iNFRADebate: ANTT inicia a discussão da alocação de riscos dos contratos da 5ª Etapa

Rafael Fernandes, Alexandre Mundim e André Curiati*

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) deu início às discussões com o mercado sobre a estruturação jurídica dos contratos da Quinta Rodada do Programa Federal de Concessões Rodoviárias. Para tanto, a agência colocou em processo de participação social (Audiência Pública 13/2022) o novo modelo de alocação de riscos que pretende adotar nas próximas concessões no setor de rodovias.

A minuta de cláusula apresentada é fruto de trabalho da Cinov (Coordenação de Estudos e Inovações Regulatórias) da ANTT, que, entre outras fontes, baseou-se em experiências de concessões rodoviárias internacionais e em proposta de cláusula de alocação de riscos oriunda de um esforço conjunto realizado no âmbito de acordo de cooperação técnica, celebrado entre a ANTT, o Ministério da Infraestrutura e a Melhores Rodovias do Brasil – ABCR, que têm discutido possíveis aprimoramentos no ambiente regulatório do setor de rodovias. 

Neste sentido, a proposta busca consolidar melhorias na alocação de riscos nos contratos de concessões de rodovias, mediante a identificação de riscos no contexto da operação desses ativos e como distribuí-los entre as partes contratuais. 

Abaixo, são apresentadas cinco novidades propostas pela ANTT:

1. Risco de demanda
Sobre o risco de demanda, a ANTT reconheceu que seus contratos adotam disciplina mais rígida e não aderente às práticas internacionais. Nestas, o risco costuma ser compartilhado ou assumido pelo poder público, tendo em vista que o parceiro privado não reúne condições para gerenciá-lo ativamente. Nos contratos da agência, por sua vez, o risco de demanda costuma ser quase que integralmente transferido à concessionária.

Na proposta da ANTT, o tema passa a ser compartilhado entre o Poder Concedente e a concessionária. A forma desse compartilhamento, porém, não é novidade no setor. A agência optou por endereçar o tema mediante a replicação de mecanismo já adotado em contratos, como o da BR 163/MT e o da BR 040/495/MG/RJ (em fase final de estruturação).

Nesse modelo, o risco de demanda é compartilhado entre as partes e as referências para a aferição das variações de demanda são as receitas estimadas pelos estudos de viabilidade da concessão. 

Na proposta da agência, são estabelecidas bandas de 15% de variação das receitas estimadas para cada ano da concessão. As variações de receita inferiores a 15% são consideradas como risco da concessionária. Por outro lado, variações de receita superiores a 15% ensejam reequilíbrio contratual, em favor de alguma das partes.

Caso a receita efetiva seja inferior à estimada acima de 15%, o risco é reconhecido como do Poder Concedente, que terá de suplementar a diferença entre a receita efetiva e a receita mínima esperada para a concessão. O inverso ocorre na hipótese em que a receita efetiva for superior à estimada acima de 15%; neste caso, é a concessionária que deverá transferir a parte excedente de suas receitas ao Poder Concedente. 

A apuração desse mecanismo será anual, realizando-se a compensação sempre na revisão ordinária subsequente à apuração. Sua aplicação, contudo, é sujeita a uma condição: a concessionária somente poderá usufruir de sua utilização caso apresente um índice de execução das obras de ampliação de capacidade e melhorias de, no mínimo, 90%. Caso não atenda a esta condição, o mecanismo não será aplicado pela ANTT. 

2. Risco de licenciamento
Tradicionalmente, os contratos de concessão de rodovias federais transferem a integralidade dos riscos decorrentes do licenciamento ambiental ao parceiro privado. Na audiência pública, no entanto, a ANTT reconhece que essa forma de alocação transfere um conjunto de riscos que o privado não tem capacidade de gerenciar.

Em sua proposta, a agência busca conferir maior racionalidade à alocação dos riscos associados ao licenciamento, sobretudo ao risco de atraso e de variação dos custos do licenciamento decorrentes de condicionantes ambientais. 

No que diz respeito ao risco de atraso, a ANTT propõe que a concessionária suporte somente as consequências de atrasos decorrentes da não adoção das medidas que estavam a seu alcance para o andamento do processo de licenciamento ambiental.

