iNFRADebate: Aeroportos – o possível consenso para mudança de rumo

Marçal Justen Filho e Cesar Pereira*

A devolução de concessões de infraestrutura no Brasil foi criada em 2016. Desde então, vem passando por regulamentações e aprimoramentos. No momento atual, diante de circunstâncias novas, surge na aplicação da lei uma questão até agora não enfrentada: o Estado está constrangido a manter uma solução administrativa danosa ou economicamente insuportável? Ou o consenso entre o Estado e o concessionário pode levar a outro caminho?

A devolução e subsequente relicitação de concessões foi uma solução criada para enfrentar dificuldades estruturais em certos contratos. Trata-se de medida extrema. Uma concessão de grande porte, outorgada após processo licitatório complexo e disputado, destina-se a ser executada até o seu termo final. A finalidade é o atingimento de todos os objetivos e a obtenção dos benefícios pretendidos com a concessão.

A solução da relicitação foi prevista pela Medida Provisória 752, que deu origem à Lei 13.448. É uma exceção; objetiva resolver, de modo controlado e organizado, a situação gerada por concessões que se tornaram inviáveis.

Como um mecanismo excepcional, as regras da relicitação tendem a ser rigorosas em relação ao concessionário. Uma delas prevê que o pedido de relicitação é irretratável e irrevogável. O concessionário não pode aderir ao regime excepcional e posteriormente retirar de modo voluntário ou unilateral essa opção. 

O rigor em relação à posição individual do concessionário não elimina a premissa fundamental de que a concessão visa à realização de interesses públicos. Buscam-se os investimentos do concessionário e a prestação dos seus serviços aos usuários. Encerrar a concessão antes do previsto é sempre uma solução indesejável, pois impede a realização dos interesses coletivos perseguidos originalmente.

Uma vez iniciado o processo de devolução e relicitação, nada impede que uma avaliação abrangente das circunstâncias pelo poder concedente leve à conclusão de que uma solução consensual é preferível ao fim antecipado da concessão. Isso pode decorrer também da identificação de problemas de outra natureza, tais como o valor vultoso de indenizações ao concessionário original, a redução do universo de licitantes pelo impedimento de participação desse mesmo concessionário, e os custos e dificuldades próprios de uma licitação complexa.

A irrevogabilidade e irretrabilidade, tal como previstas na Lei 13.448, não impedem a reversão do processo de relicitação. São limitações impostas ao concessionário, não a escolhas promovidas consensualmente entre poder concedente e concessionário. A relicitação não é unilateralmente revogável nem retratável, mas é reversível mediante acordo entre as partes. O poder concedente tem a prerrogativa, senão o dever, de adotar a solução mais compatível com os interesses públicos subjacentes à concessão. A evolução dos fatos pode evidenciar que a alternativa mais satisfatória é o encerramento do processo de relicitação e o ajuste das condições contratuais para superar os problemas anteriores.

Em determinados setores, como o aeroportuário, a agência reguladora (no caso, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil) é legalmente qualificada como poder concedente e assim aparece nos contratos de concessão. Essa qualificação reflete uma delegação. O poder concedente é o titular do serviço concedido, regulado de modo independente pela agência setorial. No caso da exploração de infraestrutura e serviços aeroportuários, trata-se da União. Cabe a esta, em última instância, a avaliação da conveniência da manutenção ou encerramento do processo de relicitação – e, por decorrência, do cabimento de um acordo para a reversão da relicitação e os ajustes necessários na concessão.

Tais ajustes feitos diretamente entre o poder concedente (União) e o concessionário podem inclusive envolver o reconhecimento de eventos de desequilíbrio contratual, independentemente de terem sido ou não apreciados ou até rejeitados pela ANAC. A titularidade e a competência originária para a gestão dos serviços em questão são da União, que não está impedida de chegar a uma solução consensual baseada em entendimento distinto do adotado pela ANAC. Configura-se, nesse caso, uma competência política e discricionária do poder concedente, a quem incumbe definir a solução mais satisfatória para assegurar a continuidade de serviços públicos indispensáveis ao desenvolvimento nacional sustentável. 

No caso concreto do aeroporto do Galeão, uma das causas principais do pedido de relicitação apresentado em 2022 foi a recusa da ANAC em reconhecer que a pandemia da Covid-19 produziu impactos estruturais e de longo prazo sobre a concessão e em quantificar tais impactos. A ANAC optou por reconhecer impactos apenas a cada ano. Na visão do concessionário, a orientação da ANAC inviabilizaria os compromissos de longo prazo indispensáveis à execução da concessão. Nada impede que a União, como titular constitucional do serviço público, adote entendimento diverso da ANAC e promova as soluções necessárias para tornar viável a concessão. Isso compreende, inclusive, a reversão da relicitação mediante solução consensual entre as partes.

Como regra, manter a concessão é a melhor solução. O sistema jurídico – retratado nas determinações da Lindb (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) introduzidas em 2018 – prestigia a compreensão abrangente dos fatos e dos efeitos práticos das decisões administrativas. A União não está constrangida a manter uma solução administrativa anterior, especialmente quando se revelar como mais danosa ou economicamente insuportável. Tem o dever de adotar o caminho mais adequado, que pode ser o de consensualmente não dar continuidade à devolução e à relicitação.

*Marçal Justen Filho e Cesar Pereira são sócios de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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