iNFRADebate: BR do Mar – a não prorrogação do Reporto dá ensejo ao reequilíbrio dos contratos de arrendamento portuário?

Rafael Wallbach Schwind*

Foi publicada no último dia 7 de janeiro a Lei Federal 14.301, que, dentre outras medidas, instituiu o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (BR do Mar). A lei é o resultado de discussões que se estenderam por longo tempo e foi recebida com entusiasmo pelo setor de transportes aquaviários. Devido às dimensões de sua costa, o Brasil é propício a que se estimule a cabotagem. Alternativas ao transporte rodoviário são necessárias e devem ser incentivadas.

Entretanto, chama a atenção que o Presidente da República vetou o art. 23 do projeto de lei, que estabelecia a prorrogação do Reporto de 1º de janeiro de 2022 até 31 de dezembro de 2023. O veto baseou-se em três fundamentos: (1) a prorrogação do Reporto implicaria renúncia de receitas sem apresentação do impacto orçamentário e financeiro nem das medidas compensatórias; (2) a proposição seria contrária ao interesse público uma vez que o Reporto restaria demasiadamente amplo e aberto; e (3) já haveria uma ampla gama de desonerações por meio de suspensão tributária.

Parece-nos que essas justificativas são equivocadas. Ainda há a possibilidade de o Congresso Nacional derrubar o veto presidencial e com isso prevalecer a proposição contida no projeto levado a sanção.

Mas não pretendemos tratar aqui das razões do veto presidencial, e sim de uma dúvida que surge em decorrência dele: cabe reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de arrendamento portuário em razão da não prorrogação do Reporto?

Como toda questão relacionada a equilíbrio econômico-financeiro, as análises exaustivas sempre devem ser feitas levando em conta as peculiaridades de cada caso concreto. Isso porque pode haver alocações de riscos diferentes entre contratos aparentemente similares. De todo modo, em termos gerais, é possível responder afirmativamente ao questionamento: sim, a não prorrogação do Reporto pode dar ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de arrendamento portuário.

Primeiramente, deve-se compreender como funciona o benefício. O Reporto é o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária. Esse benefício fiscal permite a importação de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens com suspensão de certos tributos federais quando importados diretamente pelos beneficiários do regime e destinados ao seu ativo imobilizado para utilização na modernização e ampliação da estrutura portuária.

O Reporto foi instituído ainda em agosto de 2004 pela MP 206/2004, posteriormente convertida na Lei Federal 11.033 daquele ano. Após sucessivas prorrogações, o Reporto teve vigência até 31 de dezembro de 2020.

A habilitação no Reporto proporciona a suspensão dos seguintes tributos: Imposto de Importação, IPI-Importação, PIS-Importação e COFINS-Importação. Após cinco anos contados do fato gerador, a suspensão do II e do IPI converte-se em isenção e a suspensão do PIS-Importação e da COFINS-Importação converte-se em alíquota zero. Há também isenções para aquisição no mercado interno.

O Reporto é um benefício muito significativo para terminais portuários. As empresas titulares de terminais portuários – seja autorizados, seja licitados – assumem compromissos de investimento. O Reporto destina-se justamente a reduzir a carga tributária sobre esses investimentos, que são de inegável interesse público. Assim, para se saber se a não prorrogação do Reporto gera direito ao reequilíbrio contratual, deve-se avaliar se os terminais portuários tinham uma expectativa legítima e já incorporada à equação contratual de se valer desse incentivo.

Em nosso entendimento, não há dúvidas de que essa expectativa legítima se fazia presente. Isso porque os estudos de viabilidade que antecederam as licitações de diversos terminais portuários contemplaram o impacto do Reporto nas suas modelagens. Note-se que a utilização do Reporto não era prevista apenas como uma “possibilidade em tese”, que poderia ou não ser aplicada “caso o benefício continuasse disponível”. Era muito mais do que isso: em muitos casos, a modelagem desses contratos, elaborada pelo próprio Poder Público, não só previa a incidência do Reporto como quantificava de forma precisa o seu impacto nos futuros contratos. Portanto, o impacto concreto e preciso do Reporto foi considerado na equação econômico-financeira de diversos contratos de arrendamento de terminais portuários. Os interessados, de forma legítima, levaram em consideração o impacto benéfico do Reporto em suas propostas.

Não precisaria ser necessariamente assim. O poder concedente poderia simplesmente ter desconsiderado o impacto do Reporto ou ter orientado os licitantes no sentido de que não haveria reequilíbrio caso o benefício não fosse prorrogado. Com isso, os interessados estariam cientes desses riscos e os levariam em conta em suas propostas. No entanto, não foi essa a opção adotada pelo poder concedente, que previu a incidência do Reporto como um incentivo a possíveis interessados nas licitações de terminais portuários. Sendo assim, como o impacto do Reporto foi considerado na equação econômico-financeira, a não continuidade do benefício acarreta desequilíbrio contratual, sendo necessária a sua recomposição por meio dos mecanismos legais e contratuais existentes.

Na realidade, a questão não é nova. A jurisprudência há muito tempo admite que a revogação de isenções tributárias consideradas em propostas pelos licitantes afeta a equação econômico-financeira de contratos administrativos e, portanto, gera direito ao reequilíbrio. Como representativo desse entendimento, confira-se o acórdão do RE nº 902.910 AgR/RJ (STF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 6.11.2018). Naquele caso, tratava-se de contrato de obra pública firmado quando vigorava legislação que concedida isenção tributária do ISS para as operações resultantes da avença celebrada pelas partes. Como a isenção deixou de existir no curso do contrato, reconheceu-se que houve desequilíbrio e, portanto, a necessidade de recomposição da equação econômico-financeira da avença, sob pena de violação à garantia prevista no art. 37, XXI, da Constituição Federal.

No caso do Reporto, o mesmo raciocínio se aplica. Primeiro, o Reporto proporciona a suspensão de certos tributos federais que incidem diretamente sobre a execução de investimentos previstos, havendo, portanto, um impacto comprovado. Segundo, essa suspensão converte-se em isenção ou alíquota zero após alguns anos de acordo com a legislação vigente quando esses contratos de arrendamento portuário eram celebrados. Terceiro, a sistemática de suspensão de tributos e posterior isenção ou alíquota zero foi incorporada à equação econômico-financeira de certos contratos de arrendamento portuário ao ser prevista na modelagem de tais avenças – e, consequentemente, ao ser levada em consideração pelos interessados.

Como se vê, a não prorrogação do Reporto pode sim dar ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de arrendamento de terminais portuários. Se for este o caso, o reequilíbrio será imprescindível para a estabilidade desses contratos.

Por fim, esclareça-se que foi examinada aqui apenas uma hipótese, em que o impacto econômico e financeiro do Reporto foi expressamente considerado pelo próprio poder concedente na modelagem de contratos de arrendamento portuário. Não se descartam possíveis outras situações em que a mesma conclusão se aplique em decorrência da não prorrogação do Reporto. Trata-se de algo a ser levado em conta inclusive na apreciação do veto presidencial.

*Rafael Wallbach Schwind é doutor e Mestre em Direito do Estado pela USP. Visiting scholar na Universidade de Nottingham. Sócio do departamento de infraestrutura de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Sociedade de Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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