iNFRADebate: Análise do caso Itapemirim – suspensão do transporte rodoviário

Bruno Azambuja*

Em 2021, a Itapemirim, empresa de transporte rodoviário de passageiros, buscou ampliar seus negócios com a prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros. Com a promessa de passagens mais baratas e serviço de bordo diferenciado, a ITA Linhas Aéreas estreou em julho daquele ano, surpreendendo todo o mercado. Após alguns meses de operação, no entanto, uma série de revezes atrapalharam os planos da companhia, que teve seu COA (Certificado de Operador Aéreo) suspenso e foi proibida pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) de vender passagens.

Paralelamente, em dezembro de 2021, a Viação Itapemirim também anunciou a suspensão de diversas linhas de transporte rodoviário de passageiros.

Recentemente, em 20 de abril de 2022, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) decidiu suspender todas as linhas de ônibus interestadual da Itapemirim, até que seja expedida a decisão de mérito no PAO (Processo Administrativo Ordinário) em andamento ou até que seja cadastrada frota compatível com as linhas a serem reativadas. 

Certamente essa decisão da ANTT não possui relação com os problemas apresentados pela Itapemirim Linhas Aéreas. Tratam-se de atividades diferentes, de modo que os problemas apresentados em um setor não afetam a operação da empresa no outro setor. Ocorre que o grupo Itapemirim vem passando por dificuldades financeiras há bastante tempo, haja vista a recuperação judicial que transcorre desde 2016.

O que levou então a ANTT a suspender as linhas da Viação Itapemirim?

Em nota, a agência afirmou que a suspensão se deu em virtude de dificuldades operacionais do transporte rodoviário de passageiros da empresa. Não é possível saber exatamente quais fatos foram considerados para expedir essa decisão, pois o processo é sigiloso no âmbito da ANTT. 

Todavia, pela lógica das regras que tratam sobre transporte rodoviário, é possível analisar o que pode ter ocorrido. Nos termos do art. 14, inciso III, alínea “j”, da Lei 10.233/2001, o transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros é operado no regime de autorização. Ou seja, um ato administrativo precário que permite que o interessado preste o serviço pretendido.

O princípio basilar do transporte rodoviário de passageiros é a prestação do serviço adequado, entendido como aquele que satisfaz as condições de pontualidade, regularidade, continuidade, segurança, eficiência, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, em acordo com o art. 4º do Decreto nº 2.521/1998. 

A Resolução ANTT nº 4.770/2015 regulamenta a prestação do serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, sob o regime de autorização. As principais obrigações estabelecidas são: i) frota suficiente para o atendimento da frequência solicitada; ii) frequência mínima de uma viagem semanal; iii) relação de terminais, pontos de apoio e de parada; e iv) cadastro dos motoristas. 

Já a Resolução ANTT nº 1.383/2006 aponta os seguintes deveres da transportadora: i) prestar serviço adequado; ii) manter em dia o inventário e o registro dos bens; iii) prestar contas da gestão do serviço à ANTT; iv) cumprir e fazer cumprir as normas e cláusulas do termo de autorização; v) permitir livre acesso da fiscalização às instalações, equipamentos e registros contábeis; vi) zelar pela manutenção dos bens; e vii) promover a retirada de serviço de ônibus cujo afastamento de tráfego tenha sido exigido pela fiscalização.

A tarifa, por sua vez, é praticada em regime de liberdade de preços.

Já as penalidades aplicáveis aos transportadores estão discriminadas na Resolução ANTT nº 233/2004. As multas podem variar de 10 mil a 50 mil vezes o CT (coeficiente tarifário), a depender da gravidade da infração. Podem ser aplicadas, ainda, penalidades mais duras como a cassação da autorização e declaração de inidoneidade, conforme estabelecido pelo art. 78-A da Lei nº 10.233/2001. 

Em relação ao processo sancionador da ANTT, com o objetivo de dar maior racionalidade e celeridade, a Resolução ANTT nº 5.083/2016 estabeleceu dois ritos: o PAS (Processo Administrativo Simplificado), para as infrações puníveis com multa ou advertência, e o PAO, para as infrações graves puníveis com penalidade de cassação, decretação de caducidade e declaração de inidoneidade. 

Resumidamente, o PAS tramita integralmente pela unidade organizacional competente e é decidido em segunda instância pelo superintendente. Já o PAO possui um rito mais formal. É decidido pela diretoria colegiada e instruído por uma comissão processante composta por três servidores efetivos, além de ter prazo de 120 dias prorrogáveis por igual período.

No caso da Viação Itapemirim, a ANTT instaurou um PAO, em 4 de abril de 2022, para apuração de indícios de irregularidades. No curso desse processo, o Sufis (Superintendente de Fiscalização de Serviços de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros) aplicou a medida cautelar de suspensão das linhas da empresa.

A comissão processante deverá expedir o relatório de fiscalização até o dia 2 de agosto de 2022, propondo a cassação da autorização ou o arquivamento do processo. 

Caso a diretoria colegiada decida pela aplicação de penalidade, poderá convolar a penalidade de cassação em multa, a depender da gravidade da infração, dos danos dela decorrentes, da vantagem auferida pelo infrator, das circunstâncias agravantes e atenuantes, dos antecedentes do infrator e da reincidência. 

Dessa forma, é possível concluir que a suspensão das linhas de ônibus da Viação Itapemirim não tem ligação direta com os problemas apresentados pela ITA Linhas Aéreas, mas decorre de problemas apresentados pela empresa na prestação do serviço de transporte rodoviário de passageiros e pode ter relação com os problemas financeiros enfrentados pela companhia desde 2016.

*Bruno Azambuja é head de Direito Regulatório do Fenelon Advogados e advogado especialista em Direito Regulatório com ênfase em transportes. Trabalhou na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) por aproximadamente sete anos, em áreas diversas, como a Superintendência de Marcos Regulatórios, Superintendência Executiva e Superintendência de Infraestrutura Rodoviária. É membro da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB-DF.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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