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iNFRADebate: A possibilidade de devolução de concessões durante a crise do coronavírus

Anna Luísa Guimarães e Bruno Burini*

Muito antes do início da crise provocada pelo coronavírus atingir diretamente o setor de infraestrutura brasileira, já era possível observar um movimento pontual de devolução de concessões.

O procedimento de relicitação, conforme o disposto na Lei 13.448/2017, compreende a extinção amigável do contrato de parceria nos setores rodoviário, aeroportuário e ferroviário e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados. Esse processo ocorre por meio de acordo entre as partes, nos termos e prazos definidos pelo Poder Executivo.

A figura surgiu para garantir que a prestação dos serviços fosse continuada nos casos de inviabilidade de adimplemento das obrigações contratuais ou financeiras assumidas.

Com o intuito de aprimorar a regulação dessa sistemática, em 2019, foi publicado o Decreto 9.957. O início do procedimento se dá com a apresentação de requerimento de relicitação por escrito formulado pelo contratado originário à agência reguladora competente que se manifestará sobre a viabilidade técnica e jurídica do pedido (art. 4º do decreto).

Com a aprovação da agência reguladora responsável, o processo será remetido para o Ministério da Infraestrutura, a quem caberá manifestar-se sobre a compatibilidade da relicitação com as políticas públicas formuladas para o setor correspondente.

Instruído com a manifestação do Ministério da Infraestrutura, o processo será submetido à deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República.

Após a concordância do poder concedente, é instaurado novo processo de licitação do empreendimento qualificado que deverá seguir os mesmos trâmites preparatórios para a celebração de uma nova parceria. O decreto ainda estabelece que durante todo esse processo a concessionária originária deverá continuar com a prestação dos serviços.

Antes do início do novo contrato de parceria fica determinada a necessidade de pagamento de indenização pelos bens reversíveis não amortizados ou depreciados vinculados à concessão. A Lei 13.448/2017, inclusive, estabelece que o pagamento dessas indenizações poderá ser atribuído ao novo contratado.

O decreto foi editado em um momento em que o Brasil já começava a mostrar sinais de uma crise econômica grave que viria pela frente, mas nada perto da crise gerada pelo novo coronavírus. Cabe a pergunta sobre quais são os reais efeitos desse decreto para as concessionárias e se ele pode ser usado como uma forma eficiente para combater a situação imprevisível que estamos vivendo devido à pandemia.

Em primeiro lugar, com a disponibilização da Lei 13.448/2017, antes mesmo da edição do próprio decreto, duas concessionárias utilizaram do procedimento para tentar se esquivar das dificuldades de manutenção de dois importantes contratos: do operador do aeroporto de Viracopos (Aeroportos Brasil S/A) e da rodovia BR-040 (Via 040).

Ambas encontraram como grande empecilho a ausência de estabelecimento de procedimentos para realização da relicitação no Brasil, que ainda não contava com decreto próprio. Isso não foi suficiente para que o Aeroportos Brasil S/A desistisse do procedimento, tendo iniciado o processo neste ano.

Se já existiam dificuldades de muitas concessionárias administrarem os serviços com os abalos financeiros que já existiam, há de se esperar que os impactos em alguns setores de infraestrutura aumentem consideravelmente com a diminuição do trânsito de pessoas e mercadorias em consequência da epidemia.

Embora muitos estejam se voltando para a possibilidade de reequilíbrio econômico financeiro dos contratos que recentemente foi referendada em parecer formulado pela Advocacia-Geral da União (Parecer 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU), tal medida pode não ser suficiente para tornar conciliáveis os contratos firmados que já estavam em situações de dificuldade. Daí a importância da relicitação.

A relicitação tem como principal benefício a devolução amigável da concessão, sem maiores “traumas” para as concessionárias, evitando o procedimento administrativo de caducidade da licitação. Além disso, eventuais conflitos devem ser resolvidos por arbitragem, o que garante maior celeridade e tecnicidade no exame da matéria específica controvertida.

Os motivos para a devolução da concessão não precisam ser exaustivamente elencados e, ainda, com a formulação do pedido já há a suspensão de novos investimentos pela concessionária.

O efeito negativo sob a imagem da antiga contratada ainda é mitigado. Obviamente, ela não poderá participar da nova licitação para o mesmo empreendimento, mas não recebe sanções do poder público sobre outros leilões nem passa a ideia de ser inadimplente com suas obrigações. Ao contrário, só demonstra a sua responsabilidade com os usuários e de oferecer a melhor prestação de serviços.

Para o poder público a situação não é tão vantajosa neste momento. A despeito das colocações elencadas pelo ministro da Infraestrutura de que as devoluções de concessões seriam um movimento comum do mercado e que o apetite dos investidores por novos leilões não seria afetado, na prática, notamos uma circunstância diferente.

Na realidade, o procedimento de relicitação é trabalhoso para o poder concedente, que depende de vários avais para que dê início a uma nova licitação – gastando tempo e recursos valiosos que poderiam ser voltados para combate de outros problemas relacionados à pandemia.

Ademais, com a devolução dos contratos de empreendimentos mais lucrativos, as novas etapas de leilões para lugares não tão bem posicionados poderiam ser claramente afetadas. É possível que alguns investidores aguardem o processo de relicitação para conseguir esses empreendimentos e deixem de lado a participação nos novos leilões.

Outro contratempo seria a necessidade de pagamento de indenização pelas novas concessionárias por valores que devem ser definidos em procedimento arbitral próprio, ou seja, sem valores determinados. Isso, no momento de crise atual, pode significar um risco que os investidores não gostariam de correr.

Diante do cenário apresentado, conclui-se que a relicitação é procedimento interessante para as concessionárias que não veem mais futuro nos seus empreendimentos e uma ótima medida para contornar a crise. No entanto, demonstra a necessidade do governo de propor imediatamente medidas efetivas de recuperação para essas empresas, de forma a evitar danos gigantescos para todo o setor de infraestrutura.

*Anna Luísa Guimarães e Bruno Burini são advogados do escritório Trench Rossi Watanabe.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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