iNFRADebate: A nova onda da infraestrutura

João Carlos de Magalhães Gomes*

Há tempos falo e vivo o mundo da infraestrutura.

São mais de 30 anos trabalhando nesse setor. Temos sempre altos e baixos. Crises, inúmeras.

Mas falando de futuro vejo que a partir de 2022 teremos uma onda promissora nos próximos anos. Vários anos. Segurança jurídica já foi dada em vários setores por meio dos marcos regulatórios. Uma vez constituído um projeto consistente, seguro e rentável, dinheiro tem.

Podemos avaliar três frentes distintas, mas alinhadas e em andamento:

1) Renovações, antecipadas ou não, de contratos de concessões principalmente no setor ferroviário;

2) Licitações de novas concessões, principalmente nos segmentos rodoviário, portuário, aeroportuário, ferroviário e de saneamento. Programas esses federais e estaduais (principalmente rodovias);

3) Programas de incentivos a novos investimentos no setor pela iniciativa privada, destacando-se o Programa Pro Trilhos.

Temos ainda programas de mobilidade urbana com vários sistemas BRT (Bus Rapid Transit) em desenvolvimento. Modelo simples, barato, eficiente e aplicável em qualquer cidade acima de 500 mil habitantes (opinião nossa).

Nas renovações antecipadas das concessões ferroviárias o governo federal impôs às concessionárias a execução de obras de infraestrutura para a solução de gargalos urbanos e operacionais. Destacam-se aqui contornos ferroviários em vários municípios, o imbróglio da chegada ao Porto de Santos e a convivência do transporte de passageiros sobre trilhos e carga na Região Metropolitana de São Paulo (CPTM/MRS).

Trata-se de obras necessárias com alto valor de melhorias e custos agregados, mas que o governo federal não possui estrutura organizacional para fazê-las. Um ponto fora da curva foi a transferência para a Vale da implantação da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste). Obra greenfield, ou seja, toda a implantar, essa ferrovia permitirá ligar a região Centro-Oeste à Ferrovia Norte-Sul e, futuramente, à Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) e aos portos do Sul, Sudeste e do futuro porto de ilhéus (Porto Sul).

Quando na Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias, entre 2015 e 2018, sempre defendi o corredor Fico/Fiol/Norte-Sul com a complementariedade do Porto Sul em Ilhéus. Esse sim um corredor importante para nossa logística de cargas agrícolas. Falta somente viabilizar as obras da Fiol III (São Desidério-BA até a Norte-Sul em TO).

Nos novos programas de concessões, os governos, federal e estaduais, estão, também, transferindo aos futuros concessionários a realização de um alto valor financeiro de obras. Em alguns casos, a implantação total do ativo como nos casos do Rodoanel de BH (Belo Horizonte), a Ferrogrão, a expansão da Nova Ferroeste e algumas ferrovias estaduais projetadas e licitadas pelo governo do Mato Grosso.

Vale destacar nesses novos programas a licitação bem-sucedida da Rodovia Presidente Dutra com a obrigatoriedade da implantação da nova Serra das Araras e a duplicação de trechos da BR-101, trecho incorporado ao projeto quando da nova licitação.

Com a sétima e oitava rodadas de concessões aeroportuária, o governo federal irá transferir à iniciativa privada 100% dos aeroportos federais. Um marco com certeza para o setor. Teremos aqui as relicitações dos aeroportos de São Gonçalo do Amarante (RN), Viracopos (SP) e Galeão (RJ). Consolida-se, portanto, o fim de um modelo de concessão onde a Infraero participava da concessionária como parte integrante da SPE (Sociedade de Propósito Específico), com 49%, como premissa do então programa de concessões. Vivi ativamente esse modelo quando liderei a implantação das obras do aeroporto de Viracopos entre 2012 e 2013. Guarulhos e Brasília serão os últimos remanescentes dessa modelagem.

No saneamento destaca-se a concessão da Cedae (RJ). Um belo programa de concessões que nasceu por obrigatoriedade quando da renegociação de dívidas do governo do Rio de Janeiro. Independentemente da causa de sua origem, o processo é muito bem-vindo, pois servirá de modelo para algumas outras companhias estaduais como a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Na questão portuária, temos o sucesso da licitação da privatização da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) a qual transferiu para o setor privado a gestão do Porto de Vitória. Na sequência virá o Porto de Santos, a joia da coroa. Temos ainda no pipeline o Porto de São Sebastião (SP). Portos do Paraná e de Santa Catarina deverão seguir o mesmo caminho.

