iNFRADebate: Concessões aeroportuárias, algo além do resultado financeiro

Delmo Pinho*

O Rio de Janeiro sempre foi a porta de entrada para o turismo no Brasil, mas tem sido muito prejudicado pela perda de conectividade entre voos domésticos e internacionais. Uma das peças-chave para um novo Rio está no fortalecimento desta atividade, com grande impacto socioeconômico e que pode se consolidar com a criação de um hub aéreo centrado no Galeão. Afinal, aeroportos vibrantes e que exploram plenamente o seu potencial são motores de desenvolvimento para suas cidades e áreas de influência. 

Um hub aéreo internacional na Cidade Maravilhosa é uma oportunidade ímpar, que abriria portas para a criação de milhares de novos empregos em um momento sensível como este em que estamos vivendo. Na pré-pandemia, o Aeroporto do Galeão gerava 22 mil empregos diretos e impactava 150 mil empregos em indústrias, turismo e logística. Em 2019, as atividades econômicas desenvolvidas no aeroporto geraram R$ 6,6 bilhões em receita bruta. 

Para que o hub aéreo se concretize e se traduza em mais emprego e renda, a conectividade aérea (doméstica e internacional) do Rio de Janeiro tem que estar concentrada no mesmo sítio aeroportuário, para que os voos internacionais se conectem de forma eficiente com uma malha doméstica diversificada. Sendo assim, é preciso equilibrar a distribuição de voos entre os aeroportos SDU (Santos Dumont) e Galeão. Ocorre que, atualmente, 64% dos voos do Rio estão alocados no Santos Dumont, frente a apenas 36% no Galeão. 

Este desbalanceamento prejudica a economia do Rio pela perda seguida de voos domésticos, capazes de viabilizar linhas internacionais, o que termina por retirar da capital a condição de hub aéreo. 

Em primeiro lugar, é preciso destacar que os aeroportos, exercem grande influência para o desenvolvimento da cidade e do estado. Tanto o Santos Dumont quanto o Galeão são de suma importância para a nossa metrópole, que possui um grande potencial turístico. Entretanto, vale reforçar que os dois aeroportos reúnem características distintas, que devem ser levadas em consideração para que haja um sistema multiaeroportos capaz de funcionar de forma conectada e complementar, o que seria excelente para a economia do Rio de Janeiro e do Brasil. 

Recentemente, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) apresentou em audiência pública a modelagem de concessão do Santos Dumont sem tratar da questão do uso e balanceamento dos aeroportos da cidade, desconsiderando os impactos sobre o Galeão e sobre as atividades econômicas dele decorrentes. Ao mesmo tempo, propôs o aumento da capacidade do SDU, de 9,0 para 14,6 milhões de passageiros/ano, ou seja, um aumento de 60% no volume de viajantes e, consequentemente, da operação de grandes aeronaves, chegando ao absurdo de propor voos internacionais para o Cone Sul a partir do SDU.  

Conceder o Santos Dumont para a iniciativa privada é crucial para melhorar a competitividade e a qualidade do atendimento. Mas o modelo proposto pela ANAC e defendido por alguns especialistas, de se maximizar o resultado financeiro no Santos Dumont e de desconsiderar os impactos socioeconômicos, fragiliza e até inviabiliza por um bom tempo o retorno do Rio à condição de hub aéreo nacional. Tal medida pode colocar em risco setores da economia que dependem do transporte aéreo, tal como o turismo e as indústrias de óleo e gás, telecomunicações, mídia, farmacêutica e aeronáutica, pontos que a sociedade fluminense não concorda e não aceita.

Exemplo que deu certo
O modelo estabelecido em 2005, no Rio e em Belo Horizonte, pelo então DAC (Departamento de Aviação Civil), autoridade máxima da aviação civil na época, beneficiou a economia dos dois estados. Minas Gerais formou um hub de aviação composto por dois aeroportos (Pampulha – recentemente concessionado pelo estado para a CCR, e Confins – controlado pelas empresas CCR e Zurich). O resultado é que em Minas, os usos e a coordenação operacional dos aeroportos foram mantidos e ocorrem há 16 anos consecutivos com grande sucesso.

O Rio de Janeiro seguia o mesmo caminho, com o Santos Dumont e o Galeão e o conjunto de aeroportos do Rio vinha crescendo de forma consistente, um verdadeiro ganha-ganha. Todavia, em 2009, a ANAC cancelou a coordenação de voos no Rio, liberando o Santos Dumont sem quaisquer restrições. Os problemas no Rio retornaram. O resultado é que atualmente Belo Horizonte conta com 37 destinos domésticos diretos, enquanto o Rio só possui 24 destinos, mesmo sendo a segunda maior economia do país.

Agora, a concessão do Santos Dumont pode representar uma correção de rota para a formação de um hub aéreo também no Rio de Janeiro, ou pode perpetuar a situação atual de perdas constantes para a economia do Rio. Importante lembrar que, antes da pandemia, o SDU operava frequentemente acima da capacidade, com salas de embarque e salões repletos, resultando num inadequado nível de serviço e de conforto para os usuários, o que não é aceitável. Com o aumento proposto pela ANAC, o serviço vai perder ainda mais em qualidade, sobrecarregando o SDU e deixando o Galeão jogado às traças por muitos anos. 

A situação ganha-ganha é simples, testada e conhecida: basta limitar a operação do Santos Dumont a oito milhões de passageiros/ano (embarcados+desembarcados), e/ou 80 mil movimentos regulares/ano (pousos+decolagens), limite que vencer primeiro. Além disso e de forma complementar, vale a pena utilizar recursos de outorgas do SDU e Galeão apoiando investimentos em mobilidade urbana sobre trilhos no eixo Estácio/Galeão, tornando o deslocamento de usuários rápido e seguro, e paralelamente beneficiar milhares de habitantes lindeiros ao trajeto, que também vão se beneficiar do investimento. 

No futuro, quando os aeroportos Santos Dumont e Galeão movimentarem em conjunto, um total de 30 milhões de passageiros/ano, por um prazo de cinco anos, daí seria possível liberar o uso de ambos os terminais, até que atinjam suas capacidades operacionais. 

Resumidamente é necessário impor limites operacionais ao Santos Dumont, promover a complementaridade entre os dois aeroportos, e agir de forma que o bom senso prevaleça. Simples assim!

*Delmo Pinho é presidente do Conselho de Transportes da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro) e ex-secretário estadual de Transportes do Rio de Janeiro.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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