iNFRADebate: Abdid Aponta para Particularidades do Investimento em Infraestrutura

Igor Rocha e Venilton Tadini*

Uma análise de longo prazo da economia brasileira mostra que o papel do Estado na articulação dos investimentos e da promoção do crescimento econômico sempre foi essencial. De fato, desde a era Vargas, perpassando pelo Plano de Metas, culminando no II PND na década de 70, foram essenciais as ações de planejamento das políticas públicas para o fortalecimento da indústria de transformação e da infraestrutura no Brasil. Na infraestrutura propriamente dita, houve no período a ampliação dos principais modais de transporte, energia e insumos básicos, que conferiram ao período as bases para um aumento da participação de bens de capital produzidos no país.

Com o segundo choque do petróleo em 1979, e o choque dos juros dos EUA no mesmo ano, a economia brasileira entrou em uma grave crise econômica. A considerada “década perdida” – os anos 1980 – caracterizou-se por um quadro de profunda crise econômica, resultando em baixas taxas de investimento e crescimento do produto. Ademais, o país perdeu a sua capacidade de planejamento de longo prazo e direcionamento do investimento privado para projetos estruturantes. Consequentemente, o setor de infraestrutura tem sido paulatinamente sucateado.

Os anos de 1990 perseguiram a estabilização e abriram espaço para concessões privadas na infraestrutura, bem como para a transferência de ativos e investimentos para a iniciativa privada. Este direcionamento pode ser visto com a promulgação das leis relacionadas à concessão de serviços públicos (Lei 8.987/95 – Lei de Concessões – e Lei 11.079/04 – Lei de PPPs), bem como de outras normas que regulam as parcerias entre o setor público e o privado. No entanto, diversos problemas estruturais relacionados, por exemplo, a projetos maduros, garantias, financiabilidade e Project Finance não foram equacionados para dar dinamismo ao setor.

Uma avaliação mais apurada revela que, em raras exceções, os atuais programas de investimento são remanescentes do planejamento estatal da década de 70. Infelizmente, não houve uma estratégia de desenvolvimento definida, com programas de investimentos articulados e prioritários, que pudessem indicar o rumo e levar ao aumento da eficiência da economia e à melhora da competitividade.

No presente, segundo dados do World Economic Forum, o Brasil, em comparação com outros países em desenvolvimento, investe pouco em infraestrutura. Menos de 2% do PIB têm sido investidos, enquanto em outros emergentes como Índia e China, tal montante atinge cerca de 4% e 13% do PIB, respectivamente. O Brasil saiu do ápice do desenvolvimento do setor nos anos de 1970, quando chegou a se investir 5,4% do PIB, para menos da metade, 2,4% do PIB, na última década. Dados mostram que na década de 1970 o investimento em infraestrutura era de aproximadamente 24% da formação bruta de capital. Este caiu para aproximadamente 11% nos anos 2000.

Gráfico 1 – Investimento em Infraestrutura no Brasil

A despeito da atração da iniciativa privada ao setor, o Brasil tem apresentado grande dificuldade de alcançar investimentos compatíveis com as suas necessidades. Nos últimos trinta anos, o país abusou do câmbio valorizado e de taxas de juros exuberantes para manter a estabilização. Essa política corroeu a competitividade da indústria, juntamente com a falta de investimento em infraestrutura.

Dados levantados pela ABDIB revelam que com a crise, no ano de 2016, os investimentos em infraestrutura no Brasil recuaram espetacularmente chegando a cerca de R$ 106 bilhões, ou seja, 1,7% do PIB. Para o ano de 2017, a ABDIB projeta 1,5% do PIB em investimentos em infraestrutura no país. No agregado do setor, números inferiores a 3% sequer repõem a depreciação dos ativos. O Brasil precisa investir ao menos 5% do PIB – R$ 300 bilhões ao ano – na próxima década para recuperar a infraestrutura do país.