No setor ferroviário, temos que destacar o Programa Pro Trilhos, o qual já recebeu mais de 80 manifestações de interesse pelo setor privado, dos quais quase 30 já estão autorizados a seguir em frente. São ferrovias das mais deferentes ordens. Umas longas para acesso a um porto e várias curtas, as denominadas short lines. Aqui um fato interessante: a volta do modelo de autorizações para a implantação de ferrovias, modelo esse que viabilizou a implantação de grande parte de nossa malha ferroviária de apenas 30.000 km iniciadas ainda no Império. Destaca-se aqui um personagem de nossa história e três investidores (em tempos distintos, mas alinhados na mesma visão de negócio): O imperador Dom Pedro II e os investidores Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá), Percival Farquhar e Olacyr de Morais.

Em 2022 já temos organizada a Anfa (Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas) com a intenção dos autorizatários de atuarem em conjunto nos processos de licenciamentos (assim li na mídia do setor). Associação interessante e necessária visto a complexidade de licenciamento de uma ferrovia cujo traçado engessado por questões de engenharia e custos (rampas máximas baixas e raios de curva longos). Ferrovia sempre tem a chance de ter um túnel. A estatal Valec, da qual tive a honra de ser diretor de engenharia entre 2017 e 2018, tem muito o que ajudar nesses processos de licenciamento e desapropriação. Não é parte integrante direta do processo, mas pode ser uma prestadora de serviços bastante interessante. Vamos ver.

Na mobilidade urbana temos vários projetos de BRT sendo desenvolvidos e/ou em obras. Quando da implantação das obras do BRT Sorocaba em 2020/21 às quais lideramos sua implantação como parte da estrutura organizacional do cliente, vivenciamos as melhorias do sistema de transportes trazidas por esse modelo. Segurança, tecnologia e conforto são benefícios diretos. Interessante desse modelo é que se pode implantá-lo com ou sem grandes volumes de desapropriações adotando-se vias segregadas, Curitiba e Belo Horizonte por exemplo, ou vias não segregadas, como em Sorocaba. Percebemos a aplicabilidade desse modelo em qualquer cidade com mais de 500 mil habitantes com certeza. Hoje temos BRTs em Curitiba, onde nasceu esse modelo de transporte desenvolvido e implantado pelo saudoso Jaime Lerner, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Uberlândia, Sorocaba, Cuiabá (recém licitado em regime RDC), dentre outros.

Feito esse pequeno panorama setorial, vamos avaliar os players:

Podemos ver que, para os programas de logística de carga, ferrovias e rodovias, o investidor hoje é, em síntese, o gerador da demanda e/ou fundos de investimentos e/ou os atuais operadores. Vemos a saída dos empreiteiros das concessões de rodovias, antes líderes nesse modelo buscando formas de se obter contratos de obras em outra vertente de licitação.

No setor aeroportuário, predominam players operadores (Zurich, Fraport, Aena) e a CCR, que hoje é uma empresa pujante também nesse setor. Para os aeroportos de menor porte, principalmente os aeroportos regionais, temos investidores de natureza de operação de terminais de transportes públicos tipo Socicam e outras.

No saneamento, mantém-se a predominância de empresas constituídas no passado para esse fim, tais como Aegea, Iguá e Águas do Brasil. Novos investidores tem aparecido nas licitações, mas em processos de menor porte.

Na mobilidade urbana teremos, na maioria das vezes, investidores que detêm o conhecimento operacional do setor de transporte público. Excetua-se aqui a operação de sistemas metroviários complexos tais como São Paulo e Salvador, que hoje são operados pela CCR. Caso isolado é o projeto da linha 6 – laranja do metrô de São Paulo, que contempla a implantação plena do ativo e sua operação. Hoje esse projeto, do qual fui diretor quando da estruturação da Concessionária Move SP, em 2013/14, encontra-se com a empresa espanhola Acciona.

Ainda teremos obras com investimentos direto pelo setor público, mas a cada dia obras de menor porte e/ou de natureza de conservação ou restauração. Poucas obras de grande porte serão de caráter greenfield. Essas, como já dito, serão parte integrante de processos de privatização, concessão ou PPPs (parcerias público-privadas).

Isso posto e, vendo-se a quantidade e magnitude dos projetos e consequentemente os valores envolvidos (fala-se em quase R$ 1,0 trilhão de investimentos nos próximos anos com recursos privados), vejo que os profissionais da engenharia terão uma bela onda para surfar.

Vamos nos preparar, ajustar nossas pranchas e trabalhar muito. O Brasil pode contar com sua engenharia. Estamos prontos!

*João Carlos de Magalhães Gomes é engenheiro civil e sócio e diretor da Vellent Engenharia em Infraestrutura.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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