No caso do risco de variação dos custos, a agência propõe que os contratos estabeleçam um valor de referência para o atendimento das condicionantes, calculado a partir dos estudos de viabilidade da concessão. Caso essa verba seja superada, a concessionária e o Poder Concedente repartirão os custos adicionais na proporção de, respectivamente, 20% e 80%.

3. Risco de desapropriações e desocupações
Modelo similar é proposto para desapropriações e desocupações. Ambas são fontes relevantes de riscos associados aos contratos de concessão do setor, especialmente pelo fato de a concessionária não deter condições de antecipar o custo efetivo desses processos.

Não por outro motivo, a ANTT já previa em seus contratos formas de compartilhamento desse risco, estabelecendo um valor limite que a concessionária teria de suportar e assegurando o direito à recomposição contratual no caso desse valor ser superado.

A solução agora proposta pela agência é a de que o Poder Concedente deixe de assumir integralmente os valores excedentes e passe a suportar apenas 80% do que extrapolar o limite contratual. Esse mecanismo foi testado em projetos como a concessão da Nova Dutra e a concessão do sistema Rio-Valadares e passaria a ser o padrão da agência.

Esse tipo de mitigação parcial do risco de desapropriação e desocupação tem a finalidade de conferir estímulos para que a concessionária controle de forma mais eficiente os custos de obtenção das áreas necessárias à concessão. A despeito da intenção louvável, a previsão tem o efeito colateral de aumentar a exposição da concessionária ao risco de variação dos custos de desapropriação e desocupação, o que nos parece contrário aos objetivos pretendidos pela agência com a revisão de sua cláusula de alocação de riscos.

4. Riscos inflacionários e cambiais
A agência também procurou incorporar inovações recentes testadas em projetos específicos na cláusula padrão de alocação de riscos do setor. Este é o caso do tratamento dos riscos inflacionários e de variação cambial. Em ambos, a ANTT propôs o compartilhamento dos riscos dentro do limite a ser estabelecido pelo contrato – no entanto, não disponibilizou nenhuma proposta que evidencie quais serão esses limites.

É relevante acompanhar os próximos passos da agência nesses dois temas, para se aclarar se a intenção é a de replicar esses modelos anteriores ou desenvolver mecanismos alternativos para endereçar esses riscos.

5. Riscos residuais
Por fim, a agência ainda propõe uma revisão estrutural na forma de alocação de seus riscos. Tradicionalmente, a ANTT transferia à concessionária todos os riscos não expressamente alocados ao Poder Concedente pelo contrato de concessão. Essa forma de alocação transferia uma série de riscos imprevisíveis ao parceiro privado, o qual, por não poder gerenciá-los, simplesmente contingenciava valores em sua tarifa para o caso de sua concretização.

O modelo, portanto, gerava ineficiências de precificação. Para evitá-las, a ANTT propõe um limite a essa lógica de alocação de riscos. Na cláusula disponibilizada à audiência pública, é previsto que eventos que não sejam expressamente alocados no contrato e que impactem os custos da concessão em montante superior a 5% da receita tarifária bruta anual da concessionária passarão a ser risco do Poder Concedente. 

Conclusões
De forma geral, o esforço empreendido pela ANTT é positivo para o setor. No entanto, conforme exposto acima, boa parte das propostas da agência correspondem à introdução de mecanismos já utilizados em projetos anteriores de concessões rodoviárias federais. Se por um lado esta escolha confere maior segurança jurídica para o processo de revisão da cláusula, por outro, perde-se a oportunidade de endereçar soluções mais estruturais, que enfrentem os dilemas da alocação de riscos no setor sem fórmulas pré-concebidas. Para se evitar transformar essa oportunidade de revisão em mais do mesmo, é relevante que os interessados apresentem contribuições para ampliar o debate sobre a alocação de riscos nas concessões rodoviárias. O envio de manifestações fica aberto até 13 de janeiro de 2023 por meio do Portal ParticipANTT. Além disso, a ANTT iniciou duas sessões públicas presenciais para apresentação e discussão da minuta proposta. Em São Paulo, no dia 13 de dezembro, e em Brasília, no dia 15 de dezembro de 2022.

*Rafael Fernandes, Alexandre Mundim e André Curiati são membros da área de Infraestrutura Logística da Manesco Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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