O atraso em alcançar os níveis de investimento e expansão da infraestrutura de economias no mesmo estágio de desenvolvimento afeta a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Alavancar os investimentos em infraestrutura não é tarefa fácil e exige um planejamento de risco e retorno equacionado pelo Poder Público que contenha regras claras, segurança jurídica e atratividade à iniciativa privada. Ademais, é necessária uma política macroeconômica que vise estimular os potenciais investimentos.

Gráfico 2 – Evolução dos investimentos em infraestrutura no Brasil (%/PIB)

De fato a crise econômica que atingiu o país entre 2015 e 2016 dificultou ainda mais o ambiente de negócios e os projetos. Em dois anos a atividade econômica caiu 7,2%, pior número desde a década de 1930. Tanto fatores econômicos internacionais quanto domésticos, retiram a demanda levando a uma severa retração dos investimentos. Tal cenário, conjugado a um ambiente político conturbado, com uma crise institucional latente, solapou o ambiente favorável ao setor empresarial.

Diante das severas dificuldades de se vislumbrar uma variável que pudesse ensejar a retomada da economia, e dos latentes gargalos do setor, a infraestrutura passou a ser vista como a mola-mestra da recuperação da economia. Tal como já lembrava o seminal economista alemão Albert Hirschman, em sua obra de 1958 – “Estratégia do Desenvolvimento Econômico” -, a infraestrutura é o capital social básico, sem o qual outros setores – primário, indústria, e serviços – não podem se desenvolver. Deste modo, uma infraestrutura adequada à estrutura produtiva do país é condição mais do que necessária para que a economia opere de forma eficiente, podendo liberar recursos para outros setores e objetivos nacionais.

Para além dos ganhos de competitividade e eficiência, o investimento no setor, em momentos de acentuada retração da economia, potencializa toda uma cadeia a jusante e a montante. Em outras palavras, à la Hirschman, há efeitos à frente e atrás do setor que podem reativar ou alavancar o crescimento de uma economia em desenvolvimento como a brasileira. Investimentos em infraestrutura demandam grande quantidade de insumos, que obviamente estimulam a produção das empresas que irão fornecê-los (efeito para trás). Tais investimentos, ademais, possuem outros efeitos. Isto é, a melhoria do transporte, a geração de energia, a expansão de serviços de telecomunicações propagam o aumento da eficiência sistêmica da econômica, estimulando investimentos privados e a produtividade do país (efeito para frente).

Em meio ao reconhecimento do setor de infraestrutura como chave para o dinamismo da economia, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi criado por meio da Lei 13.334/2016. Tal programa foi lançado para expandir e fortalecer a relação entre o Estado e o setor privado, bem como recuperar a governança do Estado através de uma articulação organizada dos agentes envolvidos no programa. Desde o seu lançamento, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que suplantou o chamado “Projeto Crescer”, gerou um importante realinhamento instrucional e organizacional dos projetos de infraestrutura. Não por acaso, o mercado expressou um amplo interesse com a participação de diversos agentes diversificados. No núcleo duro, na 1ª etapa, o PPI trouxe a iniciativa privada um pipeline com 34 projetos, totalizando US$ 9 bilhões. Na 2ª etapa, foram definidos, num primeiro momento, 55 projetos, totalizando US$ 15 bilhões. No decorrer do tempo outros projetos foram integrados a iniciativa.

Cabe ressaltar que todos os projetos que possuíam outorgas apresentaram ágios expressivos, cabendo destacar, por exemplo, os terminais portuários e a concessão de petróleo e gás. No entanto, a recuperação do setor de infraestrutura perpassa a solução de diversos gargalos estruturais que façam com que o setor possa se expandir de forma sustentável. Mesmo com o importante advento do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) lançado pelo governo federal em 2016 o setor ainda enfrenta dificuldades para recuperar os patamares de investimentos condizentes com as suas necessidades.

Uma análise comparativa entre países sobre a participação do governo como investidor mostra que o Estado tem que ser visto como central para a recuperação da infraestrutura brasileira. Parcerias público-privadas (PPPs) e concessões, embora essenciais e de extrema importância para a economia, não conseguiram nem de longe preencher a lacuna de investimentos necessários para a recuperação do setor. Como mostra o gráfico 3, mesmo em países desenvolvidos, a contribuição do Estado para o investimento direto no setor costuma ser muito significante.

