma rodovia relativamente curta (44 km), com a característica de ser classe 0, ou seja, sem acessos.  Assim, o Rodoanel Norte será a primeira rodovia a operar – obrigatória e integralmente – com o sistema free flow.

Isso significa que não haverá instalação de praças de pedágios. Serão instalados pórticos ao longo da rodovia, que serão capazes de identificar quantos quilômetros cada usuário percorreu, de modo que o usuário só pagará pelo trecho efetivamente trafegado, promovendo justiça tarifária do sistema.

Para aqueles que possuem o AVI (Automatic Vehicle Identification), o pagamento será automático, no momento da passagem no pórtico. Aqueles que não possuírem o dispositivo poderão realizar o pagamento de forma voluntária, sem custos adicionais, por meio de plataforma digital a ser disponibilizada pela concessionária. Caso o pagamento não seja feito de forma voluntária, o DER emitirá multa de evasão de pedágio, conforme previsto na Lei nº 14.157/2021, conhecida como Lei do Free Flow.

De qualquer forma, por ser uma medida inovadora e sem precedentes no território nacional, a contraprestação da concessionária poderá ser acrescida de componente que representa o valor não pago pelos usuários inadimplentes. Ou seja, o risco de inadimplência é assumido pelo Estado, sendo ele a parte competente para lavrar as multas de trânsito.

iRAP: segurança viária como premissa de projeto
Desde o edital de concessão do trecho Piracicaba-Panorama, o Governo do Estado de São Paulo utiliza a metodologia mundialmente reconhecida do iRAP (International Road Assessment Programme) como norteador para as ações de segurança dos usuários das rodovias concessionadas.

Usualmente utilizado em projetos brownfield, o iRAP deve ser utilizado como uma ferramenta importante para aumentar a segurança viária dos usuários do Rodoanel Norte. Embora seja um projeto greenfield, foi possível, a partir dos projetos já elaborados, classificar subsegmentos e as possíveis contramedidas de segurança a serem previstas ainda no âmbito da estruturação do projeto.

Em que pese a necessidade de a futura concessionária avaliar e adequar os projetos às normas vigentes de sinalização horizontal, vertical e de dispositivos de segurança às normais mais atuais, o iRAP norteará a futura concessionária na identificação dos subsegmentos e das ações mais críticas. O projeto de concessão do Rodoanel Norte é um exemplo de modelagem que se dispôs tanto a reconhecer e endereçar os problemas pretéritos, como a olhar adiante, sendo, possivelmente, o projeto rodoviário com mais inovações no país. Espera-se que o resultado deste processo seja um leilão competitivo e bem-sucedido – e que sirva como parâmetro para os projetos que vêm pela frente.

*Izabel Dompieri de Assis é assessora da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo. LLM na Queen Mary University of London e pós-graduação em Direito Administrativo pela FGV-SP.
**Marina Zago é coordenadora de Estruturação de Projetos da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, doutora em Direito do Estado pela USP eestre em Gestão e Políticas Públicas pela EAESP/FGV.
***Thiago Ferreira é assessor Econômico-Financeiro da Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo, engenheiro civil com especialização em Planejamento e Infraestrutura de Transportes pela USP. Tem MBA em Engenharia Financeira pela USP.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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