Gráfico 3 – Proporção da contribuição do Estado para o investimento em infraestrutura (2011-2015)

No caso, por exemplo, dos países asiáticos, que têm apresentando forte dinamismo no período recente, à participação do setor público tem sido essencial. O setor público fornece mais de 90% do investimento global em infraestrutura da região. Isso equivale a 5,1% do PIB anualmente, muito acima dos 0,4% do PIB provenientes do setor privado. Além disso, as taxas de investimento em infraestrutura pública variam amplamente em sub-regiões e economias. No leste asiático, o investimento em infraestrutura é dominado pelo setor público, em contrapartida, o investimento em infraestrutura do setor público não é tão dominante no sul da Ásia, sendo o setor privado responsável por uma parcela considerável de investimentos.

Gráfico 4 – Investimento público e privado na infraestrutura (2010-2014) (em % PIB)

Dados do Banco Mundial mostram que nas economias emergentes o financiamento público das infraestruturas representa cerca de 70% das despesas de infraestrutura total. As finanças públicas geralmente dominam na Ásia emergente, especialmente na China. Entre os países da ASEAN, Goldman Sachs (2013) estima uma participação do governo na infraestrutura de 90% nas Filipinas, 80% na Tailândia, 65% na Indonésia e 50% na Malásia.

Na América Latina, igualmente aos países asiáticos, os investimentos em infraestrutura têm sido, normalmente, impulsionados pelo setor público (gráfico 5). Em países como o Peru, o investimento público em infraestrutura representa 3% do PIB, com um investimento total de 4,8% em relação ao PIB.

Gráfico 5 – Investimento público e privado na Infraestrutura em (% PIB) na América Latina – (média 2008 – 2013)

O Brasil, entre os maiores países da América Latina, é um dos únicos onde o investimento privado tem sido maior que o público, alocando assim ao ente privado a responsabilidade pelo investimento necessário à expansão e melhora dos serviços de infraestrutura. Na tabela 1, podemos notar que o investimento privado tem se mantido superior ao público ao longo dos últimos anos, com queda expressiva do investimento realizado pelo setor público.

Tabela 1 – Investimento público e privado na infraestrutura no Brasil em % do PIB (fonte: Abdib)

Ano Inv. Público Inv. Privado Total
2013 0,93% 1,47% 2,40%
2014 0,94% 1,44% 2,38%
2015 0,71% 1,42% 2,13%
2016 0,57% 1,18% 1,75%

Devido ao endividamento empreendido pelo setor público nos últimos anos, a narrativa em voga tem sido pautada na retirada do investimento público na economia brasileira. No entanto, como enunciado anteriormente, mundialmente, o Estado tem tido uma participação central nos investimentos em infraestrutura. Assim, é imperativo se reconhecer a importância do setor público, seja como investidor ou como financiador da infraestrutura nacional. Um ajuste fiscal que sobrepuje o investimento público em um momento em que o país precisa de todas as fontes possíveis de geração de demanda não pode gerar efeitos positivos à economia.

A proposta de lei orçamentária (PLOA) de 2018 foi aprovada pelo Congresso Nacional em 13 de dezembro de 2017. Apesar de o documento na sua redação reconhecer o investimento em infraestrutura como fundamental para o desenvolvimento, gerando empregos e oportunidades, e a sua importância para a retomada do crescimento econômico do país, a proposta de lei aprovada traz para o setor de infraestrutura números de investimentos públicos bem abaixo que os anos anteriores.

Para o ano de 2018 a PLOA destina para os investimentos públicos em infraestrutura R$ 25,9 bilhões, se descontarmos os investimentos classificados como infraestrutura, mas destinados a área de defesa, R$ 4,5 bilhões, restam para os eixos de infraestrutura logística, social e urbana, e energética pouco mais de R$ 20 bilhões em investimentos. Números bem inferiores aos anos anteriores, conforme gráfico 6.

Gráfico 6 – Recursos Destinados à Infraestrutura (PLOA) – (em R$ bilhões)

Na PLOA para o ano de 2014 os investimentos classificados como infraestrutura aparecem com a rubrica de PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, em que se destacaram os eixos de Transportes (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovia e terminais hidroviários) com R$ 18,8 bilhões, eixo Cidade Melhor, que engloba os setores de saneamento e mobilidade urbana com R$ 7,4 bilhões e eixo Água e Luz para Todos com R$ 7,1 bilhões. Há de se considerar que houve aumento dos investimentos entre 2014 e 2015 por ocasião dos eventos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas em 2016, mas o quadro acima destaca que existe desde 2015 a diminuição constante dos investimentos públicos destinados à infraestrutura. Como comparação, na PLOA de 2018 os investimentos no eixo Logístico (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias) somam R$ 10,1 bilhões, representando queda de quase 50% em relação ao investimento previsto na proposta de orçamento para o ano de 2014.

Como visto, o investimento do setor público é essencial para a retomada do crescimento econômico e ao longo dos anos, o Governo Federal, os Estados e os Municípios vêm diminuindo de forma progressiva seus valores em investimentos, incluindo o setor de infraestrutura.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea demonstram a queda acentuada desses investimentos de R$ 228 bilhões no ano de 2014 para R$ 144 bilhões em 2016, uma redução de 37% nos investimentos totais do setor público.  Essa queda acentuada dos investimentos é reflexo da crise fiscal que o Estado brasileiro vive em todos os seus níveis. Recuperar a capacidade de investimentos, por meio de políticas públicas, com equilíbrio das contas públicas, é o grande desafio dos próximos anos.

Gráfico 7 – Investimento total do setor público (setor público como um todo) (em R$ bilhões)

Fonte: Ipea

No que tange aos Estados, os investimentos totais, incluindo infraestrutura, também apresentam expressiva queda ao longo dos últimos anos. Dados do Ipea demonstram a redução do investimento em 2016 para R$ 32 bilhões, números próximos ao ano de 2011. A redução desses investimentos tem como consequência a piora na prestação dos serviços, deterioração da infraestrutura e aumento do custo Brasil. Tal como no Governo Federal, os Estados sofrem com a crise fiscal com impacto direto na sua capacidade de investimentos.

Gráfico 8 – Investimento do Setor Público (Estados) (em R$ bilhões)

Fonte: Ipea

Em paralelo à retomada do investimento público, o governo, como órgão regulador, deve através de uma regulação eficiente, com regras claras e previsibilidade, oferecer ao mercado privado a possiblidade de continuidade nos investimentos, sobretudo em infraestrutura. A parceria entre o investimento público e o privado é, e se faz necessária, para a retomada do crescimento econômico, para que o Brasil possa resgatar seu caminho de desenvolvimento sustentável que foi perdido ao longo dos últimos anos.

 

*Igor Rocha é Economista, PhD pela Universidade de Cambridge e Diretor de Planejamento e Economia da ABDIB. Venilton Tadini é Economista, Mestre pelo IPE-USP. É ex-diretor do BNDES e ex-diretor da Secretaria do Tesouro. É atualmente presidente-executivo da ABDIB.
Fontes: Gráfico 1 – Bielschowky (2002), Frischtak & Davies (2014), IBGE e ABDIB; Gráfico 2 – ABDIB. Nota: Inclui energia, transportes, saneamento e telecomunicações. Óleo e gás não incluído; Gráfico 3 –  Eurostat; Gráfico 4 – ADB; Country sources; Investment and Capital Stock Dataset, 1960–2015, IMF; Private Participation in Infrastructure Database, World Bank; World Bank (2015a and 2015b); World Development Indicators, World Bank; ADB estimates; Gráfico 5 – IDB, CAF and ECLAC, Infralatam database; Gráfico 6- Secretaria de Orçamento Federal – SOF; Gráficos 7 e 8 – Ipea.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

 

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